quarta-feira, 5 de março de 2014

A CIDADANIA, A BELEZA DOS OFÍCIOS MANUAIS E A ALEGRIA DA SIMPLICIDADE (57/3)

(Março = mês 57; faltam 3 meses para a Copa do Mundo)

“A beleza dos ofício manuais
        
         Um certo senhor Diouf escreveu para seu filho, aconselhando-o a evitar a todo custo as profissões manuais. Havia que escolher trabalhos puramente intelectuais. A curiosidade da carta é datar do tempo dos faraós, ou seja, o preconceito não é de hoje.
         Em todas as sociedades, trabalhar com as mãos tem menos status. Mas, nos países avançados, isso não inibe o vicejar de operários, artífices e artesões altamente qualificados, orgulhosos do que fazem. São exemplos de profissionalismo e competência. Uma das marcas das sociedades avançadas é a valorização desses ofícios e a afinidade com a sociedade tecnológica. Aliás, a Revolução Industrial foi feita por mecânicos, mostrando a convivência da criatividade com as mãos.
         Lamentavelmente, o Brasil recebeu duas cargas negativas. Herdamos da Península Ibérica o desamor por trabalhos manuais. E tivemos a escravidão, criando uma clivagem radical e proclamada entre as ocupações manuais, para os escravos, nas quais não se sujam as mãos.
         No século XIX, a imigração da Europa continental começou a mudar esse panorama. Mas o grande empurrão veio do Senai, criado em 1942 e moldado em modelos alemães e suíços. Graças a ele, não travou a nossa Revolução Industrial – aliás, muito respeitável para um país que não produzia nem palito. Demos um salto.
         Infelizmente, os novos ventos não têm sido favoráveis. Aparecem ocupações charmosas, sobretudo, na informática e nos serviços. O aumento do nível de escolaridade da nova geração coloca-a próxima das lantejoulas do ensino superior, cujas vagas deram um enorme salto. Com isso, e mais algumas coisas que não sabemos, aumenta a rejeição às ocupações tradicionais, como marceneiro, caldeireiro ou eletricista e, pior àquelas ligadas à construção civil. Nos cursos do Senai, há vagas não preenchidas nessas ocupações. Há evasão durante o curso e pouco interesse em trabalhar no ofício aprendido.
         Participei de uma feira de ocupações, visitada por 10 000 alunos do ensino médio. Ali estavam as faculdades locais e outros empregadores cobiçados. Minha missão era falar dos ofícios manuais qualificados. Ao iniciar a sessão, o auditório teria dois terços da capacidade – já prenunciando o desinteresse. Fiz todas as gracinhas que sei, demonstrei o uso de plainas, falei da beleza e do prazer de fazer com as mãos. Falei da criatividade e dos desafios intelectuais. Ao terminar, uma hora depois, de jovens,  havia apenas três moças. Os outros escapuliram durante a apresentação. Nem uma só pergunta. Vá lá que eu tenha sido um canastrão chato. Mas saírem quase todos?
         O resultado dessa rejeição é o chamado “apagão da mão de obra”. Pesquisas recentes mostram que se concentra nesses ofícios. E nas engenharias, por razões diferentes. De fato, as empresas se queixam de que falta gente qualificada, sobretudo, na construção civil. As maiores conseguem capengar com um ou outro profissional competente. As menores improvisam – mal. E quem precisa de alguém para reparar o cano, o fio ou o armário encontrará pessoas que não sabem nada de nada, além de terem hábitos de trabalho caóticos. A escassez de mão de obra qualificada deve ter parte da culpa pela estagnação da nossa produtividade.
         O outro aspecto, inevitável, é que, diante da escassez, os salários para essas profissões crescerem muito, tornando as empresas menos competitivas. Valeria a pena pagar o preço se esse incentivo atraísse jovens a essas profissões. Contudo, os aumentos  não trazem nem alunos nem queira trabalhar nelas. Na época da criação do Senai, grandes industriais, como Roberto Simonsen, viram a falta de mão de obra qualificada como um impedimento ao nosso avanço. Criar uma instituição capaz de mitigar essa escassez foi então uma das batalhas vencidas pela indústria brasileira. Tenho a impressão de estarmos diante de um desafio da mesma ordem de magnitude.
         O que fazer? Neste momento, o mais importante é aceitar que há um problema sério, não apenas de flutuação conjuntural. Quando isso acontecer, as soluções aparecerão. O lado bom é que a CNI começa a despertar para o problema.”

(Cláudio de Moura Castro. Economista, em artigo publicado na revista VEJA, edição 2363 – ano 47 – nº 10, de 5 de março de 2014, página 18).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 28 de fevereiro de 2014, caderno OPINIÃO, página 9, de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente integral transcrição:

“Apostar na simplicidade
        
         O papa Francisco tem se consolidado como voz que alerta para a urgência de se combater o crescente processo de desumanização que assola a sociedade contemporânea. Sua voz ecoa para além do território da própria Igreja Católica e vai tocando corações e mentes pelo mundo afora. Na sua exortação apostólica Alegria do Evangelho, o papa Francisco sublinha que “o grande risco do mundo atual, com múltipla e avassaladora oferta de consumo, é a tristeza do individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada dos prazeres superficiais, da consciência isolada”. Quando a pessoa se fecha nos seus próprios interesses, o resultado é o comprometimento da essencialidade da vida interior.
         Uma grande indicação do papa Francisco, como retomada das mais genuínas raízes do evangelho de Jesus, é apostar na simplicidade. Esse caminho supõe exercício diário e adoção  de estilos de vida que proporcionem e mantenham uma interioridade com a sabedoria para priorizar o que é digno e bom. A simplicidade de vida, incontestavelmente, é o remédio mais eficaz no combate à desumanização, que embrutece corações e inviabiliza a convivência social. Trata-se de antídoto para a sociedade, marcada pela crescente violência, corrupção venenosa e irreversível despersonalização. É hora, portanto, de admitir e incluir um discernimento evangélico nas análises e na busca da compreensão da realidade, desafiadora e complexa, desse início de terceiro milênio.
         A busca por soluções não pode restringir-se ao crescimento a sofisticações tecnológicas, indispensáveis quando se pensa no avanço da ciência. É preciso retomar o processo de humanização, contraponto ao lamentável embrutecimento dos corações. Nessa tarefa, o ensinamento evangélico tem um poder inigualável de modulação e educação. Vale sempre lembrar a observação de Mahatma Ghandi, em referência ao sermão da montanha, evangelho de são Mateus, capítulos 5 a 7, sublinhando que ali há um tesouro que, praticado pelos cristãos, faria deles instrumento de radical revolução e transformação da sociedade pelos princípios enraizados na força inesgotável do amor de Deus.
         Não se pode apenas pensar que definições legislativas e meras providências de repressão serão suficientes para deter o catastrófico processo de desumanização em curso, responsável pelo crescimento da violência, aumento assustador da dependência química e de imoralidades de todo tipo como conseqüência da relativização nociva de valores e princípios.
         Brutalidade é o lado oposto da indispensável humanização. A falta de raízes humanísticas conscientes, como aquelas que os valores do evangelho de Jesus Cristo produzem e modulam nos corações que escutam a voz de Deus, impede o estabelecimento de uma nova ordem social e política. Sem enraizamento humanístico adequado não veremos mudanças nas lideranças e continuará baixo o nível da prática política, muitas vezes dinamizada por interesses partidários tacanhos, conchavos imorais e busca pelo crescimento próprio a partir da obsoleta prática de atacar o outro para destruí-lo.
         Não se conseguirá jamais avançar as reformas que a sociedade brasileira precisa sem a necessária e urgente competência humanística. É em razão da falta dessa competência que instituições políticas e governamentais fazem sempre muito menos do que deveriam. Alimentam-se da ilusão de que boa política se faz com conchavos, com a desmoralização dos outros, com a manipulação ideológica ou com as negociatas internas e partidárias, que atrasam o progresso e o atendimento das demandas da população.
         Essa desordem produz o descompasso e baderna que vai compondo cenários preocupantes de violência, medo e caos. As mudanças estruturais e conjunturais avançarão pela força do testemunho indispensável de cada cidadão. Nesse caso, apostar na simplicidade há de ser um compromisso de todos, revendo práticas e hábitos. Não há lugar para exibicionismos, sofisticações petulantes, esbanjamentos agressivos e irracionais. É hora de compreender, redimensionar projetos, práticas pessoais e sociais, sempre apostando na simplicidade.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, adequadas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas transformações em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade –, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

     b)    o combate, severo e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;

     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2014, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e insuportável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 654 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e abundantes riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa do Mundo; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das empresas, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mudo da justiça,  paz, da liberdade, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...


O BRASIL TEM JEITO!...

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