(Maio
= mês 9; faltam 15 meses para a Olimpíada)
“A
doença do Brasil
Gastamos muito, erramos
muito mas, acima de tudo, continuamos a imaginar a centralização como a saída
para todos os problemas nacionais.
O Brasil é doente,
diagnosticou o insuspeito ex-presidentre do Uruguai José Mujica, numa
entrevista à BBC que O GLOBO repercutiu na sua edição do dia 24 do corrente.
Para Mujica, com 80 anos e muitos quilômetros rodados na vereda política e tendo
como norte a irmandade esquerdista latino-americana, a patologia nacional
brasileira tem como centro o “tráfico de influência” que seria uma “tradição”
do nosso sistema político.
Concordo em gênero,
número e grau com Mujica.
Ele não leu o que tenho
reiterado em livros e neste espaço, mas é exatamente isso que afirmo quando
entendo que toda a cosmologia do Brasil se fundamenta nas relações pessoais e
como essas relações são administradas.
A lógica do dar e
receber (ou do dar para receber) é o coração do “favor”. Se eu te faço um
favor, se eu te devo favores, esses favores nem sempre se encaixam nas divisões
ideológicas e jurídicas que regem o Brasil como país.
José Mujica discerne o
problema quando acentua que conseguir a maioria parlamentar no Brasil em nível
local ou nacional é muito dificil porque “o Brasil é um macramé”. Ora, o
macramé, como esclarece o dicionário, é uma colcha de retalhos. Em sociologuês,
di-ser-ia — como elaborei num livro publicado em 1979 (“Carnavais, malandro e
heróis”) — que é uma conjunto de elos imbricados, constituídos a partir de
simpatias e antipatias pessoais, num palco demarcado por papéis institucionais.
Se o macramé fala de liames pessoais, o lado legal do sistema demanda que ele
se dobre ou venha a romper-se pelos deveres impostos pelos papéis
institucionais. Um presidente de estatal não pode nomear somente companheiros
de partido. Ele é obrigado pelo papel que ocupa a escolher pelo mérito. Entre
esses dois impulsos ou obrigações, situa-se o que chamei de “dilema brasileiro”.
Um dilema vigente em todas as democracias inspiradas nos ideias universalistas
de 1789.
Num nível tudo parece
muito simples: gastamos muito, erramos muito mas, acima de tudo, continuamos a
imaginar a centralização como a saída para todos os problemas nacionais,
esquecendo a força dos velhos costumes, os quais têm o poder das velhas
tecelagens, como revela Mujica.
Tanto no plano
econômico quanto no político, as regras são claras e formais. Mas o mundo das
“influências” advindas da casa, uma ética da reciprocidade interfere com a do
Estado e distorce o chamado “espirito do capitalismo”. Nessa tecelagem, a
empresa não visa ao lucro, mas ao emprego para os amigos e recursos para o
partido.
O Brasil se diferencia
da Europa Ocidental, dos Estados Unidos e da América Latina porque ele não teve
republicanismo e, até 1888, foi uma monarquia fundada no trabalho escravo. Na
transição entre esses regimes, os conflitos foram reprimidos precisamente pela
ética dos elos pessoais entre monarquistas, escravistas, republicanos e
protocapitalistas que jamais abandonaram seus hábitos aristocráticos. Todos nós
temos todas as coragens, menos a de negar o pedido de um amigo, conforme dizia
Oliveira Vianna num ensaio de 1923.
Neste mundo marcado
pela transparência eletrônica, esse hóspede não convidado pelo nosso mulatismo
cultural e avesso ao confronto, as contradições surgem claramente no laço entre
riqueza e poder. Entre as demandas de quem gerencia a economia (cujas regras
são digitais: “não posso gastar mais do que tenho!”); e as da política, as
quais incluem não apenas os jeitinhos ou “pedaladas”, mas sobretudo as relações
pessoais mescladas ou não de ideologia, as quais são infinitas.
Mujica aponta que
confundimos governar com mandar. E adverte: não se pode misturar a vontade de
ter dinheiro com política. Se fizermos isso, complementa, estamos fritos. “Quem
gosta muito de dinheiro tem que ser tirado da política”. A corrupção brasileira
tem um sinal: ela se funda na apropriação de cargos por pessoas que, mesmo
quando são eleitas debaixo de uma bandeira populista ou socialista, acabam
bilionárias. É impossível resistir aos amigos, mas é muito mais difícil
liquidar essas sobras aristocráticas que são, a meu ver, a marca mais forte e
permanente do nosso republicanismo: cargos que impedem punição, crimes que
prescrevem, responsabilidades que não são cobradas. Num certo sentido, não
temos noção da tal “coisa pública” — esse conceito imprescindível para uma vida
igualitária e democrática — republicana.
(Roberto
DaMatta é antropólogo, em artigo publicado no jornal O GLOBO, edição de 29 de abril de 2015).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 1º de maio
de 2015, caderno OPINIÃO, página 7,
de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE
AZEVEDO, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente
integral transcrição:
“Solicitude
social
A celebração do Dia do
Trabalho é oportunidade para que a sociedade se manifeste e exponha as
situações graves que pesam nos ombros de todos, particularmente dos mais
pobres. Em meio a tantas bandeiras a serem desfraldadas, é indispensável nesta
hora erguer a da solicitude social. Uma bandeira que remete a conceitos e a
princípios fundamentais insubstituíveis, para que se consiga superar a
avalanche de problemas. A Igreja Católica empunha essa bandeira desenhada na
solidez de sua doutrina social, a partir de referências, valores e
entendimentos que podem impulsionar na direção de soluções que são urgentes.
A
doutrina social da Igreja não é simples receituário para situações pontuais.
Trata-se de uma fonte com força para mover consciências e condutas em direção a
uma nova cultura. Desse modo, contribui para que o tecido social seja
enriquecido por urbanidades e sensibilidades, fazendo frente a diferenças, a
condutas que comprometem instituições e funcionamentos governamentais. No
horizonte, simples e determinante é reconhecer a importância e a dignidade do
trabalho, a participação diversificada e diferenciada de cada cidadão na
construção da sociedade.
Elementar,
portanto, é comprometer-se com o princípio da honradez de cada trabalho, que
deve nortear a ação cidadã de todas as pessoas. A honradez do trabalho ficará
gravemente comprometida se a exigência do lucro preceder o temor do Senhor e a
exigência da justiça. Quando a exigência do lucro é o princípio que norteia
todas as ações, abrem-se as portas para todo o tipo de corrupção. O Livro dos
Provérbios traz máximas importantes que firmam essa compreensão e inspiram a
conduta justa de cada pessoa: “Vale mais um pouco com o temor do Senhor que um
grande tesouro com a inquietação” (Pr 15,16). “Mais vale o pouco com justiça do
que grandes lucros com iniquidade” (Pr 16,8).
Jesus
ensina, na sua pregação, a apreciar o trabalho e, ao mesmo tempo, a não se
deixar escravizar pelo trabalho. O Mestre empenha-se incansavelmente, no
exercício do seu ministério, para devolver a inteireza à dignidade humana.
Assim, constitui o modelo para que se compreenda cada trabalho realizado. Uma
compreensão que situa as obras de cada pessoa no horizonte mais amplo da
criação. Ilumina o sentido cativante da participação na obra criadora de Deus. Particularmente,
inspira gestos que promovem a recomposição permanente da dignidade humana, uma
luta incansável por condições sociais, políticas e de infraestrutura à altura
dessa dignidade maior, de ser filho e filha de Deus.
Por
isso, o trabalho representa uma dimensão fundamental da existência,
participação nas obras da criação e da redenção humana. O trabalho é também
expressão plena da humanidade de cada pessoa. Reside aqui a exigência de
solicitude social no tratamento de cenários discriminatórios e excludentes, com
sagrada indignação frente a situações de escravidão e de exploração. Também é
fundamental que todos possam exercer o direito ao trabalho. Por isso, a
sociedade inteira, especialmente os segmentos governamentais e os líderes
diversos, tem o dever inadiável de criar as condições com racionalidade e
humanismo, para que todos possam cumprir o dever de trabalhar.
O
trabalho não é obra de servidão, e sim intervenção genuinamente humana. Por
meio do trabalho, o homem governa o mundo com Deus, exercendo um domínio que é
justo na medida em que produz para si e para os outros os bens necessários.
Lúcida e inspiradora é a indicação de Santo Ambrósio, no século quarto, ao
afirmar que cada trabalhador é a mão de Cristo que continua a criar e a fazer o
bem. O trabalho é uma atividade exigente, mas é também uma espiritualidade,
gesto de colaboração com o Criador. Deve ser inspirado sempre pelo sonho e pela
meta de dar feições novas – de justiça, respeito e paz – aos cenários diversos
da sociedade.
Por
ser direito fundamental e bem para cada pessoa, o trabalho tem que ser
iluminado e inspirado pela bandeira da solicitude social. A luta pelo trabalho,
a exigência para que as leis se cumpram e sejam sempre mais humanizadas devem
ter o parâmetro dessa solicitude. Trata-se de condição para que se construa um
tecido social mais consistente, menos excludente, a partir de cultura firmada
nos princípios do respeito e promoção da dignidade humana. Para que se alcance
uma realidade mais digna, há um longo caminho a percorrer. À frente, deve
sempre estar a bandeira da solicitude social.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas
educacionais, governamentais, jurídicas,
políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo
a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres,
civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade –, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas
públicas (enfim, 125 anos depois, a República proclama o que esperamos seja
verdadeiramente o início de uma revolução educacional, mobilizando de maneira
incondicional todas as forças vivas do país, para a realização da nova pátria;
a pátria da educação, da ética, da justiça, da civilidade, da democracia, da
participação, da sustentabilidade...);
b) o
combate implacável, sem eufemismos e
sem tréguas, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são:
I – a inflação, a exigir permanente,
competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares
civilizados, ou seja, próximos de zero (assim sendo, já é crítica a superação
da marca de 8% no acumulado de doze meses...); II – a corrupção, há séculos, na mais perversa promiscuidade –
“dinheiro público versus interesses privados” –, como um câncer a se
espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos
e comprometimentos de vária ordem (a propósito, a simples divulgação do balanço
auditado da Petrobras, que, em síntese, apresenta no exercício de 2014 perdas
pela corrupção de R$ 6,2 bilhões e prejuízos de R$ 21,6 bilhões, não pode de
forma alguma significar página virada,
pois em nossos 515 anos já se formou um verdadeiro oceano de desvios,
malversação, saque, rapina e dilapidação do nosso patrimônio...); III – o desperdício, em todas as suas modalidades,
também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, indubitavelmente irreparáveis
(haja vista as muitas faces mostrando a gravidade da dupla crise de falta – de
água e de energia elétrica...);
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2015, segundo a proposta do Orçamento Geral da União, de
exorbitante e insuportável desembolso de cerca de R$ 1,356 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e
refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 868 bilhões), a exigir imediata, abrangente, qualificada e
eficaz auditoria...
Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a
credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e
regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores
como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos
sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana
(trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às
commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência
social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas;
polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência,
tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações;
qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –,
transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade – “fazer mais e
melhor, com menos” –, criatividade, produtividade, competitividade); entre
outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo e
nem arrefecem o nosso entusiasmo e
otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação
verdadeiramente participativa, justa,
ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática e
desenvolvida, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas
riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos
os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos
bilionários previstos e que contemplam eventos como a Olimpíada de 2016; as
obras do PAC e os projetos do Pré-Sal, à luz das exigências do século 21, da era
da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do
conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um
possível e novo mundo da justiça, da
liberdade, da paz, da igualdade – e com
equidade –, e da fraternidade
universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!
O
BRASIL TEM JEITO!...
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