segunda-feira, 7 de abril de 2014

A CIDADANIA, A TERRA VIVA E A CULTURA MARCADA PELA FÉ

“A Terra não é um planeta em que há vida, ela é um organismo vivo
        
         A partir dos anos 70, ficou claro para grande parte da humanidade científica que a Terra não é apenas um planeta sobre o qual existe vida. Ela é viva, um superorganismo vivente denominado pelos andinos de “Pacha Mama” e pelos modernos de “Gaia”, o nome grego para a Terra viva.
         A espécie humana representa a capacidade de Gaia de ter um pensamento reflexo e uma consciência sintetizadora e amorosa. Nós, humanos, possibilitamos à Terra apreciar a sua luxuriante beleza, contemplar sua intrincada complexidade e descobrir espiritualmente o mistério que a penetra.
         O que os seres humanos são em relação à Terra é a Terra em relação ao cosmos por nós conhecido. O cosmos não é um objeto sobre o qual descobrimos a vida. O cosmos é um sujeito vivente que se encontra num processo permanente de gênese.
         A mudança que essa leitura deve produzir nas mentalidades e nas instituições só é comparável com aquela que se realizou no século XVI aos se comprovar que a Terra era redonda e girava ao redor do Sol. Especialmente, a verificação de que as coisas ainda não estão prontas, estão continuamente nascendo, abertas a novas formas de autorrealização. Consequentemente, a verdade se dá numa referência aberta, e não num código fechado e estabelecido.
         Importa, antes de mais nada, realizar a reintegração do tempo. Nós não temos a idade que se conta a partir do dia do nosso nascimento. Nós temos a idade do cosmos. Começamos a nascer há 13,7 bilhões de anos, quando principiaram a se organizar todas aquelas energias e materiais que entram na constituição de nosso corpo e de nossa psiquê. Quando isso madurou, estão nascemos de verdade, sempre abertos a outros aperfeiçoamentos futuros.
         Se sintetizarmos o relógio cósmico de 13,7 bilhões de anos no espaço de um ano solar, querendo apenas realçar algumas datas que nos interessam, teríamos o seguinte quadro:
         Em 1º de janeiro, ocorreu o big-bang. Em 1º de maio, o surgimento da Via Láctea. Em 9 de setembro, a origem do sistema solar. Em 14 de setembro, a formação da Terra. Em 25 de setembro, a origem da vida. Em 30 de dezembro, o aparecimento dos primeiros hominídeos. Em 31 de dezembro, irromperam os primeiros homens e mulheres. Os últimos dez segundos de 31 de dezembro inauguraram a história do Homo sapiens, do qual descendemos diretamente. O nascimento de Cristo ter-se-ia dado precisamente às 23h59min56s. O mundo moderno teria surgido no 58º segundo do último minuto do ano. E nós? Na última fração de segundo antes de completar meia-noite.
         Em outras palavras, somente há 24 horas o universo e a Terra têm consciência reflexa de si mesmos.
         Uma pedagogia adequada à nova cosmologia nos deveria introduzir nessas dimensões que nos evocam o sagrado do universo e o milagre de nossa própria existência. Isso, em todo o processo educativo, da escola primária à universidade.
         Em seguida, faz-se mister reintegrar o espaço dentro do qual nos encontramos. Vendo a Terra de fora da Terra, descobrimos um elo de uma imensa cadeia de seres celestes. Pertencemos ao sistema solar, que é um entre bilhões e bilhões de outras estrelas num planeta pequeno, mas extremamente aquinhoado de fatores favoráveis à evolução de formas cada vez complexas e conscientizadas de vida: a Terra.
         Reintegrados no espaço e no tempo, nos sentimos como Pascal: um nada diante do Todo e um Todo diante do nada. E nossa grandeza reside em saber e celebrar tudo isso.”

(LEONARDO BOFF. Filósofo e teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 4 de abril de 2014, caderno O.PINIÃO, página 20).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 4 de abril de 2014, caderno OPINIÃO, página 9, de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente integral transcrição:

“Cultura marcada pela fé
        
         O papa Francisco, na sua exortação apostólica sobre o anúncio do evangelho no mundo atual, sublinha o quanto é indispensável e importante a cultura marcada pela fé e a sua dimensão determinante nos rumos e tradições de grupos humanos pelo mundo afora.
         É incontestável o legado recebido por culturas seculares, em valores humanísticos e espirituais, em razão do anúncio, aprendizagem a vivência da fé cristã. Um legado que tem como referência uma fonte inesgotável que é o evangelho de Jesus Cristo, e ele próprio, Redentor e Salvador.
         A contemporaneidade continua necessitada da oferta preciosa que vem dessa fonte. Independentemente de todo tipo de crítica, até mesmo merecida, às configurações morais com excessivos rigores ou anuências tácitas frente às posturas discriminatórias e prejudiciais, a dinâmica da fé cristã continua indispensável. É fundamental, especialmente quando se trata da busca do equilíbrio humanitário na importante tarefa de afastar o mundo do caos moral e espiritual para o qual caminha, em razão de hegemonias dadas ao dinheiro e às relativizações éticas e morais.
         Sem aprofundar aqui sobre a importância da fé na cultura, do ponto de vista histórico-social, ou mesmo na explicitação de sua rica dinâmica interna, faz-se importante redobrar a atenção quanto ao que lhe é próprio, conferindo às culturas consistência adequada e equilíbrio das relações sociais e políticas no interno das sociedades.
         A dinâmica da Igreja no anúncio do evangelho para a vida do mundo precisa avaliar permanentemente vários aspectos importantes para que sua mensagem não seja equivocada. Nesse sentido, por exemplo, o papa Francisco adverte quanto ao risco de um perigoso mundanismo espiritual que pode tomar conta das igrejas e permear a definição de seus projetos e eventos. Entendendo-se por mundanismo espiritual – como diz o papa Francisco – a dinâmica que esconde atrás das aparências de religiosidade, até mesmo de amor à Igreja, a busca da glória humana e do bem-estar pessoal em vez da glória do Senhor.
         Nas mais ricas e autênticas tradições espirituais do cristianismo, a glória do Senhor não é senão a vida plena do homem, fazendo do outro destinatário de uma amor comprometido. Daí nasce o rico corolário que implica a autenticidade da fé, mais do que a prioridade do bem-estar pessoal, e o compromisso com uma ordem social justa, resultante da vivência dessa mesma fé cristã. Esse mundanismo espiritual, portanto, pode produzir misturas nefastas e enganosas entre o que, de fato, é fé cristã marcando a cultura, e o que, está na contramão da mais genuína espiritualidade cristã.
         A autenticidade da dinâmica da fé cristã não pode ser comparada a nem mesmo visitar as linguagens tão conhecidas das produções típicas de autoajuda, com passagens por outros tipos de crenças como os traços remanescentes da filosofia da “nova era” – presentes do urbano contemporâneo e envolvidos em um processo de elaboração de uma nova cultura.
         Assim, a proposta da dinâmica cristã, nesse mesmo contexto, não permite e não se ajusta ao que sincreticamente é criado para atender aos anseios humanos e com adaptações cômodas em vista do mero bem-estar pessoal. Um exemplo disso é a ideia, imposta pela permissividade, que parte do princípio de que toda norma compromete a autonomia e a liberdade.
         Não menos atenção merece o secularismo que vai reduzindo a fé e até a missão da Igreja ao âmbito privado e íntimo, fazendo com que sejam vistos com naturalidade os horrorosos processos de desumanização, resultado das relações sociais e políticas que se deterioram, por vezes provocando situações irreversíveis.
         Sendo assim, o anúncio do evangelho não pode ser desvirtuado a ponto de causar sombras na transcendência enquanto compreensão e dinâmica vivencial que abre o ser humano à solidariedade, ao sentido de sua oferta. Que qualifica sua cidadania civil com os princípios de quem vive o Reino de Deus em seu cotidiano, movido pela certeza de estar a caminho de uma vida que está para além do tempo e da história.
         É hora de cuidar para que certas influências da cultura globalizada, aquela da primazia do bem-estar pessoal, da idolatria ao dinheiro e da criação de guetos para usufruto descomprometido de forças institucionais, não desfigurem o que é próprio da fé cristã em sua força libertária e transformadora.
         O papa Francisco aponta que a fé cristã, vivida e respeitada, proporciona a descoberta e a transmissão da mística de vivermos juntos, de nos misturarmos, nos encontramos, darmos o braço uns aos outros, nos apoiarmos e participarmos desse maré que, embora caótica, pode transformar-se em verdadeira fraternidade, caravana solidária, peregrinação sagrada. O ganho será a autenticidade de uma cultura marcada pela fé.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, adequadas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;

     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2014, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e intolerável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 654 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais –  (a propósito, a diferença de renda entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres, no Brasil, é de 50 vezes maior; enquanto na Nova Zelândia, é de 8 vezes maior) – e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa, justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e abundantes riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa do Mundo; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...

O BRASIL TEM JEITO!...  

         

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