segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

A CIDADANIA, A SUSTENTABILIDADE E O RESPEITO E AMOR PELA VIDA


“Na crise de nossa civilização, estamos indo de mal a pior

A realidade mundial é complexa. Se considerarmos a forma como os donos do poder estão enfrentando a crise sistêmica de nosso tipo de civilização, organizada na exploração ilimitada da natureza, na acumulação também ilimitada e na consequente criação de uma dupla injustiça – a social e a ecológica, esta com a desestruturação da rede da vida que garante a nossa subsistência –, e se, ainda, tomarmos como ponto de aferição a COP 18, realizada no fim de ano, em Doha, no Qatar, sobre o aquecimento global, podemos dizer sem exagero: estamos indo de mal a pior. A seguir nesse caminho, encontraremos lá na frente, e não demorará muito, um “abismo ecológico”.
Até agora não se tomaram medidas para mudar o curso das coisas. A economia especulativa continua a florescer, os mercados são cada vez mais competitivos – vale dizer, cada vez menos regulados – e o alarme ecológico, corporificado no aquecimento global, foi posto praticamente de lado. Em Doha, só faltou dar a extrema-unção ao Tratado de Kyoto. Tudo foi protelado para 2015, apesar de o documento final afirmar: “A mudança climática representa uma ameaça urgente e potencialmente irreversível para as sociedades humanas e para o planeta, e esse problema precisa ser urgentemente enfrentado por todos os países”. Como no tempo de Noé, continuamos a comer, a beber e a arrumar as mesas do Titanic que afunda, ouvindo ainda música. A casa está pegando fogo, e mentimos aos outros dizendo que não.
Diria José Saramago: “Não sou pessimista; a realidade é que é péssima; eu sou é realista”.
Uma premissa falsa sustenta e alimenta a crise: o objetivo é o crescimento material ilimitado, com aumento do PIB, realizado à base de energia fóssil e com o fluxo totalmente liberado de capitais, especialmente os especulativos. Essa premissa está presente em todos os planejamentos dos países, inclusive no brasileiro. A falsidade da premissa reside na desconsideração completa dos limites do sistema Terra. Um planeta limitado não aguenta um projeto ilimitado. Ele não possui sustentabilidade. Evita-se a palavra sustentabilidade, que vem das ciências da vida. Ela é não linear, se organiza em redes de interdependências de todos com todos que mantêm funcionando os fatores que garantem a perpetuação da vida e da nossa civilização. Prefere-se falar em desenvolvimento sustentável, sem se dar conta de que se trata de um conceito contraditório, porque é linear, sempre crescente, supondo a dominação da natureza e a quebra do equilíbrio ecossistêmico. Nunca se chega a nenhum acordo sobre o clima porque os conglomerados do petróleo influenciam politicamente os governos e boicotam qualquer medida que lhes diminua os lucros; por isso, não apoiam as energias alternativas.
Esse modelo está sendo refutado pelos fatos: não funcionam mais nem nos países centrais, como mostra a crise atual, nem nos periféricos. Ou se busca um outro tipo de crescimento, que é essencial para o sistema Vida, respeitando a capacidade da Terra e os ritmos da natureza, ou então encontraremos o inominável.
Outra razão é de ordem filosófica. Ela implica o resgate da inteligência emocional para equilibrar o poderio destruidor da razão instrumental. Como diz o filósofo Patrick Viveret, “a razão instrumental, sem a inteligência emocional, pode perfeitamente nos levar à pior das barbáries”.
Se não incorporarmos a inteligência emocional à razão instrumental-analítica, nunca iremos sentir os gritos da Mãe Terra. Junto com a sustentabilidade devem vir o cuidado, o respeito e o amor por tudo o que existe e vive. Sem essa revolução da mente e do coração iremos, sim, de mal a pior.”
(LEONARDO BOFF. Filósofo e teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 4 de janeiro de 2013, caderno O.PINIÃO, página 16).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 1º de fevereiro de 2013, caderno OPINIÃO, página 11, de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO, Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente integral transcrição:

“Pela vida

A tragédia numa boate de Santa Maria, que matou e feriu tantos jovens, instiga o coração de todos. De modo especial, desenha um horizonte que a sociedade contemporânea precisa considerar. A vida não pode ser vivida e tratada simplesmente como lógica de ganho de coisas. A vida é mais. Não basta simplesmente conferir, por força legal e dever profissional, a validade de alvarás de funcionamento. A tragédia aponta para irresponsabilidades nos procedimentos de profissionais e de proprietários com aquilo que está posto a serviço de todos.
Na verdade, o funcionamento social reclama de governantes, de profissionais e de cidadãos comuns um tratamento mais adequado de tudo e de cada coisa, especialmente daquilo que é público. Essa é uma questão que deve encontrar raízes na cultura, ancorada por legislações, normas e procedimentos. Também, e acima de tudo, relaciona-se à formação da consciência de que é fundamental o respeito irrestrito à vida de cada pessoa. Sem esse sentido norteador, os atrasos em obras públicas continuarão. E o manejo do dinheiro público não vai se livrar dos interesses espúrios, da ganância dos que precisam levar sempre mais vantagem sobre o que é bem de todos. A consequência será a vida posta em risco.
As mortes nas estradas, por exemplo, que não são duplicadas ou sofrem com a falta de manutenção, atingem números de guerra. De fato, um verdadeiro descaso quando a inteligência acomoda-se na mediocridade e não se consegue sair das burocracias que obstruem os processos. Quem tem o poder de decisão, de corresponder à demanda em favor da vida de todos, não enfrenta os desafios diários de transitar em estradas que não atendem mais, de se deslocar em transportes que usurpam horas do descanso e do convívio familiar de tantos.
Descasos de cá e de lá, interesses financeiros gananciosos e a venenosa visão egoísta da vida, segundo o princípio de que o que conta é tão somente o bem e o conforto próprios, vão alastrando um cultura que valida prestação de serviços de segunda classe, morosidades, usufrutos indevidos ou indiferença diante dos outros, especialmente dos que precisam mais. O resultado é desastroso para uma sociedade que tem a oportunidade de alçar um patamar de maior oportunidade de vida para todos, mas que ainda padece com atrasos. E o prejuízo maior e mais sofrido será sempre dos mais pobres, dos indefesos e inocentes.
A tragédia de Santa Maria é um clarão espantoso, que deve brilhar como um relâmpago para inquietar mentes, corações e consciências, transmitindo o sentido e alcance da responsabilidade cidadã de cada um. Não basta o alívio de quem não teve um jovem próximo e amado envolvido nessa tragédia. Não basta pensar que o ocorrido foi longe da própria cidade e da própria casa. Os riscos em potencial, por irresponsabilidades, morosidades e interesses gananciosos, alcançam todos, nos mais diversos lugares.
Onipotência para controlar tudo, tudo prever e evitar, ninguém tem. O que todos precisam ter é a responsabilidade profissional, governamental e cidadã de construir uma cultura pela vida. Trata-se de uma postura pessoal contracenando, obviamente, com os funcionamentos das cidades, bairros, vilas, condomínios, ambientes públicos e da própria casa. Uma postura pessoal que fará diferença, sempre. A cultura, os governos, os cidadãos, os profissionais, todos são desafiados a compreender que o progresso e o desenvolvimento integral não são alcançados quando se desconsidera o valor da vida.
Dom de Deus, a vida há de ser respeitada em todas as suas etapas, da fecundação à morte com o declínio natural. Qualquer relativização abre as portas para permissividades, irresponsabilidades e descasos. Tarefa fundamental para que cada um reconheça a vida de todos como dom é cultivar a espiritualidade – pela oração, silêncio, meditação, diálogo com Deus, vivência comunitária e comprometimento social. Esse caminho é fote de saúde, de sensibilidade ética e moral, do gosto pela promoção e defesa da vida de todos. Sem espiritualidade, atrasaremos processos e não avançaremos no compromisso pela vida.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

                         a)    a  educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;
          b)     o combate, severo e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais avassaladores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de variada ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos; 
           c)       a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de astronômico e insuportável desembolso da ordem de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tanta sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; infra-estrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); educação; saúde; saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; mobilidade urbana (trânsito, transportes, acessibilidade); moradia; emprego, trabalho e renda; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; agregação de valor às commodities; logística; ciência, tecnologia e inovação; minas e energia; pesquisa e desenvolvimento; turismo; esporte, cultura e lazer; comunicações; sistema financeiro nacional;qualidade (planejamento, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade), entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente  justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a 27ª Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro em julho; a Copa das Confederações em junho; a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, segundo as exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das empresas, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...

O BRASIL TEM JEITO!...




    

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