“Salvemos
a escola pública
Antes de ingressar na
faculdade, em 1964, estudei oito anos em escola pública. Como ocorre agora com
as universidades, em geral elas superavam em qualidade os colégios
particulares. Além da inigualável vantagem de serem gratuitas.
Hoje,
nossas escolas públicas de ensino básico estão sucateadas. Foram deterioradas
pela má administração pública, a corrupção, o descaso para com alunos e
professores. Há, no Brasil, 55 mil escolas públicas. Segundo a Organização para
a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), apenas 0,2%, ou seja, 160
alcançam um índice de desempenho considerado médio.
Adota-se
no Brasil, para classificar nossas escolas de ensino básico, o Sistema de
Avaliação da Educação Básica (Saeb), feito por amostragem, e o Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que dá nota de 0 a 10 às
instituições de ensino, tendo por critério o desempenho dos alunos na Prova
Brasil, exame aplicado a todos os alunos de 4ª e 8ª séries.
Em
todo o país, apenas 110 escolas mereceram nota seis ou acima. Nas séries
iniciais do ensino fundamental nossa nota é 3,8. Os cursos de 5ª a 8ª séries
ganharam nota 3,5. No ensino médio, 3,4. A meta do Ministério da Educação
(MEC), estimulado pela Campanha “Compromisso todos pela educação”, é que a
maioria de nossas escolas atinja a nota seis em 2021. O Ideb atual da Holanda é
7; do Reino Unido, 6,5. Há no Brasil colégios, raros, que receberam nota 8,5,
como a Escola Professora Guiomar Gonçalves Neves, em Trajano de Morais (RJ). É
a de melhor qualidade no país.
Será
que daqui a 15 anos – véspera do bicentenário da independência do Brasil –
alcançaremos a meta almejada? No estado do Rio, 20 mil crianças não frequentam salas
de aula por falta de professores. O índice nacional de reprovação é de 11,9%. A
distorção idade/série é de 17,3%.
O que
faz uma boa escola? Muitos fatores, entre os quais disciplina, ou seja, não
tolerar atrasos de alunos; contar com professores efetivos e qualificados
(mestrado, doutorado ou especialização) trabalhando em tempo integral;
remunerar dignamente o corpo docente; aumentar a permanência do aluno na
escola; contar com oficinas de música, teatro e artes plásticas; laboratórios
de idiomas, ciências e informática; grêmio estudantil; salas de leitura e
vídeos etc.
O MEC
promete que o governo haverá de liberar, ainda este ano, R$ 30 milhões para as
escolas urbanas, e R$ 66 milhões para as rurais. As 5 mil escolas com piores
índices no Ideb terão direito, cada uma, a módicos R$ 6 mil para investirem em
infra-estrutura, material pedagógico e apoio metodológico. Por meio de sistema
de educação a distância – a Universidade Aberta do Brasil –, o MEC pretende
qualificar 2 milhões de professores do ensino básico.
Recente
pesquisa realizada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (Unesco), em parceria com o governo federal, comprovou que
82,4% dos alunos reprovados no ensino fundamental culpam a si mesmos pelo
atraso. A mesma pesquisa indica que a culpa não pode ser atribuída às crianças.
Ela recai na falta de motivação dos professores, na péssima infra-estrutura das
escolas e no fato de diretores e professores não darem importância à realidade
pessoal e familiar do estudante.
Não se
pode culpar uma criança de 10 anos pelo fracasso escolar. No entanto, se isso
não fica claro para ela, se não se sente valorizada na escola e querida pelos
professores, ficará com sentimento de derrota, o que pode revoltá-la ou levá-la
ao desânimo precoce.
A
maioria de nossos estudantes chega à 4ª série com dificuldade de leitura e
redação. Falta estímulo ao professor, muitas vezes submetido a carga excessiva
de trabalho, sem condições de aprimorar sua qualificação e humilhado por
salário irrisório.
Em
fins de junho, o Banco Mundial divulgou o relatório Jovens em situação de risco no Brasil. As conclusões preocupam:
nossos jovens matam em morrem mais, iniciam a vida sexual cada vez mais cedo e
são vulneráveis às drogas. Dados da Secretaria Nacional da Juventude mostram
que, hoje, 9,5 milhões de brasileiros entre 15 e 29 anos não estudam e estão desempregados.
Desses, 4,5 milhões não completaram o ensino fundamental. É entre esses que se
inclui a maioria dos assassinos e dos assassinados.
O que
fazer diante desse quadro aflitivo? Pressionar o poder público? Sim. Votar ano
que vem em vereadores e prefeitos comprometidos com a prioridade à educação?
Também. Mas por que não reunir as famílias de seu bairro ou comunidade e
promover um mutirão para a melhoria das escolas públicas da região? Por que não
assegurar instrução e/ou emprego a um ou dois desses 9,5 milhões de jovens
vulneráveis ao narcotráfico?”.
(FREI BETTO. Escritor,
autor de Alfabetto – autobiografia
escolar (Ática), entre outros livros, em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 9 de agosto
de 2007, caderno CULTURA, página
10).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição de 9
de janeiro de 2015, caderno OPINIÃO, página
7, de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE
AZEVEDO, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente
integral transcrição:
“Duelos
entre opiniões
Há uma palavra
magistral de Jesus, no templo de Jerusalém, dirigida aos judeus, que
acreditaram nele, conforme narra São João no seu Evangelho: “Se permanecerdes
em minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos, e conhecereis a
verdade e a verdade vos libertará”. Essa palavra é a indispensável evocação de
que existem princípios e valores inegociáveis que permitem à humanidade
aproximar-se da verdade que liberta. Trata-se de um ensinamento que não impede
a diversidade das opiniões, mas adverte a respeito da verdade como condição insubstituível
para que haja autêntica liberdade.
Compreende-se
que há um perene e exigente percurso na busca da aproximação da verdade.
Ninguém dela é dono ou a possui na sua inesgotável inteireza. Afastar-se desse
entendimento produz consequências sérias e abomináveis, como os
fundamentalismos religiosos, políticos e outros, que muitas vezes são usados
para justificar a perpetração de crimes, atentados e outros tipos de
desrespeitos à dignidade humana. Especialmente na contemporaneidade, diante de tantos
avanços e conquistas no âmbito dos direitos e cidadania, não se pode encastelar
a verdade nas estreitezas de parâmetros culturais, religiosos e políticos que
cegam e tentam justificar ações inaceitáveis.
As
muitas ameaças à liberdade e à cidadania que ocorrem pelo mundo, em razão de
opiniões equivocadamente elaboradas – particularmente as que nascem de
convicções religiosas e políticas –, são motivo de grande preocupação. Não
menos preocupantes são os cenários que se formam no interior de culturas e
nações quando mecanismos degradam o erário, a violência ceifa vidas, as
disputas desumanas intermináveis destroem sonhos e possibilidades. Cada relato
de violência, vandalismo, atentado e outras abominações deve levar a um exame
de consciência e a uma postura mais cidadã que indiquem a necessidade
permanente de se buscar a verdade para balizar opiniões.
Esse
processo educativo e civilizado é uma urgência no contexto do mundo
contemporâneo que, na contramão de seus avanços e conquistas, continua a
alimentar barbáries e inseguranças. Uma triste realidade em que cada pessoa
busca justificar suas ações apenas a partir do próprio ponto de vista. O
distanciamento da verdade é o caminho mais curto para todo tipo de terrorismo,
corrupção e atentados contra grupos, sociedades e culturas.
O
exercício civilizatório que o contexto atual preocupante exige é desafiador,
urgente e precisa ser considerado em todos os âmbitos. Não pode restringir-se
às estratégias de Estado em defesa de sua integridade, ou às instituições na
preservação de suas identidades, nem mesmo à família, na sua indispensável
condição de ordenar a sociedade. Inclui também, e de modo muito especial, a
postura cidadã de cada um diante do outro, da realidade, dos projetos e das
diversas situações. Não se pode viver da alimentação indiscriminada e
facilitada pelos meios todos disponíveis de um duelo entre opiniões. Continuar
nesse caminho é viver sob a ameaça constante de uma “bomba-relógio”, que pode
explodir aqui ou em qualquer outro lugar, com danos de toda a natureza para
povos, culturas, grupos e indivíduos, acabando drasticamente com projetos,
sonhos e possibilidades.
É
preciso averiguar e mapear fundamentalismos de todo tipo, lacunas sérias em
processos educativos, para desenvolver programas e dinâmicas que garantam aos
indivíduos, nas diferentes culturas e realidades, um sentido de apreço pela
verdade. Somente assim será possível a convivência de opiniões que contribuam
para as escolhas e para a adoção de novas posturas, pois prevalecerá a perspectiva
de que o mais importante, e está acima de tudo, é o respeito a direitos e a
dignidades. Oportuno lembrar o que diz o papa Francisco, na sua mensagem para o
Dia Mundial da Paz deste ano: “A Boa Nova de Jesus Cristo – por meio de quem
Deus renova todas as coisas – é capaz de redimir também as relações entre os
homens, incluindo a relação entre um escravo e o seu senhor, pondo em evidência
aquilo que ambos têm em comum: a filiação adotiva e o vínculo de fraternidade
em Cristo”.
Essa
referência é um exemplo de princípio e valor que deve incidir sobre dinâmicas
culturais e modificá-las na direção de uma incontestável qualificação. Trata-se
de um ensinamento que promove a fraternidade, gera a paz e sustenta o sentido
de igualdade que convence sempre, mentes e corações, sobre a importância de se
respeitar a integridade do outro, seus direitos e a riqueza de sua cidadania. É
preciso investir permanentemente nas dinâmicas sociais, políticas, religiosas e
culturais presididas por valores e princípios capazes de preservar a vida em
sociedade. Assim, será possível trilhar o caminho da verdade, distante das
tiranias que sempre serão fonte de prejuízos e dos inaceitáveis “duelos entre
opiniões” que comprometem o bem, a justiça e a paz.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas
educacionais, governamentais, jurídicas,
políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de
modo a promovermos a inserção do País no
concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e
sustentavelmente desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade –, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches – a propósito, a revista VEJA
desta semana traz fecunda matéria sob o título UMA BELA SINFONIA PUERIL: “ Nos três primeiros anos de vida de uma
criança, o cérebro realiza mais conexões neurais do que na idade adulta. Um dos
campos da medicina que mais avançam é o da investigação de como os estímulos
podem exercitar os mecanismos mentais de um bebê...”; 4 e 5 anos de idade, em
pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas
crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –,
até a pós-graduação (especialização,
mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade
absoluta de nossas políticas públicas;
b) o
combate implacável, sem eufemismos e
sem tréguas, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são:
I – a inflação, a exigir permanente,
competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares
civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, há séculos, na mais perversa promiscuidade –
“dinheiro público versus interesses privados” –, como um câncer a se
espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos
e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício,
em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e
danos, indubitavelmente irreparáveis;
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2015, segundo a proposta do Orçamento Geral da União, de
exorbitante e insuportável desembolso de cerca de R$ 1,356 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e
refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 868 bilhões), a exigir imediata, abrangente, qualificada e
eficaz auditoria...
Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta
a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e
regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores
como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos
sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana
(trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às
commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência
social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas;
polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência,
tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações;
qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –,
transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade – “fazer mais e
melhor, com menos” –, criatividade, produtividade, competitividade); entre
outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo e
nem arrefecem o nosso entusiasmo e
otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação
verdadeiramente participativa, justa,
ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática e
desenvolvida, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas
riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos
os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos
bilionários previstos e que contemplam eventos como a Olimpíada de 2016; as
obras do PAC e os projetos do Pré-Sal, à luz das exigências do século 21, da
era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do
conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um
possível e novo mundo da justiça, da
liberdade, da paz, da igualdade – e com
equidade –, e da fraternidade
universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!
O
BRASIL TEM JEITO!