segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

A CIDADANIA, O MAL-ESTAR DO MUNDO, A ALEGRIA E A FORÇA DA FRATERNIDADE

“Em meio ao mal-estar do mundo, ainda há lugar para a alegria
         
         No meio do inegável mal-estar mundial, irrompeu, surpreendentemente, em 2013, uma figura que nos devolveu esperança: o papa Francisco. Seu primeiro texto oficial leva como título “Exortação Pontifícia ‘Alegria do Evangelho’. Ele vem perpassado pela alegria, pelas categorias do encontro, da proximidade, da misericórdia, da centralidade dos pobres, da beleza, da “revolução da ternura” e da “mística do viver juntos”.
         Tal mensagem faz contraponto à decepção e ao fracasso face às promessas do projeto da modernidade de trazer bem-estar e felicidade para todos. Na verdade, a modernidade está colocando o futuro da espécie em risco por causa do assalto avassalador que continua fazendo sobre os bens e serviços escassos da mãe-terra. Bem diz o papa Francisco: “A sociedade técnica multiplicou as possibilidades de prazer, mas tem grandes dificuldades de engendrar alegria” (Exortação, n. 7). Prazer é coisa dos sentidos. Alegria é coisa do coração. E nosso modo de ser é sem coração.
         Essa alegria brota de um encontro com uma pessoa concreta que lhe suscitou entusiasmo, lhe produziu enlevo e simplesmente o fascinou. É a figura de Jesus de Nazaré. Não se trata daquele Cristo coberto de títulos de pompa e glória que a teologia posterior lhe conferiu. Mas é o Jesus do povo simples e pobre, que trazia palavras de frescor e de fascínio. O papa Francisco testemunha o encontro com essa pessoa. Foi tão arrebatador que mudou sua vida e lhe criou uma fonte inesgotável de alegria e de beleza. Para ele, evangelizar é refazer essa experiência, e a missão da Igreja é resgatar o frescor e o fascínio pela figura de Jesus.
         O papa Francisco não entende o cristianismo como uma doutrina. Mas sim como um encontro pessoal com uma pessoa, com sua causa, com sua luta, com sua capacidade de enfrentar as dificuldades sem fugir delas.
         Na evangelização tradicional, tudo passava pela inteligência intelectual (“intellectus fidei”) expressa pelo credo e pelo catecismo. Em sua versão, papa Francisco defende que a evangelização passa pela inteligência cordial (“intellectus cordis”), porque aí tem sua sede o amor, a misericórdia, a ternura e o frescor da pessoa de Jesus.
         Pois é desse cristianismo que precisamos, capaz de produzir alegria, pois tudo o que nasce verdadeiramente de um encontro profundo e verdadeiro gera a alegria, que ninguém pode tirar.
         Falta-nos em nossa cultura midiática e internética esse espaço do encontro. Para isso, temos que realizar “saídas”, palavra sempre repetida pelo papa. Saída de nós mesmos para o outro, saída para as periferias existenciais (as solidões e os abandonos), saída para o universo dos pobres.
         Assim, nada melhor que lembrar o testemunho de F. Dostoiésvski ao “sair” da “Casa dos Mortos”, na Sibéria: “Às vezes, Deus me envia instantes de paz; nestes instantes, amo e sinto que sou amado; foi em um desses momentos que compus para mim mesmo um credo, onde tudo é caro e sagrado. Esse credo é muito simples. Ei-lo: creio que não existe nada de mais belo, de mais profundo, de mais simpático, de mais humano, de mais perfeito do que o Cristo; e eu o digo a mim mesmo, com um amor cioso, que não existe e nem pode existir. Mais do que isso: se alguém me provar que o Cristo está fora da verdade e que esta não se encontra nele, prefiro ficar com Cristo a ficar com a verdade”.
         O papa Francisco faria suas essas palavras de Dostoiésvski. Não é uma verdade abstrata que preenche a vida, mas o encontro vivo com uma pessoa, com Jesus, o Nazareno. É a partir dele que a verdade se faz verdade. Se 2014 nos trouxer um pouco desse encontro, então teremos cavado uma fonte de onde jorra alegria, que é infinitamente melhor do que qualquer prazer induzido pelo consumo.”

(LEONARDO BOFF. Teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 3 de janeiro de 2014, caderno O.PINIÃO, página 14).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, mesma edição, caderno OPINIÃO, página 7, de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO, que é arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente integral transcrição:

“Mensagem do papa Francisco
        
         Em sua primeira mensagem de 2014, no Dia Mundial da Paz, o papa Francisco trata de um tema importante: “Fraternidade, fundamento e caminho da paz”. O texto é fruto de um zelo apostólico que desenha um horizonte luminoso para a humanidade, em busca de rumos novos para a história. A partir de preocupações pastorais, e balizado por sensibilidade missionária, o papa Francisco argumenta sobre a importância fundamental da fraternidade como condição insubstituível para a construção da paz. Resgata e indica o anseio irreprimível pela fraternidade que se hospeda no coração de cada homem e de cada mulher. Um anseio que, em razão de desgastes e de dinâmicas na contramão da solidariedade – como os cenários de violência e corrupção –, fica sepultado no mais recôndito dos corações. E nessa condição impede que cada pessoa seja instrumento da paz pela força do amor fraterno.
         Por sua constituição própria, o coração humano possui um dinamismo que conduz ao caminho da comunhão, superando o sentido inaceitável de ver o outro como concorrente ou inimigo. Imprescindível e prioritário é recuperar a fraternidade como dimensão essencial de cada pessoa, cultivando cotidianamente o exercício que reforça, em cada um, o sentido relacional que define o ser humano. Assim, desenvolve-se a capacidade de tratar cada pessoa como verdadeiro irmão e irmã. Esse exercício, o papa sublinha, se faz primeiramente no seio da família, graças, sobretudo, às funções responsáveis e complementares de cada um dos seus membros, particularmente do pai e da mãe.
         Na mensagem, o papa Francisco afirma categoricamente que “a família é a fonte de toda a fraternidade, sendo, por isso mesmo, também o fundamento e o caminho primário para a paz, já que, por vocação, deveria contagiar o mundo com seu amor”. Esse entendimento é um convite irrecusável a cada membro de cada família, sobretudo para o pai e a mãe, a pensar muito seriamente em seu papel, seu modo de conduzir a vida em família. Não se pode querer construir a paz sem compreender e sem se comprometer com o próprio núcleo familiar. Cada família tem um papel decisivo na configuração da fraternidade universal. Todos precisam investir nesse núcleo celular, convencidos de que daí vem uma força notável, decisiva na formação da consciência relacional que é condição para se alcançar a paz.
         O papa Francisco cita Bento XVI que, em certa oportunidade, lembrou que a globalização torna cada um vizinho do outro sem, necessariamente, converter essa proximidade em sentimentos fraternos. Há uma permanente luta a ser travada contra ideologias que reforçam o individualismo, egocentrismo e o consumismo materialista, que debilitam laços sociais e alimentam a mentalidade do descartável. Essas ideologias conduzem ao desprezo e abandono dos mais fracos, daqueles que, nessa distorcida visão de mundo, “são considerados como inúteis”.
         É urgente, portanto, multiplicar, pela célula familiar, experiências – pequenas, grandes, simples, cotidianas – de práticas que permitam a aprendizagem e a criação do gosto por uma ética que capacite cada pessoa a produzir e a manter vínculos. Sem essa prioridade, nem mesmo com outras ações, projetos e programas, não se poderá desenhar um cenário de paz. As lamentações aumentarão, os absurdos hediondos de todo tipo continuarão a acontecer, o medo vai empurrar todo mundo cada vez mais para dentro de guetos de segregação, desconfiança e preconceitos. Comprometida estará, cada vez mais, a fraternidade universal. Não se alcançará um nível razoável de solidariedade, com força para mudar o que faz parte de uma ladainha interminável de reclamações, necessidades e reivindicações.
         Esse exercício de construir vínculos pode começar por uma interrogação que deve interpelar a consciência de cada um –aquela pergunta de Deus a Caim, querendo saber de Abel: “Onde está teu irmão?” Uma pergunta que, respondida, reforça a convicção que salvará o mundo e fará dele um lugar de paz. “Somos todos irmãos”, ensina a mensagem do papa Francisco.”.

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais avassaladores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;

     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2014, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e intolerável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 639 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação;cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional – , transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa do Mundo; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...

O BRASIL TEM JEITO!...
  


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