quarta-feira, 20 de abril de 2011

A CIDADANIA, O REALENGO, AS CRISES E UMA SOCIEDADE ENFERMA

“Isolamento humano

O computador, vedete tecnológica, já se inova com menos de um ano. Nosso espírito, que nos torna humanos, para modificar-se leva anos, décadas e muitos nem chegam a crescer espiritualmente.O distanciamento entre as pessoas chega a assustar-nos. Perdemos o senso de solidariedade e a tecnologia é uma das vilãs, pois, queira ou não, está a serviço do capital. O capitalismo, na essência, visa ao ganho, ao lucro e aí somos induzidos, demasiadamente, às recompensas financeiras e em valorizar todas as vantagens tecnológicas. A cooperação, o entendimento e a fraternidade ficam para segundo plano. Mesmo os países que se aproximam de um socialismo mais verdadeiro, como Suécia, Dinamarca, Noruega e outros, não se livram do ranço capitalista com ações empresariais e governamentais, em que o dinheiro é arrogante e até cruel.

O antropólogo e humanista Desmond Norris, em A fauna humana, explica muito a origem desse distanciamento, entre os humanos, que hoje vivenciamos. Diz ele que, no início histórico, os povos viviam em pequenas comunidades, sem tecnologia, é claro, interdependentes e fortemente ligados por afeto. À medida que as comunidades foram crescendo e, quando um passou a não conhecer o outro, esses laços afetivos foram se desfazendo, ao ponto de hoje não conhecermos nossos vizinhos, mesmo morando no mesmo lugar por muitos anos. A cada dia aumenta a atração pela tecnologia e dinheiro, com reais perdas de valores. A indústria bélica, que não está a serviço do bem-estar coletivo, tem crescimento e sofisticação galopantes. Nossa relação com a natureza é alarmante: já consumimos, indiscriminadamente, 30% de bens não renováveis do planeta, enquanto os índios norte-americanos, sem influência dos brancos, cultivavam o uso dos recursos naturais, avaliando o impacto nas sete gerações futuras.

Penso que as religiões e escolas podem ajudar muito na mudança de pensamento. Para tanto, é preciso, mais do que nunca, outra direção. O chamado bullying, ataque moral e físico nas escolas, que ocorre Brasil afora, é o maior sintoma de perda de valores entre crianças e adolescentes. As normalistas de outrora, verdadeiras mestras, diferentes das professoras de hoje, além de instruir não se descuidavam em formar cidadãos. O Brasil se viu em estado de choque com o massacre de escolares em Realengo, mas fecha os olhos para determinadas sociopatias. Hoje, os cursos, sobretudo, de graduação, sem filosofia nos currículos, pecam na formação humana, ficando longe de suprir valores transcendentes aos futuros profissionais. A maioria dos executivos industriais é composta por engenheiros e grande parte tem boa qualificação técnica, mas pouco conhecimento humanístico. Comandar máquinas é muito diferente de pessoas. Quem comanda precisa entender de gente. Josh MacDowell, em Evidência que merece um veredito, diz: “O coração não pode ter prazer naquilo que a mente rejeita”. O homem contemporâneo pensa muito, mas com pouco sentimento. O robô também “pensa”, mas isto só não basta, precisamos nos reciclar para encurtar a distância do coração para a cabeça.”
(GILSON FONSECA, Consultor de empresas, em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de16 de abril de 2011, Caderno OPINIÃO, página 11).


Mais uma IMPORTANTE e PEDAGÓGICA contribuição para o nosso trabalho de MOBILIZAÇÃO PARA A CIDADANIA E QUALIDADE vem de artigo publicado no mesmo veículo e edição, Caderno PENSAR, página 6, de autoria de INEZ LEMOS, que é psicanalista, que merece igualmente INTEGRAL transcrição:

TRAGÉDIA DE REALENGO ESPELHA O QUE DE PIOR A SOCIEDADE OFERECE AOS JOVENS: BULLYING, COMPETITIVIDADE, VIOLÊNCIA E IMAGINÁRIO SOCIAL MARCADO SOBRETUDO PELO PRECONCEITO


“CRÔNICA DO
DESESPERO ANUNCIADO

Bullying, fanatismo, misoginia, psicose. Como debater a tragédia de Realengo em meio aos significantes usados para explicar o que motivou Wellington Menezes de Oliveira a invadir a escola, matar 12 crianças e se suicidar? Um psicótico desarmado não representa tanto perigo. O perigo se dá quando um indivíduo revoltado e angustiado sai pela rua armando tentando sanar a dor – ferida narcísica que sangra e faz sofrer. Ao tecer nosso fel moralista e de horror diante de barbáries, devemos questionar se essa não é outra tragédia anunciada. A sociedade brasileira votou em plebiscito contra o desarmamento. A maioria escolheu o direito de comprar armas para se defender. Infelizmente, Wellington usou a mesma estratégia para vingar dos que representavam, em seu delírio, o mau – escola, colegas. O psicótico delira com o imaginário social em que está inserido, não fabrica devaneios do nada.

Episódios assim expõem os valores em que os jovens são educados. Onde estão se espelhando? Quem são seus mestres? A maioria segue, madrugada adentro, os gurus cibernéticos. A internet vetoriza, instrui e comanda obsessões e delírios. O psicótico opera em busca de algo que supre a referência paterna – religão, seitas, mestres. Wellington, ao demonstrar preferência pelos animais, reprova o ser humano. O que o levou a se identificar com os bichos? Ao sofrer bullying, sentiu-se um vira-lata? Ex-alunos da escola, colegas de Wellington, lembraram que a turma, principalmente as meninas, “zoavam” dele por ser feio e esquisito. E reforçaram: ninguém gostava do rapaz.

Bullying significa ameaçar, oprimir, arreliar. A prática de agredir o outro, desrespeitando-o e fazendo chacota de seus pontos fracos, revela arrogância e violência. Traços da sociedade desigual que não suporta a convivência com o diferente. O indivíduo feio, velho, negro, pobre e homossexual será sempre merecedor de desdém do branco, loiro, rico e bonito. Contudo, não caberia perguntar como nós, adultos, estamos agindo diante das crianças? Como surge a ideia de “zoar” o outro? Sem perceber, acabamos alimentando tais comportamentos. A tragédia de Realengo também deve ser vista como exemplo da violência escolar, uma vez que o ódio foi gestado dentro da escola, quando colegas o flechavam no coração, com descaso e preconceito. “Dizíamos: ‘Sai daí, seu feio’, quando alguém sentar no lugar que ele estivesse ocupando”, lembra um ex-colega. Wellington escolheu o alvo, buscou em cada rosto bonito a vingança adiada. Em cada tiro depositou a esperança da redenção, alívio do ressentimento guardado há anos. O psicótico armado representa perigo, assim como um coração magoado, ferido em sua mínima dignidade, pode se transformar em arsenal de revolta.

NARCISO Sabe-se que uma das garotas que mais molestavam Wellington se sentia excluída entre as bonitas por ser gordinha. Agredir o colega era uma forma de adesão ao grupo dos bem-nascidos. Como canta Caetano: “Narciso acha feio o que lhe é espelho”. A escola e a família espelham a sociedade e dividem o mesmo tecido social. Portanto, são agenciadoras de violência. Bullying é instrumento de desforra, demonstração de poder utilizado, muitas vezes, para destilar o fel acumulado em ambientes competititivos, sórdidos e desrespeitosos. A instituição escolar, com suas mazelas humanas, provocou em Wellington o desejo de acabar com seu inferno – fogo que dilacera almas desamparadas e solitárias. Wellington delirou o momento de notoriedade – por bem ou por mal, vão me reconhecer e admitir minha existência. Há muito os jovens estão anestesiando a solidão na internet, instrumento de sobrevivência das sociedades de massa.

A imprensa se mobiliza em busca de saídas – todos anseiam por receitas na tentativa de se evitar outras tragédias. Vítimas de abandono e bullying, alunos feridos em sua dignidade e molestados na alma merecem escuta cuidadosa. Como dar ouvidos às diferentes formas de clamor por carinho e atenção? Como evitar que o colega escancare ainda mais a dor do diferente? Não é hora de a instituição escolar abrir espaço em sua agenda e debater com a comunidade escolar em que sociedade gostariam viver? Ao incluir em seus conteúdos os sintomas que rondam a vida de seus alunos, a escola dá provas de educa para a vida, de que seu compromisso é com a ética do bem viver. E não apenas com os resultados apregoados pelo mercado – garantia de futuro financeiro promissor.

Podemos confundir prioridades ao dar relevância a ações que fogem ao , papel de uma escola. Sabemos que, hoje, estudar é festa. A garotada, geralmente, vai munida de gadgets para exibir aos colegas, enquanto pais desfilam carrões na porta e disputam, de forma arrogante, a fila dupla. Melhor não seria a escola debater o consumo e suas vicissitudes, investigando as implicações para o adolescente de valorizar tanto os objetos? Estaríamos gostando mais de coisas que de gente?

HIPOCRISIA Podemos ajudar a minimizar a violência entre os jovens, basta sermos mais atenciosos e delicados com o diferente, o outro, que, sutilmente, excluímos de nosso convívio. Poucos perdem tempo com rebotalhos, os olhos da maioria se voltam para os jovens, bonitos e saudáveis. Chega de hipocrisia. A violência diminuirá quando gentileza, respeito e tolerância ocuparem o lugar da arrogância e da maledicência. Quando tivermos olhos dignos para os gordos, velhos, feios e pobres. Basta priorizarmo mais as pessoas, promovendo-as a gente.

A beleza da vida está na forma espontânea e natural com que crianças são educadas. Bartolomeu Campos Queirós, em Por parte de pai lembra-nos da infância e da vida escolar no interior de Minas. Uma ode aos bons sentimentos, reverenciando a emoção que brotava da terra bruta, nos quintais e fogões à lenha. Do convívio com os avós, das relações de amizades e confiança. Bem diferente do convívio com disputas, competições e estratégias de poder. “Filhos de muitos ofícios – pedreiros, lavadeiras, professores, médicos, motoristas, órfãos – e sem inquietações pelas diferenças, nós nos gostávamos em silêncio, vencendo o destino sonhado, um a um. E o recreio era o lugar das trocas: bolo por araticum, maçã por manga, goibada por chocolate, banana por doce cristalizado. E assim experimentávamos o gosto da vida do outro, sem reservas. A nossa diferença era a nossa alegria.”

Acredito que Bartolomeu, em seu belo livro, toca na ferida que, provavelmente, motivou o ex-aluno a voltar ao local do crime, uma vez que ele saiu da escola com a alma machucada, violentada, destroçada. Vivemos numa sociedade que ensina às crianças, desde cedo, não trocar, não perder. Nosso filho deve ser o melhor da classe, o mais bem vestido e preparado para ganhar o futuro. A infância, no espirito da colaboração (e não da competição) estimula o bem e o belo, como foi a de Bartolomeu. Desde menino, era provocado pelo avô, que cultuava as palavras. E as conservava nas paredes de casa, tal como conservamos joias. “Todo acontecimento da cidade, da casa, da casa do vizinho, meu avô escrevia nas paredes... As paredes eram o caderno do meu avô. Cada quarto, cada sala, cada cômodo, uma página.” Do reino das palavras nasce o escritor – alguém que rompe a solidão com pensamentos, transforma a vida simples em personagem de várias histórias. Somos movidos por aquilo que nos toca fundo. Bartolomeu foi cutucado pelo amor do avô, e com ele fez ouro.

FAROESTE Na cultura do “bateu-levou” todos querem ganhar a parada, niguém aceita perder. Se um indivíduo esbarra no carro ou olha para a namorada do outro, corre o risco de levar bala na testa. O clima de faroeste já se instalou. Não é de hoje que julgamos normal a violência – homofobia, eugenia, misoginia. Enquanto procurarmos fora de nós os responsáveis pelas tragédias que nos envolvem, dificilmente iniciaremos o processo de mudança.

Wellington é fruto da cultura da beleza. Narcísica e consumista, celebra a boa aparência e desmoraliza a fealdade e a velhice. Enquanto ensinarmos os filhos a passar a perna no outro, furar a fila, não assumir compromissos, a não respeitar serviçais e esquisitos, corremos o risco de cinicamente e estarrecidos em poltronas, assistir a massacres e chacinas. A banalidade da vida é consequência do desprezo pela alteridade. Não seria melhor repensar escolhas, revendo opções, conceitos e posturas?

Confinamos os jovens diante das máquinas, oferecendo-lhes uma vida fria, empobrecida de gente, de trocas e amizades. A pior solidão é não ter densidade interior para se envolver – ser incapaz de povoar a vida com a própria mente. A carta do assassino, o monstro solitário, revela o desespero de quem vive isolado e sonha
em ser lembrado, reconhecido.”

Eis, pois, mas RICAS e PROFUNDAS abordagens e REFLEXÕES que nos acenam para os GIGANTESCOS DESAFIOS a serem SUPERADOS e a URGENTÍSSIMA e INADIÁVEL necessida de ELEGERMOS, em DEFINITIVO, a EDUCAÇÃO como PRIORIDADE ABSOLUTA do PAÍS... de QUALIDADE e HUMANA...

Mas, NADA, NADA mesmo, ARREFECE o nosso ÂNIMO e o nosso ENTUSIASMO e, mais ainda, nos MOTIVAM e nos FORTALECEM nesta grande CRUZADA NACIONAL pela CIDADANIA E QUALIDADE, visando à construção de uma NAÇÃO verdadeiramente JUSTA, ÉTICA, EDUCADA, QUALIFICADA, LIVRE, DESENVOLVIDA e SOLIDÁRIA, que permita a PARTILHA de suas EXTRAORDINÁRIAS RIQUEZAS e POTENCIALIDADES com TODOS os BRASILEIROS e com TODAS as BRASILEIRAS, especialmente no horizonte de INVESTIMENTOS BILIONÁRIOS previstos para eventos como a COPA DO MUNDO DE 2014, a OLIMPÍADA DE 2016, as obras do PAC e os projetos do PRÉ-SAL, segundo as exigências do SÉCULO XXI, da era da GLOBALIZAÇÃO, da INFORMAÇÃO, do CONHECIMENTO, das NOVAS TECNOLOGIAS, da SUSTENTABILIDADE e de um NOVO mundo, da PAZ e FRATERNIDADE UNIVERSAL...

Este é o nosso SONHO, o nosso AMOR, a nossa LUTA, a nossa FÉ e a nossa ESPERANÇA!...

O BRASIL TEM JEITO!...

Um comentário:

Anônimo disse...

Nossa sociedade se paresse com aquela pessoa perdida no deserto, que vendo a proximidade de uma tempestade de areia, fica estagnada a espera do pior. Parece que estamos imobilizados diante de uma tela na qual vemos nossos valores morais e éticos, nossos laços familires sendo destruídos e não temos reação. Realengo foi o grito de uma pessoa com desturbios que não foi vista por nem na escola e nem no trabalho e sem uma estrutura familiar sólida. Todos o viram mas ninguém enxergou o que ele trazia dentro de si. E quantos e quantos jovens como ele estão por ai...