segunda-feira, 5 de maio de 2014

A CIDADANIA, O SAL DA TERRA E OS RESÍDUOS DA EDUCAÇÃO (59/1)

(Maio = mês 59; falta um mês para a Copa do Mundo)

“O sal da terra
        
         Está escrito em Mateus, capítulo 5, versículo 13, que Jesus teria dito a seus seguidores: “Vós sois o sal da terra. Ora, se o sal perde o sabor, para que há de servir?”.
Nos dias atuais, nunca foi tão necessário rever conceitos, reavivar valores esquecidos, desenterrar as lições que nos foram dadas de graça pelas pessoas ilibadas com quem encontramos nesta vida. Reinventar o homem, eis a missão! E o que cabe a nós, advogados, operadores do direito e aqueles que na academia almejam tal distinção? Somos convidados a fazer justiça e, como o sal da terra, nos tornamos necessários!
A Constituição de 1988, com a sabedoria do povo, nos diz: sois vós, advogados, indispensáveis à administração da justiça (Artigo 133). Ora, me pergunto: se o advogado perde a noção do que é reto, como se efetivará a sociedade justa e solidária que a Constituição promete no seu Artigo 3?
A justiça, parafraseando santo Agostinho, se me perguntarem o que é, não saberei responder, mas com certeza sei o que não é. E é como o que não é que devemos nos preocupar. Se nos dispusermos a trabalhar para construir uma sociedade justa, aspiração coletiva do povo brasileiro e inconsciente de toda a humanidade, e se, por força da lei maior, nos tornamos essenciais a esse exercício, resta-nos pedir a Deus que nos dê sabedoria e ponha freios em nossas iniquidades para que possamos dar alma à lei e traduzir em ação na vida corriqueira aquilo que entendemos ser justiça. Não é decorando códigos que se dá vida à lei, mas compreendendo as suas entrelinhas, olhando nos olhos das pessoas  que esperam de nós que a justiça se faça.
Há muitos que se impressionam pelos discursos eloquentes dos tribunais, pela linguagem esmerada dos textos jurídicos, pela indumentária elegante dos juristas, pela pompa das Cortes ou pelas possibilidades financeiras, as reverências e salamaleques. Não. Decididamente, a justiça não se faz com tais adereços. Antes, os dispensa pela simplicidade do oprimido, pelo desespero do encarcerado, pela dor das vítimas, pela fragilidade do desamparado, pela fome, pelo medo, pela angústia. Não é de aparências que vive a justiça. Aqui, vale de novo uma paráfrase: desta vez, recorro a são Paulo para afirmar que a justiça não se ensoberbece, não vocifera, não grita. É mansa e prudente. Quando ela acontece, ainda que em silêncio, todos nós a percebemos. É como um bálsamo, um fino perfume. Tudo o que vier além é pirotecnia desnecessária.
Na verdade, a sociedade justa que almejamos precisa muito do advogado-conselheiro, equilibrado, estudioso, que fala a língua de gente, que conhece as dificuldades das pessoas e se dispõe a ser serviço. Com facilidade troca-se a gritaria, o estardalhaço, a velhacaria pela compreensão, pelo zelo, pela concórdia, pela boa-fé. Há duas portas para se entrar para a história, e uma delas é a porta dos fundos, notadamente mais fácil. A nossa vida é feita de escolhas, e, não raro, somos aquilo que escolhemos ser. Do direito romano herdamos a máxima que deveria nos direcionar: “Honest vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere” (viver honestamente, não prejudicar ninguém, dar a cada um o que é seu). Essa é a prática da justiça. Todo o resto é literatura!”

(Israel Quirino. Professor e advogado, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 3 de maio de 2014, caderno O.PINIÃO, página 15).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 26 de abril de 2014, caderno OPINIÃO, página 9, de autoria de ALELUIA HERINGER LISBOA TEIXEIRA, doutora em educação pela UFMG e diretora do Colégio Santo Agostinho – Contagem, e que merece igualmente integral transcrição:

“Resíduos da educação
        
         Toda atividade humana produz seus resíduos, pois nosso processos são lineares. Entretanto, não é essa a sábia e longeva lógica da natureza, na qual os processos são cíclicos. Se a instituição escolar abriga uma atividade humana, logo, também produz seus resíduos Em quais contextos são produzidos? Para responder a essa pergunta é preciso observar toda a “cadeia produtiva”, que se inicia com o processo de seleção de alunos, até sua conclusão no ensino médio.
         A produção da excelência escolar está em relação direta com a produção do resíduo escolar. Essa metáfora pode nos ajudar a entender os bastidores dessa relação que é tão pouco explicitada. Hoje, nos damos por satisfeitos com a posição da escola no ranking que é elaborado e divulgado anualmente pela grande mídia, com base nos resultados do Enem e disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep).
         Ressalto que uma avaliação sistêmica como essa é de fundamental importância para o fornecimento de dados que irão subsidiar as políticas públicas e os projetos pedagógicos das escolas. É preciso, sim, analisar os resultados, cruzar informações, identificar e agir nas deficiências. Entretanto, a ligeira apropriação realizada, sem a observância de outras variáveis, é ago empobrecedor e não nos ajuda a melhorar o nível da educação brasileira. Isto porque, na ânsia de “sair bem na fita”, mais e mais o foco e o interesse das escolas se voltam para aqueles estudantes que poderão oferecer retorno rápido em menos tempo; e menos valor e interesse se tem em trabalhar aqueles com dificuldades de aprendizagem em algumas áreas e métodos. Aquilo que deveria ser uma responsabilidade compartilhada da sociedade, que é a melhoria da educação de todo o seu povo, segue, de forma perigosa e egoísta, ofuscada pela necessidade atlética de subir no pódio.
         A produção de resíduo da excelência escolar se dá antes mesmo da largada, no processo de seleção, que, no passado, era temido e conhecido como exame de admissão. Quantos tentam uma vaga? Quantos irão conseguir? Quanto mais disputado for esse processo, melhor será a composição do alunado.
         Em nossa pesquisa sobre o Colégio Estadual de Minas Gerais, escola com 100% de aprovação nos vestibulares, no período de 1956 a 1964, prevalecia o critério de admissão por mérito de cada candidato, ou seja, garantia da igualdade de condições para a competição. De fato, todos podiam se inscrever, e a prova seria a mesma para todos, contudo identificamos que, antes da competição, outras variáveis, além dos pressupostos acima, influenciavam de forma significativa o resultado, tais como o grupo escolar de origem, a possibilidade ou não de fazer um bom curso preparatório, a origem social do aluno e o capital cultural herdado na família. Dessa elite escolar era possível exigir sempre mais, o que redundava em um alto nível de aprovação no vestibular. Esse ciclo virtuoso fortalecia a representação da escola como lugar da excelência acadêmica.
         Os alunos residuais desse exame, provavelmente os com maiores dificuldades de aprendizagem e que iriam exigir mais dos professores, desistiam ou buscavam escolas “mais fracas”. Para o sociólogo francês François Dubet, uma escola justa não pode se limitar a selecionar os que têm mais mérito; ela deve também se preocupar com a sorte dos vencidos.
         Em 1963, já dentro da política nacional de ampliação do número de vagas para o ensino secundário, encabeçada pelo então presidente João Goulart, o Colégio Estadual de Minas Gerais abriu escolas anexas e diminuiu o rigor do exame de admissão. O que aconteceu? A excelência escolar foi diluída e se perdeu em poucos anos, fazendo-nos entender que a excelência só existiu por causa de sua raridade. Era uma escola para poucos, e poucos bons, uma elite escolar.
         Podemos encontrar outro nicho de produção do resíduo relacionado à produção da excelência escolar quanto levantamos os índices de reprovação, de evasão ao longo do ano letivo e de transferidos no final do ano motivados pela dificuldade em acompanhar o ritmo da escola. O que acontece? Há ensino e não há aprendizagem? Se for de qualidade e de excelência, porque não se aprende? Como a escola lida com isso? Se não deu conta, foi porque o aluno não se esforçou? Pode ser. Exceto para alguns poucos privilegiados, aprender exige um grande investimento de tempo e dedicação por parte do estudante. Entretanto, nem todos vão mal por falta de esforço. Conforme Dubet, “o jogo escolar é mais propício aos mais favorecidos”.
         Constato com satisfação os avanços alcançados com a aplicação e os resultados do Enem. Todos precisam se mexer. Entretanto, não podemos perder de vista o quanto é de valor social o trabalho de tantas escolas e professores que não desistem de seus alunos com baixo aproveitamento escolar. Com propostas metodológicas interessantes, abrem mão do pódio, mas não de seus projetos, e suportam bravamente a competição bruta e a pressão do mercado. Estamos desvirtuando a grande oportunidade de alavancarmos a nossa educação. O conceito de educação de qualidade ou de excelência educacional inclui, necessariamente, um bom resultado no Enem, mas é empobrecedor reduzi-lo a esse único dado.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, pedagógicas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de  moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade –, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;
  
     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2014, segundo o Orçamento Geral da União, de astronômico e intolerável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 654 bilhões), a exigir uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa, justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que permita a partilha de suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa do Mundo; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...


O BRASIL TEM JEITO!...

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