segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

A CIDADANIA, OS ROLEZINHOS QUE DENUNCIAM A SOCIEDADE E A FRATERNIDADE NA ECONOMIA (56/4)

(Fevereiro = Mês 56; faltam 4 meses para a Copa do Mundo)

‘Rolezinhos’ que denunciam a sociedade e a fraternidade na economia
        
         O fenômeno dos “rolezinhos” que ocuparam shopping centers no Rio e em São Paulo suscitou as mais disparatadas interpretações. Eu, por minha parte, interpreto da seguinte forma tal irrupção.
         Em primeiro lugar, são jovens pobres, das grandes periferias, sem espaços de lazer e de cultura, penalizados por serviços públicos ausentes ou muito ruins, como saúde, escola, infraestrutura sanitária, transporte, lazer e segurança. Veem televisão, cujas propagandas os seduzem para um consumo que nunca vão poder realizar. E sabem manejar computadores e entrar nas redes sociais para articular encontros. Seria ridículo exigir deles que teoricamente tematizem sua insatisfação, mas sentem na pele o quanto nossa sociedade é malvada porque exclui, despreza e mantém os filhos e filhas da pobreza na invisibilidade forçada.
         O que se esconde por trás de sua irupção? O fato de não serem incluídos no contrato significa ter garantidos os serviços básicos: saúde, educação, moradia, transporte, cultura, lazer e segurança. Quase nada disso funciona nas periferias. O que eles estão dizendo com suas penetrações nos “bunkers” do consumo? Eles estão, com seu comportamento, rompendo as barreiras do apartheid social. É uma denúncia de um país altamente injusto (eticamente), dos mais desiguais do mundo (socialmente), organizado sobre um grave pecado social, pois contradiz o projeto de Deus (teologicamente). Nossa sociedade é conservadora e nossas elites, altamente insensíveis à paixão de seus semelhantes, por isso, cínicas.
         Em segundo lugar, eles denunciam nossa maior chaga: a desigualdade social, cujo verdadeiro nome é injustiça histórica e social. Releva constatar que, com as políticas sociais do governo do PT, a desigualdade diminuiu, pois, segundo o Ipea, os 10% mais pobres tiveram, entre 2001 e 2011, um crescimento de renda acumulado de 91,2%, enquanto a parte mais rica cresceu 16,6%. Mas essa diferença não atingiu a raiz do problema, pois o que supera a desigualdade é um infraestrutura social de saúde, escola, transporte, cultura e lazer. O “Atlas da Exclusão Social”, de Márcio Pochmann (Cortez, 2004), nos mostra que há cerca de 60 milhões de famílias no Brasil, das quais 5.000 detém 45% da riqueza nacional. Os “rolezinhos” denunciam essa contradição. Eles entram no “paraíso das mercadorias” vistas virtualmente na TV para vê-las realmente e senti-las nas mãos. Eis o sacrilégio insuportável para os donos dos shoppings. Estes não sabem dialogar, chamam logo a polícia para bater e fecham as portas a esses jovens. Os marginalizados do mundo inteiro estão saindo da margem e indo rumo ao centro para suscitar a má consciência dos “consumidores felizes” e lhes dizer: essa ordem é ordem na desordem.
         Por fim, os “rolezinhos” não querem consumir. Eles têm fome, sim, mas fome de reconhecimento, de acolhida na sociedade, de lazer, de cultura e de mostrar que sabem: cantar, dançar, criar poemas críticos, celebrar a convivência humana. E querem trabalhar para ganhar a vida. Tudo isso lhes é negado porque, por serem pobres, negros, mestiços, sem olhos azuis e cabelos loiros, são desprezados e mantidos longe, na margem.
         Essa espécie de sociedade pode ser chamada ainda de humana e civilizada? Ou é um forma travestida de barbárie? Esta última lhe convém mais. Os “rolezinhos” mexeram numa pedra que começou a rolar. Só vai parar se houver mudanças.”

(LEONARDO BOFF. Filósofo e teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 31 de janeiro de 2014, caderno O.PINIÃO, página 20).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, mesma edição, caderno OPINIÃO, página 9, de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO, que é arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente integral transcrição:

“Fraternidade na economia
        
         A fraternidade na economia é uma premissa determinante na construção da paz. Lamentavelmente, a idolatria do dinheiro tem estreitado mentes e corações, negociações e pactos, em razão da hegemonia exercida sobre o desejo e sobre as razões de viver das pessoas, de povos, grupos e culturas.
         Entre as dinâmicas da idolatria do dinheiro, além da mesquinhez que limita as oportunidades de partilhas, apoios e desenvolvimento de projetos básicos para o crescimento das populações, inscreve-se a devoradora compulsão pelo consumo. Conduta que está na base da crise de valores, experimentada em todo o mundo, por reduzir a pessoa ao seu poder aquisitivo.
         O desarvoro do consumo gera voracidade e tiranias incontroláveis no íntimo das pessoas, determinando dinâmicas perversas para a sociedade contemporânea. Como enfrentar adequadamente as graves crises financeiras e econômicas deste tempo? O lucro é determinante e deve ser sempre maior. Impõe o esvaziamento antropológico de entendimentos sobre o que é essencial na vida das pessoas, impedindo investimentos, partilhas e apoios. Torna-se meta principal, sacrificando projetos e programas que poderiam fazer a diferença em cenários de pobreza. A lógica do lucro que expulsa a fraternidade das dinâmicas da economia gera outras consequências igualmente preocupantes, tecendo uma rede de violências, perversidades e corrupção. Destrói o que poderia se traduzir em exercícios ricos de fraternidade. O papa Francisco, na convicção que rege o serviço evangelizador da Igreja, constata e chama à reflexão sobre o afastamento do homem, de Deus e do próximo e sobre o empobrecimento das relações interpessoais e comunitárias como causas fatais dessa realidade contemporânea.
         As pessoas são consequentemente empurradas na direção do consumo, na busca do lucro a todo custo e fora da lógica de uma economia saudável. O cenário é de desgoverno e de descontrole, realidade que pesa sobre todos os ombros. Não se pode continuar crescendo e avançando, comprometendo aspectos essenciais, gerando prejuízos irreversíveis, como a perda do sentido fundamental de humanidade que sustenta cada pessoa. O sistema de produção e os meios de comunicação, já dizia o bem-aventurado João Paulo II, têm enorme responsabilidade pela forte influência no dia a dia das pessoas e na formação de conceitos, que não priorizam o que, de fato, é importante.
         É clara a convicção de que as crises econômicas e suas injunções devem levar os construtores da sociedade pluralista, dirigentes governamentais e cidadãos a repensar os modelos de desenvolvimento e os estilos de vida. Transformações que têm sido claramente indicadas como possibilidades de proteger cada pessoa da agressividade dos mecanismos da sociedade do lucro e do consumo. A mudança de estilo de vida – frisa o papa Francisco, em sua mensagem para o Dia Mundial da Paz, não pode abrir mão do cultivo das virtudes da prudência, temperança, justiça e fortaleza.
         A mudança da sociedade não virá, nem se sustentará, simplesmente pelas dinâmicas próprias da economia, que não possui arcabouço suficiente em si mesma para promover as transformações que a cultura contemporânea necessita. Apostar em outro modelo econômico como solução para as sociedades faria, apenas, aumentar a lista dos fracassos  na busca da paz e adiaria a possibilidade de uma justiça social mais abrangente e mais significativa.
         A fraternidade sim, tem a energia necessária para mudar a economia. Vivida e cultivada pela força motriz das virtudes tem propriedades singulares e únicas para extinguir a guerra, humanizar as relações econômicas e promover o entrelaçamento de pessoas. A fraternidade tem o poder de iluminar a inteligência gerando entendimentos que arquitetam pactos sociais e políticos. A fraternidade, como via para a paz, é o caminho novo para a economia.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas transformações em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais avassaladores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis  prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreversíveis;

     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2014, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e intolerável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 639 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (transporte, trânsito, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São gigantescos desafios, e bem o sabemos, mas que, de maneira alguma abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária,   que permita a partilha de suas extraordinárias e abundantes riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa do Mundo; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...


O BRASIL TEM JEITO!...

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