sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

A CIDADANIA, O CLAMOR DA SOCIEDADE, MARTÍ E A REVOLUÇÃO CUBANA

“Mais ação e menos discurso

Não é de hoje a impressão de que, por aqui, o trem do Legislativo corre sobre os trilhos do Executivo. O Poder Legislativo é refém do Executivo, em confronto com os princípios constitucionais da harmonia, autonomia e independência dos Poderes. A banalização do uso de MPs, deixando de lado a relevância e a urgência expressas na Constituição Federal, acentua o caráter imperial do presidencialismo e expande a convicção de que se cultiva no Brasil um “parlamentarismo às avessas”.

Não sem razão, a imagem do Legislativo é a mais borrada no cenário institucional. Basta compará-la com a dos outros Poderes. De um lado, desponta a extraordinária força do Executivo, que canaliza os efeitos das políticas sociais e econômicas. De outro, vê-se o prestígio do Judiciário, o mais sagrado no sistema cognitivo da sociedade. Esses traços contribuem para empanar o retrato do Legislativo.

Como se pode aduzir, há forte desequilíbrio na balança dos Poderes. O nó da questão pode ser cortado pela espada do próprio Legislativo. No caso das medidas provisórias, basta analisar sua pertinência e, ainda, expurgá-las de matérias exógenas que escapam ao seu objeto. Como se sabe, as MPs dão carona a uma pletora de temas estranhos à sua finalidade.

Mas há facetas que apresentam grau menor de dificuldades operacionais e estão a merecer tratamento prioritário do Legislativo. Uma delas é vácuo infraconstitucional que se criou a partir da Constituição de 1988. Apesar da incrível marca de mais de 3,7 milhões de leis, o arcabouço legislativo está inconcluso. Ainda resta apreciável quantidade de dispositivos (cerca de 140) para ser regulamentada. Quando se atribui ao Poder Judiciário usurpação da função legislativa, esquece-se de que a “judicialização da política” decorre também de buracos constitucionais não fechados. Eventuais tensões entre os dois Poderes se ancoram na omissão do corpo parlamentar no capítulo da legislação infraconstitucional a ser completada.

Distorções, vazios e desequilíbrios entre Poderes não constituem matéria nova. Deputados e senadores conhecem sobejamente os vãos e desvãos das cúpulas côncava e convexa do Congresso Nacional. O que parece faltar é coragem de avançar. Daí o flagrante descompasso entre o andar social, rápido e solto, e o lento caminhar do corpo parlamentar. Não por acaso, aponta-se grande distância a separar a esfera política da sociedade.

Pretende o Parlamento melhorar sua imagem perante a sociedade? Basta tomar atitudes: assumir os princípios constitucionais; fechar os buracos abertos desde 1988; respirar o ar das ruas; gravar o eco dos grupos organizados; reformar a pauta de costumes rotineiros. Se for preciso, cortar na própria carne. A reforma política deve deixar o plano da retórica.

Perguntaram uma vez ao grande Demóstenes (384-322 a. C.), famoso pelo dom da oratória: “Qual a principal virtude do orador?”. Respondeu: “Ação”. “E depois?”. Voltou a repetir: “Ação”. Sabia ele que essa virtude, própria dos atores, era mais nobre que a eloquência, porque é o motor da humanidade. Mais ação, srs. parlamentares.”

(Gaudêncio Torquato. Jornalista e professor (USP), em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 23 de janeiro de 2013, caderno O.PINIÃO, página 17).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, mesma edição, caderno OPINIÃO, página 9, de autoria de FREI BETTO, que é escritor, autor, em parceria com Marcelo Gleiser, de Conversa sobre a fé e a ciência (Agir), entre outros livros, e que merece igualmente integral transcrição:

Martí e a Revolução Cubana

Em evento internacional sobre o equilíbrio do mundo, patrocinado pela Unesco, comemora-se em Havana, na última semana de janeiro, o 160º aniversário do nascimento de José Martí. A história da América Latina é rica em líderes sociais que encarnaram, em ideias e atitudes, utopias libertárias. Raros, entretanto, aqueles que, se por milagre ressuscitassem do túmulo, se deparariam com a realização efetiva de seus sonhos e projetos. Um deles é José Martí, que veria na Revolução Cubana que seu sacrifício não foi em vão – morreu de armas na nas mãos, em 1895, defendendo a emancipação de Cuba do domínio espanhol.

Sua luta disseminou raízes que floresceram no projeto de soberania e libertação nacionais, com expressiva ressonância internacionalista, realizado pelo povo cubano nas últimas seis décadas, sob a liderança dos irmãos Fidel e Raúl Castro.

Graças a Martí, a Revolução Cubana preservou a sua cubanidade, a sua originalidade, sem se deixar engessar por conceitos dogmáticos que, em outros países socialistas, produziram tão nefastas consequências. Martí tinha o dom de ser um homem de ação sem deixar de ser um intelectual refinado, um pragmático e um espiritualista. Jamais perdeu o senso crítico e mesmo autocrítico.

Martí viveu 15 anos nos EUA, em Nova York, entre 1880 a 1895, quando ali vicejava uma radical transformação que imprimiria ao capitalismo seu caráter agressivo. Ao mesmo tempo, possibilitou-lhe o contato com o que havia de mais avançado nos pensamentos filosóficos, científicos e espirituais.

Na sociedade norte-americana, Martí constatou o que significa um desenvolvimento econômico centrado na apropriação privada da riqueza, indiferente às reais necessidades humanas, e como essa concepção egocêntrica limitava a vida espiritual.

O papel de Cuba no equilíbrio da América Latina e do Caribe deita raízes no século 18, quando, graças à influência do enciclopedismo, a cultura cubana ganhou identidade e expressão. Dentro desse processo destacaram-se homens de profundo senso espiritual, como o bispo Espada, Félix Varela, Luz y Caballero, para culminar em Martí e naqueles que ele formou, como Enrique José Varona, mentor dos jovens universitários nos primórdios do século 20.

O que marcou a geração de Varela, Luz e, em seguida, a de Martí, foi a capacidade de assimilar as novas ideias iluministas sem despregar os pés do solo latino-americano e caribenho. Há um princípio de educação popular que bem se aplica a essas figuras históricas, e também explica a originalidade de seus pensamentos: a cabeça pensa onde os pés pisam.

Nas pegadas do ideário que os movia estava o sofrimento dos povos indígenas e dos escravos, a sanha colonialista, a luta pioneira de meu confrade, frei Bartolomeu de las Casas, os princípios cristãos da radical sacralidade de cada ser humano, considerado filho amado de Deus, independentemente de sua classe, etnia ou atividade social.

A luta por liberdade e justiça foi iniciada, em nosso continente, pelos povos indígenas. Milhões foram encarcerados, enforcados, queimados vivos, decapitados e esquartejados. Tupac Amaru clamou contra a opressão colonialista. Hatuey, líder indígena de Cuba, foi queimado em uma fogueira. Consta que, ao lhe perguntarem se queria aceitar a religião de seus algozes espanhóis, de modo a garantir seu lugar no céu, perguntou se eles também, ao morrerem, iriam para o céu. Ao responderem que sim, Hatuey disse que não queria estar com eles no paraíso. Também mulheres indígenas, como Bartolina Sisa e Micaela Bastidas, lutaram e morreram em defesa dos direitos de seus povos.

Todos esses antecedentes explicam a Revolução Cubana e por que ela se destaca como fator de resistência na América Latina. Antes da vitória em Serra Maestra, nosso continente era zona de ocupação e extorsão, exploração e submissão aos países mais poderosos do Ocidente. A Revolução Cubana deu um basta ao imperialismo, resgatou o espírito de soberania dos povos caribenhos e latino-americanos, despertou a consciência crítica de nossa gente, fomentou movimentos libertários, comprovou que a utopia, pode sim, se transformar em topia, e que a esperança nunca é em vão.

Cuba venceu o colonialismo espanhol eliminando a escravatura e assegurando a sua independência como nação. Com a vitória da revolução, impôs limites à expansão imperialista dos EUA.

Ali ocorreu um movimento de libertação nacional que abraçou o projeto socialista. Mas o equilíbrio se manteve. Martí não foi trocado por Marx; a fé religiosa dos cubanos não foi eliminada pelo materialismo histórico e dialético; a arte não se deixou descaracterizar pelos estreitos limites do realismo socialista. Aquilo que no pensamento europeu soava como antagônico, aqui na América Latina e no Caribe se revelou paradoxo. O que parecia irreconciliável do outro lado do oceano aqui apresenta convergência, como o marxismo destituído de dogmas e o cristianismo desprovido de arrogância elitista, mas sensível ao clamor dos pobres, o que resultou na teologia da libertação.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, históricas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

a) a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

b) o combate, severo e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de variada ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;

c) a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de astronômico e intolerável desembolso da ordem de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas nesta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tanta sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de extremas e sempre crescentes demandas, necessidades, carências e deficiências, o que aumenta o colossal abismo das desigualdades sociais e regionais e nos afasta num crescendo do seleto grupo dos sustentavelmente desenvolvidos...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a 27ª Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro em julho; a Copa das Confederações em junho; a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, segundo as exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das empresas, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...

O BRASIL TEM JEITO!...

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