sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

A CIDADANIA, A CARTA DA TERRA E A SOCIEDADE SOB O DOMÍNIO DO MEDO


“A Carta da Terra: um documento de esperança do começo do século XXI
     
      Já estamos adiantados no novo ano e, ainda assim, nos desejamos bons votos de saúde e prosperidade. Que sentido têm tais votos nos contextos mundial e nacional em que vivemos?
     Eles ganham sentido se ocorrer o que pede, com urgência, a Carta da Terra, um dos documentos mais importantes e suscitadores de esperança do começo do século XXI: “uma mudança na mente e no coração, um novo sentido de interdependência global e de responsabilidade universal”. Quer dizer, se tivermos a coragem de mudar a forma de viver, se os modos de produção e consumo tomarem em conta os limites da Terra, em especial a escassez de água potável e os milhões e milhões dos que passam fome.
      Não é impossível que possa ocorrer uma quebra sincronizada do sistema Terra e do sistema vida. Então, a biodiversidade poderá, em grande parte, desaparecer, como outrora aconteceu nas conhecidas 15 grandes dizimações sofridas pela Terra. Muitos humanos também perecerão, e se salvarão apenas retalhos de nossa civilização.
     Jared Diamond, conhecido especialista em biologia evolutiva e biogeografia da Universidade da Califórnia, em seu livro “Colapso: Como as Sociedades Escolhem o Fracasso ou o Sucesso” (Record, 2012), mostrou como esse colapso ocorreu na ilha de Páscoa, na cultura maia e na Groenlândia nórdica. Não seria uma miniatura daquilo que poderá ocorrer com a Terra, uma ilha de Páscoa ampliada? Quem nos garante que isso não seja possível?
     Todas as setas dos caminhos estão apontando para essa direção. E nós nos divertindo, rindo gaiatamente, jogando nas bolsas especulativas, como na fábula de Kierkegaard: o teatro está pegando fogo, o palhaço conclama, aos gritos, que os espectadores venham apagá-lo, e ninguém vai, pois achavam que era parte da peça. Todo o teatro pegou fogo, consumindo o auditório, os espectadores e toda a redondeza. Noé foi o único a ler os sinais dos tempos: construiu a arca salvadora e garantiu a vida para si e para os representantes da biodiversidade.

     Mas há uma diferença entre Noé e nós: agora não dispomos de uma arca que salve alguns e deixe perecer os demais. Desta vez, ou nos salvamos todos ou perecemos todos.

     Com razão nos conclama, em seu final, a Carta da Terra: “Como nunca antes na história, o destino comum nos conclama a buscar um novo começo”. Observe-se que não se fala em reformas, melhorias, recortes, regulações, mas de “um novo começo”. Não é que tais iniciativas não tenham sentido. Mas serão sempre mais do mesmo e intrasistêmicas. Elas não resolvem o problema da raiz: o sistema a ser mudado. Apenas protelam a solução; ele se encontra corroído por dentro e transformado numa ameaça à vida e ao futuro da Terra. Dele não poderá vir vida nova que inclua todos e salve o nosso ensaio civilizatório.

     Isso supõe reconhecer que os valores e os princípios, as instituições e os organismos, os hábitos e os modos de produzir e consumir já não nos garantem um futuro discernível. O “novo começo” implica inventar uma nova Terra e forjar um novo estilo de “bem viver”, produzindo o suficiente e o decente para todos, sem esquecer a comunidade de vida e os nossos filhos e netos.

     Como a evolução não é linear, mas dá saltos, nunca perdemos a esperança – antes a cultivamos – de um salto quântico, que nos salve com uma nova mente e um novo coração e, por isso, com um destino promissor para o ano de 2013.”
(LEONARDO BOFF. Filósofo e teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 1 de fevereiro de 2013, caderno O.PINIÃO, página 16).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 6 de fevereiro de 2013, caderno OPINIÃO, página 9, de autoria de FREI BETTO, que é escritor, autor de Hotel Brasil – O mistério das cabeças degoladas (Rocco), entre outros livros, e que merece igualmente integral transcrição:

“Domínio do medo
      
A capital paulista está sob o domínio da violência e do medo. Chacinas e assassinatos se repetem a cada dia. E o pior: a população sente-se insegura frente à polícia. Um cidadão, ainda que bandido, pode ser preso com vida e, logo em seguida, aparecer morto, como comprovou recente imagem de um suspeito baleado pela PM após ter sido dominado.
      O número de homicídios na cidade de São Paulo cresceu 34% em 2012. Por cada 100 mil habitantes, a taxa de assassinatos foi de 12,02. Em supostos confrontos com a Polícia Militar, foram mortas 547 pessoas. Os casos de estupro subiram 24%; roubo de veículos, 10%; e latrocínio, 8%. Assalto a banco teve uma queda de 12%. Os dados são da Secretaria de Segurança Pública, divulgados em 25 de janeiro.
      São Paulo se divide em 96 distritos. A maioria comporta mais de 100 mil habitantes; isso significa que cada um supera, em população, 95% dos municípios brasileiros.
     Por que tanta violência na cidade grande? Ponha 10 ratos dentro de uma caixa. Em pouco tempo estarão agredindo um ao outro. O mesmo ocorre ao ser humano quando confinado a espaços urbanos opressivos, onde crianças não dispõem de praças e parques, jovens não contam com centros esportivos e culturais, adultos não têm onde se reunir senão no bar da esquina. Segundo a ONG Rede Nossa São Paulo, dos 96 distritos paulistanos, 60 não contam com nenhum centro cultural (teatro, cinema, sala de eventos etc.); 56 não possuem nenhum equipamento esportivo público; 44 não têm biblioteca pública; 38 não apresentam nenhum parque; e em 20 não há delegacias.
     A cidade mais rica do país tem 11 milhões de habitantes, dos quais 1,3 milhão mora em favelas. E 250 mil jovens entre 15 e 19 anos estão fora da escola; 181 mil jovens de 15 a 24 anos estão desempregados; e 98 mil crianças aguardam vagas em creches públicas.
     O que esperar do futuro de jovens que não estudam nem trabalham? De que vivem? Como obtêm dinheiro? Como saciam seus anseios de consumo? Não é preciso ter bola de cristal para saber que, destes jovens, muitos recorrem ao crime como meio de sobrevivência.
     São Paulo é uma metrópole congestionada. Para se deslocar, o paulistano passa em média 2 horas e 23 minutos por dia no trânsito (equivale a um mês por ano) e o transporte público é precário. Nas horas  de pico, ônibus e metrô não suportam a quantidade de passageiros, a ponto de o acesso ser controlado pela polícia. E quando se adoece numa megalópole como essa? A média de espera para ser atendido em um posto médico é de 52 dias; fazer exames laboratoriais, mais 65 dias; e, para cirurgias e procedimentos mais complexos, 146 dias. Isso quando o enfermo sobrevive até lá.
     Frente a isso, como evitar a impaciência, o estresse, a revolta, o crime? Como assinala a Rede Nossa São Paulo, “este é um cenário perfeito para que prospere a criminalidade e a violência: extremas carências, enorme desigualdade gerando frustração e revolta pela injustiça, ausência do poder público e falta de oportunidades de trabalho, educação, cultura e lazer para jovens de baixa renda, além de serviços públicos de educação, saúde e transporte de baixa qualidade (as pessoas de maior poder aquisitivo e até os responsáveis pelas políticas públicas pagam por serviços privados).”
      O combate à violência exige mudanças profundas em nossas instituições. Requer uma polícia bem preparada e bem paga, dotada de recursos de alta tecnologia para investigações, mais voltada à prevenção que a repressão. Nosso sistema prisional precisa deixar de ser depósito de escória humana para se transformar em centros de recuperação e reeducação através de estudos, esportes, artes e qualificação profissional.
     Nossos governantes deveriam assumir metas para atacar as causas da criminalidade e da violência, como reduzir substancialmente a desigualdade social e econômica; dotar cada distrito da cidade de todos os equipamentos e serviços públicos necessários para oferecer qualidade de vida digna a seus habitantes.
     É preciso aprimorar a apuração de responsabilidade de agentes públicos acusados de praticar atos de violência e de violar os direitos humanos; fortalecer a autonomia da Defensoria Pública; estimular a criação de espaços comunitários que favoreçam os vínculos de solidariedade entre os membros da comunidade.
     Cabe ao poder público desmontar redes de corrupção e criminalidade, identificar as lideranças dessas redes e combatê-las, assim como desarticular os grupos de extermínio dentro das forças policiais. São medidas de curto prazo que devem ser tomadas, levando-se em conta a situação de guerra civil que se vive em São Paulo, o que penaliza principalmente a população mais pobre e vulnerável das periferias.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, graves e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizada, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;
     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de variada ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, indubitavelmente irreparáveis;
     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de astronômico e intolerável desembolso da ordem de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tanta sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a confiança em nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de extremas e sempre crescentes  necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); educação; saúde; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados; macrodrenagem urbana; logística reversa); meio ambiente; moradia; assistência social; previdência social; emprego, trabalho e renda; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; minas e energia; agregação de valor às commodities; logística; turismo; esporte, cultura e lazer; comunicações;sistema financeiro nacional; qualidade (planejamento, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade), entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que permita a partilha de suas extraordinárias riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a 27ª Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro em julho; a Copa das Confederações em junho; a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, segundo as exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das empresas, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...

O BRASIL TEM JEITO!...






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