“Cidadania:
status inerente ao indivíduo
É clássica a descrição
feita por T. H. Marshall (1967) em torno do conceito de cidadania: civil,
política e social constituem as três categorias analíticas por ele estudadas,
para o caso inglês. Apesar de não representar tipo explicativo de todos os
casos de progresso da cidadania em outras realidades nacionais, o modelo
utilizado por esse autor é um recurso teórico importante e continua sendo
referência para os estudos comparativos do desenvolvimento da cidadania em
outros países.
O
desenvolvimento dos direitos civis na sociedade inglesa se relaciona com a
liberdade individual, que se traduz na liberdade de ir e vir, liberdade de
imprensa, pensamento e fé, direito à propriedade, de concluir contratos válidos
e direito à justiça. No âmbito das instituições, o desenvolvimento dos direitos
civis esteve relacionado com os tribunais de Justiça, que buscavam assegurar os
direitos individuais processualmente e fundamentando na noção de igualdade.
Os
direitos políticos, por sua vez, foram desenvolvidos à medida que os direitos
civis se afirmavam como status de liberdade. Porém, Marshall afirma que
diferentemente do ocorrido com os direitos civis, os direitos políticos não
foram criação nova, mas a transferência de alguns direitos já gozados por uma
parcela da população às novas parcelas que vieram a incorporar a comunidade
política. Neles se incluem o direito de participar no exercício do poder político,
como membro de um organismo investido da autoridade política ou como eleitor
dos membros de tal organismo, tendo como instituições correspondentes o
Parlamento e os conselhos do governo local.
Os
direitos sociais se consolidaram no século 20. Mas foi a partir do século 18 e
do advento da nova ordem social, pautada na economia competitiva, que os
direitos sociais promoveram a consolidação da cidadania. A expansão da educação
formou no século no século 19 as bases pelas quais os direitos sociais viriam a
se desenvolver no século seguinte. Argumenta Marshall que apenas no século 20
os princípios dos direitos sociais passaram a ser associados ao status de
cidadania tal como o direito civil e o direito político.
Sob a
ótica de Marshall, todo integrante da sociedade tem direito a uma visão de
mundo lúcida, sem distinção de qualquer espécie. A imediata compreensão desse
direito à lucidez exige lembrar que direitos civis, para Marshall, são aqueles
concernentes a determinadas liberdades individuais elementares, entre elas a
vida e a segurança.
Marshall
considera a cidadania como “nacional por definição”, bem como que seus
elementos apresentaram, no caso inglês, uma fusão geográfica, a partir do
século 12, e uma especialização funcional desde o século 18. Nesse contexto,
“quando a liberdade se fez universal, a cidadania passou de instituição local a
instituição nacional”.
Quando
se trata, entretanto, de debater sobre o direito civil à lucidez, há, é
verdade, a implicação de que tal direito esteja assegurado em um dispositivo
institucional, ou melhor, constitucional, em que a lei maior escrita (e seus
desdobramentos) assegure condições de que tal direito seja pleiteado em caso de
não ser respeitado.
Sob
essa perspectiva, mesmo toda a natureza abstrata e universalista da palavra
lucidez precisa, para ser assegurada, de contextos específicos assecuratórios
de sua proteção, que seriam, no caso, providas pelo Judiciário. Nesse prisma,
haveria uma identificação com o caso inglês, porque nele o processo de fusão começou
no século 12, quando a Justiça real adquiriu o poder de definir e defender os
direitos sociais dos indivíduos.
Assim,
o tema cidadania deve ser entendido a partir do que ele não é, afirmando que
não se confunde com democracia, não tem vida própria, tampouco tem por
sinonímia algum tipo de empoderamento. Cidadania é um método de inclusão
social. Caso se considere tal enfoque definidor para entender a cidadania como
direito à lucidez, cidadania não seria um método de inclusão, mas sim de
preservação de um status inerente a cada indivíduo e todos aqueles que têm esse
status são iguais em direitos e obrigações. Mesmo nos momentos iniciais, a
cidadania se desenvolveu pelo enriquecimento do conjunto de direitos que não
estavam em conflito com as desigualdades da sociedade capitalista.
Dessa
forma, o status diferencial, associado com classe e função, foi substituído
pelo status uniforme da cidadania que trouxe o fundamento da igualdade, sobre a
qual a estrutura da desigualdade foi construída.
A
cidadania, então, pressupõe um sentimento direto de participação, estimulado
tanto pela luta para adquirir direitos quanto pelo gozo dos direitos
adquiridos. Nesse contexto, a cidadania atua como um instrumento de
estratificação social.
Por
isso, a cidadania tem sido um importante componente para que os movimentos
sociais possam expandir os direitos sociais, combinando liberdade, participação
e igualdade para todos. Em resumo, a clássica divisão de Marshall nos leva a
identificar os direitos civis como aqueles que garantem a vida em sociedade; os
direitos políticos como a participação no governo de uma sociedade e os
direitos sociais como a participação na riqueza coletiva. Relevante entender
que os direitos sociais colocam o indivíduo em condições de ter o poder para
fazer aquilo que é livre para fazer.
No
Brasil, a Constituição de 1988 situou a cidadania entre os princípios fundamentais
da República. Contudo, a imensa disparidade social criou um ambiente propício
ao desenvolvimento de classes de cidadãos que se colocam acima da lei,
beneficiários de privilégios e não de direitos; de cidadãos que normalmente se
sujeitam aos rigores e benefícios das leis; e aqueles que se encontram à margem
da cidadania e têm seus direitos constantemente violados.”
(HELIANE
GUADALUPE. Advogada, mestranda em direito pela Universidade Fumec,
presidente do Centro de Estudos da Gestão da Defesa Social, em artigo publicado
no jornal ESTADO DE MINAS, edição de
4 de outubro de 2013, caderno DIREITO
& JUSTIÇA, página 8).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição de 28
de setembro de 2013, caderno OPINIÃO, página
9, de autoria de VIVINA DO C. RIOS
BALBINO, que é Psicóloga, mestre em educação, professora da Universidade
Federal do Ceará e autora do livro Psicologia
e psicologia escolar no Brasil, e que merece igualmente integral
transcrição:
“Reforçar
as licenciaturas
Apesar de inovações
importantes, o mapa 2013 das universidades brasileiras do ranking universitário
da Folha (RUF) pouco mudou. O RUF
avaliou: produção científica (pesquisa, inserção internacional e inovação) e a
graduação (qualidade de ensino e ressonância da instituição no mercado de trabalho).
As regiões Sul-Sudeste ainda concentram 19 das 25 melhores universidades do
país. Universidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Rio
Grande do Sul e Santa Catarina se destacam. No Nordeste temos Bahia, Ceará,
Paraíba e Pernambuco e no Centro-Oeste temos a Universidade de Brasília e a
Universidade Federal de Goiás. A Universidade Federal de Pernambuco é a
primeira no Nordeste e a Universidade Federal do Ceará a segunda. Infelizmente
a Região Norte continua não aparecendo
no grupo principal, mantendo a histórica concentração de incentivos no
eixo Sul-Sudeste. Inovações importantes na democratização de recursos e na
expansão de universidades e campus nas regiões Norte-Nordeste foram feitas na
última década, mas os resultados serão somente a longo prazo.
O
orçamento 2012 para universidades federais foi de R$ 27,5 bilhões, excluindo
hospitais universitários. São 58 universidades e seis delas recebem 28,5% do
total: UFRJ, UnB, UFMG, UFF, UFRGS e UFC. A maior quantia foi para a UFRJ, R$
2,1 bilhões, e o menor para a UFC, R$ 974,6 milhões. A USP fica com R$ 3,9
bilhões e equivale à verba estadual para a habitação e cultura somadas. Por
lei, a instituição recebe 5% do ICMS paulista, garantindo quase R$ 4 bilhões à
universidade. Com certeza uma dotação extremamente privilegiada em relação às
demais universidades brasileiras.
Apesar
do alto investimento, a USP perde para a Unicamp em inovação (número de
patentes), fruto de projetos inovadores e criativos constituindo fator concreto
para o desenvolvimento econômico do país. Com a inclusão das notas do Enade, a
USP agora perdeu também para UFRGS e UFMG
no indicador de ensino. A instituição se recusava a participar das provas.
A
inclusão do Enade como critério para a avaliar nacionalmente a graduação tem o
objetivo de valorizar a participação das universidades numa avaliação nacional
e padronizada dos graduandos. No meu entender a medida é extremamente positiva
e democrática. Outra inovação do RUF2013 foi a criação do ranking de
internacionalização, liderado na estreia pela Universidade Federal do ABC. Criada
em 2005, tem modelo inovador de ensino, 100% de docentes com doutorado e ocupa
o 21º em pesquisa científica. Precisamos avançar muito no quesito excelência no
ensino, qualificar melhor professores e regionalizar projetos potencialmente
importantes para o país em centros de excelência regionais escolhidos. Isso é
fundamental. Repensar a criação de políticas de excelência em áreas específicas
de ensino, de pesquisa ou de extensão a exemplo de algumas universidades dos
EUA e da Europa. No Brasil toda universidade deve executar com qualidade
ensino, pesquisa e extensão. A extensão é importante para a popularização dos
conhecimentos e desenvolvimento social.
Incentivar
o ensino de qualidade também nas licenciaturas é fundamental. A baixa procura
por cursos de licenciatura preocupa o MEC. Estimular alunos a fazer
licenciaturas. Na verdade, elas não são priorizadas nos cursos, professores
iniciantes se ocupam das disciplinas pré-requisitos e, no final, os professores
são mal remunerados. A formação de educadores de todas as áreas é fundamental
para uma educação de qualidade do ensino básico ao superior. Para suprir a
deficiência e a falta de professores qualificados no ensino das ciências exatas
(área crítica), o governo implanta em 2013 uma política de incentivo concedendo
bolsas aos alunos talentosos nessas áreas e já cursando o ensino médio, intitulada
“Quero ser cientista, quero ser professor”. Excelente programa que deveria ser
estendido às licenciaturas de modo geral. Formar educadores de qualidade em
todas as áreas e incentivar talentos é extremamente positivo! Além disso, a
graduação competente é fundamental – supre com qualidade o mercado de trabalho
e subsidia projetos e grandes inovações na pós-graduação. As universidades
públicas brasileiras precisam gerar retornos cada vez mais significativos para
a sociedade e para o desenvolvimento econômico do país.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
lúcidas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de
liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas
educacionais, governamentais, jurídicas,
políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de
modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais
livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente
desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade
absoluta de nossas políticas públicas;
b) o
combate, implacável e sem trégua,
aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente,
competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares
civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da
vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária
ordem; III – o desperdício, em todas
as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos,
indubitavelmente irreparáveis;
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e
intolerável desembolso de cerca de R$ 1
trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma
imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta
a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e
regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores
como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos
sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana
(trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às
commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência
social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas;
polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência,
tecnologia e inovação; turismo; esporte, cultura e lazer; comunicações;
qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –,
transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade,
produtividade, competitividade); entre outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem
arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta
grande cruzada nacional pela cidadania e
qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada,
qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que
permita a partilha de suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades
e potencialidades com todas as
brasileiras e com todos os
brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos
e que contemplam eventos como a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as
obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da
era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do
conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um
possível e novo mundo da justiça, da
liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade
–, e da fraternidade universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...
O
BRASIL TEM JEITO!...