sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

A CIDADANIA, OS CAMINHANTES, A ARTE E A MEDITAÇÃO

“O caminho como arquétipo do homem e da humanidade

Tenho especial fascínio por caminhos da roça que sobem a montanha e desaparecem na curva da mata. Ou caminhos cobertos de folhas de outono, em tardes mortiças, pelos quais andava nos meus tempos de estudante nos Alpes da Alemanha. Os caminhos estão dentro de nós. Por vezes, são tortuosos, cansativos e difíceis de percorrer.

O caminho constitui um dos arquétipos ancestrais da psique humana. O ser humano guarda a memória de todo o caminho perseguido pelos 13,7 bilhões de anos do processo de evolução. Por causa dessa memória, o caminho humano apresenta-se tão complexo e, por vezes, indecifrável.

No caminho de cada pessoa, há milhões de caminhos passados e andados por infindáveis gerações. A tarefa de cada um é prolongar esse caminho e fazer o seu caminho de tal forma que aprofunde o caminho recebido, endireite o torto e legue aos futuros caminhantes um caminho enriquecido com sua pisada.

O caminho é o meio pelo qual se alcança a meta. Sem caminho, nos sentimos perdidos. Mergulhamos na escuridão e na confusão.

Cada ser humano é um caminhante pelas estradas da vida. Não recebemos a existência pronta. Devemos construí-la. E para isso importa rasgar o caminho, a partir e para além dos caminhos andados que nos antecederam. Mesmo assim, o nosso caminho pessoal e particular nunca é dado uma vez por todas. Tem que ser construído com criatividade e destemor. Como diz o poeta espanhol Antônio Machado: “Caminhante, não há caminho, se faz caminho caminhando”.

Efetivamente, estamos sempre a caminho de nós mesmos. Fundamentalmente, ou nos realizamos ou nos perdemos. Por isso, há basicamente dois caminhos, como diz o primeiro salmo da Bíblia: o caminho do justo ou o caminho do ímpio, o caminho da luz ou o caminho das trevas, o caminho do egoísmo ou o caminho da solidariedade, o caminho do amor ou o caminho da indiferença, o caminho da paz ou o caminho do conflito.

Mas prestemos atenção: há sempre a coexistência dos dois caminhos e o entrecruzamento entre eles. No com caminho se esconde também o mau. No mau, o bom. Esse é o nosso drama, que pode se transformar em crise e até em tragédia.

Como é difícil separar totalmente o bom do mau caminho, somos obrigados a fazer uma opção fundamental por um deles, o bom, embora nos custe renúncias e até nos traga desvantagens; mas, pelo menos, nos dá a paz da consciência e a percepção de fazermos o certo.

Mas a opção fundamental confere qualidade ética ao caminho humano. Se optamos pelo bom caminho, não serão pequenos passos equivocados ou tropeços que irão destruir o caminho e seu rumo. O que conta realmente, frente à consciência e diante dAquele que a todos julga com justiça, é essa opção fundamental.

Por essa razão, a tendência dominante na teologia moral cristã é substituir a linguagem de pecado venial ou mortal por outra mais adequada à unidade do caminho humano: fidelidade ou infidelidade à opção fundamental. Não se há de isolar atos e julgá-los desconectados da opção fundamental. Trata-se de captar a atitude básica e o projeto de fundo que se traduz em atos e que unifica a direção da vida.

Não há escapatória: temos que escolher que caminho construir e como seguir por ele. Mas nunca andamos sós. Multidões caminham conosco, solidárias no mesmo destino, acompanhada por Alguém chamado “Emanuel, Deus conosco”.”

(LEONARDO BOFF, Filósofo e teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 7 de dezembro de 2012, caderno O.PINIÃO, página 20).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal Estado de Minas, edição de 2 de janeiro de 2013, caderno OPINIÃO, página 9, de autoria de Frei BETTO, Escritor, autor de A obra do artista – Uma visão holística da natureza (José Olympio), entre outros livros, e que merece igualmente integral transcrição:

“Arte e meditação

Participei, em fins do ano passado, de três encontros com grupos de oração em torno do tema arte e meditação. Toda obra de arte é sacramento, sinal sensível do que não se vê e, no entanto, ela expressa. Dela emanam sinais polissêmicos . Ela “fala” a cada observador. E este estabelece com ela uma relação sujeito-sujeito, dialógica, interativa. A arte nos desperta a intuição e a emoção. Nos re-liga com algo que, até então, escapava à razão. Daí sua relação com a religião. Ela emite sinais que não são controlados nem pelo artista nem pelo apreciador. A arte, como meditação, nos induz ao mergulho no próprio eu, lá onde o ego se desfaz qual botão de rosa a se abrir em flor, e nos aproxima da ideia de beleza e harmonia. Enleva-nos, faz-nos apalpar o mistério, balbuciar o impronunciável. Ao contemplar ou desfrutar da obra de arte – pintura, balé, música – ela se metaboliza em nossa sensibilidade. Ao meditar, refluímos os cinco sentidos no núcleo axial que nos remete ao verdadeiro eu e que, na verdade, é um outro que funda nossa verdadeira identidade. O que é, hoje, obra de arte? Há uma dessacralização da arte. O início desse processo talvez possa ser demarcado pela obra A fonte, de Marcel Duchamp, criada em 1917, e representativa do dadaísmo. Trata-se de um urinol de porcelana, idêntico a milhares encontrados em mictórios públicos. Exposta em Paris, está avaliada em 3 milhões de euros.

Hoje em dia o valor da obra de arte, sua aceitação pelo público, tem muito a ver com a performance do artista. Vide os cantores pop. E é o mercado, apoiado pela mídia, que determina o que tem ou não valor. Muitos artistas morreram sem serem reconhecidos, como Van Gogh, que em vida jamais vendeu uma tela. Presenteou o seu médico com o quadro Rapaz de quepe, que o doutor aproveitou para tapar um buraco no galinheiro de sua casa... Há pouco essa tela foi vendida por US$ 15 milhões!

Todo artista se julga digno de valor e reconhecimento. Isso, entretanto, depende dos críticos, da mídia, da reação do público. São raros aqueles que, mesmo sem cair no gosto do mercado, permanecem fiéis a seu talento criativo. O que pode ser admirado hoje pode ser desprezado amanhã. É o caso de um dos autorretratos de Rembrandt. A cada vez que deixava a Holanda, a tela era assegurada em US$ 4 milhões. Uma comissão de peritos e críticos, que analisou todos os quadros atribuídos ao genial pintor holandês, concluiu que um dos autorretratos, embora assinado com o nome dele, não pode ser atribuído a ele. A obra caiu no ostracismo.

O nosso olho, a nossa sensibilidade para a obra de arte, são condicionados pela opinião pública. Esta tende a ser elitista. Considera arte o que atrai o público pagante; e folclore o que atrai pessoas desprovidas de recursos. Não me agrada a adjetivação “arte popular”. Nessa categoria costumam entrar as obras de todos que não têm suficiente erudição artística nem freqüentam as rodas que se fecham em galerias sofisticadas ou palcos refinados. A meditação, como arte, exige cuidado, ascese, empenho, confiança na própria capacidade criativa. Tanto a arte quanto a meditação nos conectam com o transcendente, nos fazem emergir da esfera da necessidade para a da gratuidade, dilatam em nós potencialidades que nos fazem “renascer”. Não é sem razão que as religiões, sobretudo em suas liturgias, tanto recorrem à arte e têm sido, ao longo dos séculos, escolas de artistas. Quantos cantores e músicos estadunidenses não iniciaram sua arte em igrejas evangélicas! Infelizmente o mercado nos impõe, pela mídia espetaculosa, o mero entretenimento como se obra de arte. Nisso se parecem às liturgias que exacerbam nossa emoção sem nada acrescentar à nossa razão e, muito menos, ao caráter ético de nossa ação. Vide as showmissas.

A arte não de ser de esquerda ou de direita, moralista ou inescrupulosa. Há de ser bela. Consta que eram nuas todas as esculturas e figuras pintadas por Michelangelo no Vaticano. Até que um papa escrupuloso pediu a Daniel Volterra, discípulo do genial artista, para cobrir com uma pincelada os órgãos genitais... censura removida recentemente por peritos japoneses. Volterra ganhou o apelido de Il Braguetone (“O Braguilha”). Todo artista é clone de Deus. Extrai de sete notas musicais, dos movimentos do corpo, do desenho, do barro, do modo de narrar uma história, o que há de belo no humano e na natureza. Recria ao criar. E sempre o faz a partir de um estado de concentração comparável à meditação.”

Eis, pois, mais páginas contendo importantes e oportunas abordagens e reflexões, que apontam novos e belos caminhos e, ao mesmo tempo, pela transcendência emanada, acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, soberanas, civilizadas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

a) a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de seis anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

b) o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de variada ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, indubitavelmente irreparáveis;

c) a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de astronômico e intolerável desembolso da ordem de R$ l trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas nessa rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tamanha sangria, que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a confiança em nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de extremas e sempre crescentes demandas, necessidades, carências e deficiências, o que aumenta o colossal abismo das desigualdades sociais e regionais e nos afasta num crescendo do seleto grupo dos sustentavelmente desenvolvidos...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela Cidadania e Qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, possa partilhar suas extraordinárias riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a 27ª Jornada Mundial da Juventude em julho; a Copa das Confederações em junho; a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, segundo as exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das empresas, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da paz, da liberdade – e com equidade – e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...

O BRASIL TEM JEITO!...

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