segunda-feira, 11 de maio de 2015

A CIDADANIA, OS DESAFIOS DA SUSTENTABILIDADE, A PAZ E A FORÇA INTERIOR

“Que dirão nossos filhos e netos sobre a imprevidência humana?
        Todos os países, especialmente os que passam por crises financeiras, como é o caso do Brasil de 2015, são tomados por uma obsessão persistente: temos que garantir o crescimento do PIB, que é fundamentalmente econômico na produção de bens materiais, mas cobra uma alta taxa de iniquidade social (desemprego e compressão dos salários) e uma perversa devastação ambiental.
         Na verdade, deveríamos, antes, falar de desenvolvimento integral, que comporta elementos materiais imprescindíveis, mas, principalmente, dimensões subjetivas e humanísticas.
         Há bastante tempo o equilíbrio entre crescimento e preservação da natureza foi quebrado em favor do crescimento. O consumo já supera em 40% a capacidade de reposição dos bens e serviços do planeta. Ele está perdendo sua sustentabilidade.
         Sabemos hoje que a Terra é um sistema vivo autorregulador, no qual todos os fatores se entrelaçam para manter sua integridade. Mas ela está falhando em sua autorregulamentação. Daí as mudanças climáticas, os eventos extremos e o aquecimento global que nos pode surpreender com graves catástrofes.
         A Terra está tentando buscar um equilíbrio novo, subindo sua temperatura entre 1,4ºC e 5,8ºC. Começaria, então, a era das grandes devastações, com a subida do nível dos oceanos afetando mais da metade da humanidade que vive nas costas.
         Com acerto afirma o ambientalista Washington Novaes: “Agora não se trata mais de cuidar do meio ambiente, mas de não ultrapassar os limites que poderão pôr em risco a vida”. Cientistas sustentam: já nos acercamos do ponto de não retorno. É possível diminuir a velocidade da crise, mas não sustá-la.
         Essa questão é preocupante. Em seus discursos oficiais, os chefes de Estado, os empresários e, o que é pior, os principais economistas quase nunca abordam os limites do planeta e os constrangimentos que isso pode trazer para a nossa civilização. Não queremos que nossos filhos e netos, olhando para trás, nos amaldiçoem porque sabíamos das ameaças, e nada ou pouco fizemos para escapar da tragédia.
         O erro de todos foi seguir ao pé da letra o conselho estranho de lorde Keynes para sair da Grande Depressão nos anos 1930: “Durante pelo menos cem anos devemos simular diante de nós mesmos e diante de cada um que o belo é sujo e o sujo é belo, porque o sujo é útil e o belo não o é. A avareza, a usura, a desconfiança devem ser nossos ‘deuses’, porque são eles que nos poderão guiar para fora do túnel da necessidade econômica rumo à claridade do dia... Depois virá o retorno a alguns dos princípios mais seguros e certos da religião e da virtude tradicional: que a avareza é um vício, que a exação da usura é um crime e que o amor ao dinheiro é detestável” (“Economic Possibilities of our Grand-Children”).
         É urgente redefinir novos fins e os meios adequados a eles, que não podem mais simplesmente produzir, devastando a natureza, e consumir ilimitadamente.
         Ninguém detém a fórmula de saída dessa crise civilizacional, mas suspeitamos que ela deve se orientar pela sabedoria da própria natureza: respeitar seus ritmos, sua capacidade de suporte, dar centralidade não ao crescimento, mas à sustentação de toda vida. Se nossos modos de produção respeitassem os ciclos naturais, seguramente teríamos o suficiente para todos e preservaríamos a natureza da qual somos parte.
         Cobrimos as chagas da Terra com esparadrapos. Remendos não são remédios. Praticamente, nos restringimos a esses remendos na ilusão de que estamos dando uma resposta às urgências que significam vida ou morte.”.

(LEONARDO BOFF. Filósofo e teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 8 de maio de 2015, caderno O.PINIÃO, página 20).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, mesma edição, caderno OPINIÃO, página 7, de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente integral transcrição:

“Paz e força interior
        O dom da paz é um bem a ser conquistado e cultivado permanentemente. Dizer “somos da paz”, não apenas como simples slogan, mas a partir da força própria da linguagem, produz efeitos sobre a consciência coletiva e no interior de cada pessoa. Para cultivar a prática de dizer e viver a expressão “somos da paz”, é preciso mobilizar esforços de toda ordem. Torna-se imprescindível investir na educação para a paz. Esse exercício urge e requer o envolvimento permanente de famílias, igrejas, escolas, governos e os mais variados segmentos da sociedade. Um grande mutirão sem o qual o avanço em direção à conquista desse dom estará comprometido. A meta e a dinâmica para o cultivo do dom da paz têm uma inteligente indicação do apóstolo Paulo que, escrevendo aos romanos, diz: “Não te deixes vencer pelo mal, vence antes o mal com o bem” (Rom 12,21). Trata-se de um exercício existencial que produz efeitos imediatos. Afasta os riscos e prejuízos que fatalmente surgem quando a fúria, a intolerância, o revide e a vingança tomam conta do coração humano.
         Perder a paz interior tem se tornado cada vez mais comum porque não se respeita o compromisso com a verdade e com a justiça. Multiplicam-se fatos e ocorrências que revelam os absurdos praticados nas ruas, com confrontos que ferem não só a dignidade humana, mas também têm provocado outras modalidades vergonhosas de lesões – morais e corporais. As estatísticas da violência, de variados tipos, os confrontos entre pessoas, grupos e diferentes segmentos da sociedade brasileira comprovam o tamanho do problema. Talvez por ser uma nação-continente, com regiões separadas por grandes distâncias, aqui tudo se dilui sem produzir impactos proporcionais aos acontecimentos. As reações concentram-se nos territórios em que determinada ocorrência grave se desenvolveu e tornam-se mais pontuais nas regiões mais distantes.
         Porém, basta olhar para o conjunto da sociedade e perceber os prejuízos generalizados que surgem a partir da ausência de diálogo, das imposições e da indiferença em relação à dos mais sofridos e pobres. A sociedade está, cada vez mais, envolvida em um campo de batalha homicida e algoz. É preciso um esforço social dos grupos e segmentos, com a indispensável parcela da contribuição de cada pessoa a partir de elaborada e educada consciência social e política, para que se possa sair desse círculo vicioso da violência. Deve-se buscar a justiça, que, infelizmente, muitas vezes, não é meta de instâncias governamentais, religiosas, organizações e líderes diversos.
         Distorcida a verdade e desfigurado o compromisso com a justiça, instala-se a tirania dos conchavos, acirra-se a busca sem limites pelo poder, a presença de medíocres, que não são capazes de fazer a sociedade alcançar respostas novas, em postos estratégicos. Urgente e prioritário é o investimento na recomposição da gramática da lei moral na consciência de todos. As manifestações sociais e políticas do mal, nos cenários da sociedade, indicam estado de emergência. Afrontar essa realidade complexa e abrangente que vem comprometendo a paz depende de políticas públicas, de ações governamentais, de protagonismos dos segmentos da sociedade e de contribuições religiosas mais significativas.
         Vale, no entanto, tomar em consideração o princípio fundamental, com efeito imediato sobre a realidade, qualificador das relações: cada pessoa compreender-se como coração da paz. Ser coração da paz é um projeto pessoal que prioriza o cultivo da força interior. Fala-se hoje de todo tipo de força. Entre outras, comenta-se sobre a força política para se ganharem as eleições, fazer “passar” projetos, inclusive os que não respeitam os interesses sociais. Há também a força econômica – relacionada ao poder sustentado pelo dinheiro, muitas vezes alicerçada no sofrimento de quem vive na miséria e na fome.
         Pouco se comenta, no entanto, sobre a força interior, verdadeira espiritualidade, que é a indispensável competência para uma leitura humanística da realidade, com desdobramentos incidentes de escolhas e decisões que favoreçam mudanças mais rápidas em resposta aos problemas e clamores do povo. A força interior, cultivada na espiritualidade, meditação e silêncio, é que salvará pessoas e segmentos da mediocridade. Sustentará a audácia que leva à construção da paz. Sem força interior, impera a mediocridade. A mediocridade compromete a paz.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade –, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas (enfim, 125 anos depois, a República proclama o que esperamos seja verdadeiramente o início de uma revolução educacional, mobilizando de maneira incondicional todas as forças vivas do país, para a realização da nova pátria; a pátria da educação, da ética, da justiça, da civilidade, da democracia, da participação, da sustentabilidade...);

     b)    o combate implacável, sem eufemismos e sem tréguas, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero (assim sendo, já é crítica a superação da marca de 8% no acumulado de doze meses...); II – a corrupção, há séculos, na mais perversa promiscuidade  –  “dinheiro público versus interesses privados” –, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem (a propósito, a simples divulgação do balanço auditado da Petrobras, que, em síntese, apresenta no exercício de 2014 perdas pela corrupção de R$ 6,2 bilhões e prejuízos de R$ 21,6 bilhões, não pode de forma alguma significar página virada – eis que são valores simbólicos –, pois em nossos 515 anos já se formou um verdadeiro oceano de desvios, malversação, saque, rapina e dilapidação do nosso patrimônio...); III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, indubitavelmente irreparáveis (haja vista as muitas faces mostrando a gravidade da dupla crise de falta – de água e de energia elétrica...);

     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2015, segundo a proposta do Orçamento Geral da União, de exorbitante e insuportável desembolso de cerca de R$ 1,356 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 868 bilhões), a exigir imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade – “fazer mais e melhor, com menos” –, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo e nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa, justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática e desenvolvida, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do Pré-Sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!


O BRASIL TEM JEITO!...     

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