quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

A CIDADANIA, A DEMOCRACIA, A LIBERDADE E OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO (43/17)

(Janeiro = Mês: 43; Faltam 17 meses para a Copa do Mundo 2014)

“Analfabetos funcionais

A educação brasileira tem estado nas manchetes de jornais, rádios e tevês. Com a divulgação do resultado de avaliações periódicas como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), os olhos se voltam para notas e rankings. Há preocupação com a atuação dos estudantes e escolas. É bom sinal. Ter o retrato sem retoques do setor mais sensível do atual estágio de desenvolvimento do país constitui passo importante para acertar rumos.

Com o justo escarcéu provocado por sucessivos dados nada animadores, a população se descuidou de fato preocupante, revelado na quarta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo o Censo 2010, 49,3% dos brasileiros de 25 anos ou mais não concluíram o ensino fundamental. Em bom português: quase metade dos cidadãos em idade produtiva é incapaz de ler e escrever textos necessários ao desempenho das atividades profissionais.

Analfabeta funcional, a multidão que abandonou os bancos escolares antes do tempo é vítima da má qualidade que caracteriza o ensino nacional. O descaso com a excelência vem de longe. Trata-se de dívida acumulada por décadas de promessas não cumpridas. Nos anos 1970, com atraso em relação não só aos países centrais mas também aos periféricos, o Brasil tomou passo importante – iniciou o processo de universalização do acesso à escola.

Foi tarefa hercúlea, abraçada pelos governos militares e democráticos independentemente de cor partidária, que atingiu o objetivo antes do fim do século passado. O esforço, porém, ficou pela metade. O país universalizou o acesso à escola, mas fechou as portas do conhecimento. Sem preparar-se para fazer frente aos desafios impostos pela nova realidade, manteve procedimentos adequados à escola da elite, porém impróprios para a educação de massa.

É ingenuidade imaginar que o resultado seria diferente do registrado ao longo dos anos. A verdade que emerge dos dados do IBGE é que, desestimulados, milhões de estudantes brasileiros se evadem do convívio de livros, cadernos, redações e cálculos. Os persistentes concluem o nível superior e até a pós-graduação, mas com defasagem de, pelo menos, cinco anos de estudos. A conta não bate só à porta do profissional. Tem reflexos profundos na produtividade e contribui para o retrocesso na produção industrial. Além da escassez de gente bem preparada para desenvolver projetos e contribuir para a inovação tecnológica do país, a média de conhecimentos do trabalhador brasileiro nem sempre o capacita a entender manuais e a operar equipamentos sofisticados.

Como competir com o trabalhador coreano, por exemplo, cuja escolaridade média é de 15 anos? Ou com o norte-americano, que produz cinco vezes mais do que nós? Vale lembrar: não há país rico com educação pobre. Nem país desenvolvido com educação subdesenvolvida.”

( EDITORIAL publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 23 de dezembro de 2012, caderno OPINIÃO, página 6).

Mais uma importante, pedagógica e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a cidadania e qualidade vem de Paulo Freire, em EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA DA LIBERDADE, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 23ª edição, páginas 100 a 102, capítulo 3 – Educação “Versus” Massificação:

“... E o Brasil estava incontestavelmente vivendo uma fase assim, nos seus grandes e médios centros, de que porém se refletiam para centros menores e mais atrasados influências renovadoras, através do rádio, do cinema, da televisão, do caminhão, do avião. Fase em que, à transitividade da consciência se associava o fenômeno da rebelião popular. Sintoma, por sinal, dos mais promissores da nossa vida política. Acrescentemos porém que, ao não só defendermos, mas até enaltecermos o processo de rebelião do homem brasileiro, não estávamos nem mesmo longinquamente pretendendo uma posição espontaneísta para essa rebelião. Entendíamos a rebelião como um sintoma de ascensão, como uma introdução à plenitude. Por isso mesmo é que nossa simpatia pela rebelião não poderia ficar nunca nas suas manifestações preponderantemente passionais. Pelo contrário, nossa simpatia estava somada a um profundo senso de responsabilidade que sempre nos levou a lutar pela promoção inadiável da ingenuidade em criticidade. Da rebelião em inserção.

Cada vez mais nos convencíamos ontem e estamos convencidos hoje de que, para tal, teria o homem brasileiro de ganhar a sua responsabilidade social e política, existindo essa responsabilidade. Participando. Ganhando cada vez maior ingerência nos destinos da escola do seu filho. Nos destinos do seu sindicato. De sua empresa, através de agremiações, de clubes, de conselhos. Ganhando ingerência na vida do seu bairro, de sua Igreja. Na vida de sua comunidade rural, pela participação atuante em associações, em clubes, em sociedades beneficentes.

Assim, iríamos ajudando o homem brasileiro, no clima cultural da fase da transição, a aprender democracia, com a própria existência desta.

Na verdade, se há saber que só se incorpora ao homem experimentalmente, existencialmente, este é o saber democrático.

Saber que pretendemos, às vezes, os brasileiros, na insistência de nossas tendências verbalistas, transferir ao povo nocionalmente. Como se fosse possível dar aulas de democracia e, ao mesmo tempo, considerarmos como “absurda e imoral” a participação do povo no poder.

Daí a necessidade de uma educação corajosa, que enfrentasse a discussão com o homem comum, de seu direito àquela participação.

De uma educação que levasse o homem a uma nova postura diante dos problemas de seu tempo e de seu espaço. A da intimidade com eles. A da pesquisa ao invés da mera, perigosa e enfadonha repetição de trechos e de afirmações desconectadas das suas condições mesmas de vida. A educação do “eu me maravilho” e não apenas do “eu fabrico”. A da vitalidade ao invés daquela que insiste na transmissão do que Whitehead chama de inert ideas – Idéias inertes, quer dizer, idéias que a mente se limita a receber sem que as utilize, verifique ou as transforme em novas combinações.

Não há nada que mais contradiga e comprometa a emersão popular do que uma educação que não jogue o educando às experiências do debate e da análise dos problemas e que não lhe propicie condições de verdadeira participação. Vale dizer, uma educação que longe de se identificar com o novo clima para ajudar o esforço de democratização, intensifique a nossa inexperiência democrática, alimentando-a.

Educação que se perca no estéril bacharelismo, oco e vazio. Bacharelismo estimulante da palavra “fácil”. Do discurso verboso.

Quase sempre, ao se criticar esse gosto da palavra oca, da verbosidade, em nossa educação, se diz dela que seu pecado é ser “teórica”. Identifica-se assim, absurdamente, teoria com verbalismo. De teoria, na verdade, precisamos nós. De teoria que implica numa inserção na realidade. De abstração. Nossa educação não é teórica porque lhe falta esse gosto da comprovação, da invenção, da pesquisa. Ela é verbosa. Palavresca. É “sonora”. É “assistencializadora”. Não comunica. Faz comunicados, coisas diferentes.

Entre nós, repita-se, a educação teria de ser, acima de tudo, uma tentativa constante de mudança de atitude. De criação de disposições democráticas através da qual se substituíssem no brasileiro, antigos e culturológicos hábitos de passividade, por novos hábitos de participação e ingerência, de acordo com o novo clima da fase de transição. Aspecto este já afirmado por nós várias vezes e reafirmado com a mesma força com que muita coisa considerada óbvia precisa, neste País, ser realçada. Aspecto importante, de nosso agir educativo, pois, se faltaram condições no nosso passado histórico-cultural, que nos tivessem dado, como a outros povos, uma constante de hábitos solidaristas, política e socialmente, que nos fizessem menos inautênticos dentro da forma democrática de governo, restava-nos, então, aproveitando as condições novas do clima atual do processo, favoráveis à democratização, apelar para a educação, como ação social, através da qual se incorporassem ao brasileiro esses hábitos.

O nosso grande desafio, por isso mesmo, nas novas condições da vida brasileira, não era só o alarmante índice de analfabetismo e a sua superação. Não seria a exclusiva superação do analfabetismo que levaria a rebelião à inserção. A alfabetização puramente mecânica. O problema para nós prosseguia e transcendia a superação do analfabetismo e se situava na necessidade de superarmos também a nossa inexperiência democrática. Ou tentarmos simultaneamente as duas coisas.

Não seria, porém, com essa educação desvinculada da vida, centrada na palavra, em que é altamente rica, mas na palavra “milagrosamente” esvaziada da realidade que deveria representar, pobre de atividades com que o educando ganhe a experiência do fazer, que desenvolveríamos no brasileiro a criticidade de sua consciência, indispensável à nossa democratização.

Nada ou quase nada existe em nossa educação, que desenvolva no nosso estudante o gosto da pesquisa, da constatação, da revisão dos “achados” – o que implicaria no desenvolvimento da consciência transitivo-crítica. Pelo contrário, a sua perigosa superposição à realidade intensifica no nosso estudante a sua consciência ingênua. ...”.

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, pedagógicas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

a) a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade em creches; 4 e 5 anos de idade em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de seis anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

b) o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais avassaladores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas s esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de variada ordem (a propósito, iniciamos o ano com três das maiores operações registradas: o mensalão, a cachoeira e o porto seguro) ; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;

c) a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União (R$ 2,3 trilhões), de astronômico e intolerável desembolso da ordem de R$ 1 trilhão (previsão apenas para “refinanciamentos” de R$ 610 bilhões), a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos, a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tanta sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a confiança em nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); moradia; emprego, trabalho e renda; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação); logística; agregação de valor às commodities; esporte, cultura e lazer; turismo; minas e energia; comunicações; sistema financeiro nacional;qualidade (planejamento, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade), entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que permita a partilha de suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a 27ª Jornada Mundial da Juventude em julho no Rio de Janeiro; a Copa das Confederações em junho; a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, segundo as exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das empresas, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias e de um possível e novo mundo da justiça, da paz, da liberdade, da igualdade – e com equidade – e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa , a nossa esperança... e perseverança!...

O BRASIL TEM JEITO!...