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segunda-feira, 4 de maio de 2015

A CIDADANIA, A BUSCA DA CURA E A SOLICITUDE SOCIAL (9/15)

(Maio = mês 9; faltam 15 meses para a Olimpíada)

“A doença do Brasil
Gastamos muito, erramos muito mas, acima de tudo, continuamos a imaginar a centralização como a saída para todos os problemas nacionais.
O Brasil é doente, diagnosticou o insuspeito ex-presidentre do Uruguai José Mujica, numa entrevista à BBC que O GLOBO repercutiu na sua edição do dia 24 do corrente. Para Mujica, com 80 anos e muitos quilômetros rodados na vereda política e tendo como norte a irmandade esquerdista latino-americana, a patologia nacional brasileira tem como centro o “tráfico de influência” que seria uma “tradição” do nosso sistema político.
Concordo em gênero, número e grau com Mujica.
Ele não leu o que tenho reiterado em livros e neste espaço, mas é exatamente isso que afirmo quando entendo que toda a cosmologia do Brasil se fundamenta nas relações pessoais e como essas relações são administradas.
A lógica do dar e receber (ou do dar para receber) é o coração do “favor”. Se eu te faço um favor, se eu te devo favores, esses favores nem sempre se encaixam nas divisões ideológicas e jurídicas que regem o Brasil como país.
José Mujica discerne o problema quando acentua que conseguir a maioria parlamentar no Brasil em nível local ou nacional é muito dificil porque “o Brasil é um macramé”. Ora, o macramé, como esclarece o dicionário, é uma colcha de retalhos. Em sociologuês, di-ser-ia — como elaborei num livro publicado em 1979 (“Carnavais, malandro e heróis”) — que é uma conjunto de elos imbricados, constituídos a partir de simpatias e antipatias pessoais, num palco demarcado por papéis institucionais. Se o macramé fala de liames pessoais, o lado legal do sistema demanda que ele se dobre ou venha a romper-se pelos deveres impostos pelos papéis institucionais. Um presidente de estatal não pode nomear somente companheiros de partido. Ele é obrigado pelo papel que ocupa a escolher pelo mérito. Entre esses dois impulsos ou obrigações, situa-se o que chamei de “dilema brasileiro”. Um dilema vigente em todas as democracias inspiradas nos ideias universalistas de 1789.
Num nível tudo parece muito simples: gastamos muito, erramos muito mas, acima de tudo, continuamos a imaginar a centralização como a saída para todos os problemas nacionais, esquecendo a força dos velhos costumes, os quais têm o poder das velhas tecelagens, como revela Mujica.
Tanto no plano econômico quanto no político, as regras são claras e formais. Mas o mundo das “influências” advindas da casa, uma ética da reciprocidade interfere com a do Estado e distorce o chamado “espirito do capitalismo”. Nessa tecelagem, a empresa não visa ao lucro, mas ao emprego para os amigos e recursos para o partido.
O Brasil se diferencia da Europa Ocidental, dos Estados Unidos e da América Latina porque ele não teve republicanismo e, até 1888, foi uma monarquia fundada no trabalho escravo. Na transição entre esses regimes, os conflitos foram reprimidos precisamente pela ética dos elos pessoais entre monarquistas, escravistas, republicanos e protocapitalistas que jamais abandonaram seus hábitos aristocráticos. Todos nós temos todas as coragens, menos a de negar o pedido de um amigo, conforme dizia Oliveira Vianna num ensaio de 1923.
Neste mundo marcado pela transparência eletrônica, esse hóspede não convidado pelo nosso mulatismo cultural e avesso ao confronto, as contradições surgem claramente no laço entre riqueza e poder. Entre as demandas de quem gerencia a economia (cujas regras são digitais: “não posso gastar mais do que tenho!”); e as da política, as quais incluem não apenas os jeitinhos ou “pedaladas”, mas sobretudo as relações pessoais mescladas ou não de ideologia, as quais são infinitas.
Mujica aponta que confundimos governar com mandar. E adverte: não se pode misturar a vontade de ter dinheiro com política. Se fizermos isso, complementa, estamos fritos. “Quem gosta muito de dinheiro tem que ser tirado da política”. A corrupção brasileira tem um sinal: ela se funda na apropriação de cargos por pessoas que, mesmo quando são eleitas debaixo de uma bandeira populista ou socialista, acabam bilionárias. É impossível resistir aos amigos, mas é muito mais difícil liquidar essas sobras aristocráticas que são, a meu ver, a marca mais forte e permanente do nosso republicanismo: cargos que impedem punição, crimes que prescrevem, responsabilidades que não são cobradas. Num certo sentido, não temos noção da tal “coisa pública” — esse conceito imprescindível para uma vida igualitária e democrática — republicana.

(Roberto DaMatta é antropólogo, em artigo publicado no jornal O GLOBO, edição de 29 de abril de 2015).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 1º de maio de 2015, caderno OPINIÃO, página 7, de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente integral transcrição:

“Solicitude social
        A celebração do Dia do Trabalho é oportunidade para que a sociedade se manifeste e exponha as situações graves que pesam nos ombros de todos, particularmente dos mais pobres. Em meio a tantas bandeiras a serem desfraldadas, é indispensável nesta hora erguer a da solicitude social. Uma bandeira que remete a conceitos e a princípios fundamentais insubstituíveis, para que se consiga superar a avalanche de problemas. A Igreja Católica empunha essa bandeira desenhada na solidez de sua doutrina social, a partir de referências, valores e entendimentos que podem impulsionar na direção de soluções que são urgentes.
         A doutrina social da Igreja não é simples receituário para situações pontuais. Trata-se de uma fonte com força para mover consciências e condutas em direção a uma nova cultura. Desse modo, contribui para que o tecido social seja enriquecido por urbanidades e sensibilidades, fazendo frente a diferenças, a condutas que comprometem instituições e funcionamentos governamentais. No horizonte, simples e determinante é reconhecer a importância e a dignidade do trabalho, a participação diversificada e diferenciada de cada cidadão na construção da sociedade.
         Elementar, portanto, é comprometer-se com o princípio da honradez de cada trabalho, que deve nortear a ação cidadã de todas as pessoas. A honradez do trabalho ficará gravemente comprometida se a exigência do lucro preceder o temor do Senhor e a exigência da justiça. Quando a exigência do lucro é o princípio que norteia todas as ações, abrem-se as portas para todo o tipo de corrupção. O Livro dos Provérbios traz máximas importantes que firmam essa compreensão e inspiram a conduta justa de cada pessoa: “Vale mais um pouco com o temor do Senhor que um grande tesouro com a inquietação” (Pr 15,16). “Mais vale o pouco com justiça do que grandes lucros com iniquidade” (Pr 16,8).
         Jesus ensina, na sua pregação, a apreciar o trabalho e, ao mesmo tempo, a não se deixar escravizar pelo trabalho. O Mestre empenha-se incansavelmente, no exercício do seu ministério, para devolver a inteireza à dignidade humana. Assim, constitui o modelo para que se compreenda cada trabalho realizado. Uma compreensão que situa as obras de cada pessoa no horizonte mais amplo da criação. Ilumina o sentido cativante da participação na obra criadora de Deus. Particularmente, inspira gestos que promovem a recomposição permanente da dignidade humana, uma luta incansável por condições sociais, políticas e de infraestrutura à altura dessa dignidade maior, de ser filho e filha de Deus.
         Por isso, o trabalho representa uma dimensão fundamental da existência, participação nas obras da criação e da redenção humana. O trabalho é também expressão plena da humanidade de cada pessoa. Reside aqui a exigência de solicitude social no tratamento de cenários discriminatórios e excludentes, com sagrada indignação frente a situações de escravidão e de exploração. Também é fundamental que todos possam exercer o direito ao trabalho. Por isso, a sociedade inteira, especialmente os segmentos governamentais e os líderes diversos, tem o dever inadiável de criar as condições com racionalidade e humanismo, para que todos possam cumprir o dever de trabalhar.
         O trabalho não é obra de servidão, e sim intervenção genuinamente humana. Por meio do trabalho, o homem governa o mundo com Deus, exercendo um domínio que é justo na medida em que produz para si e para os outros os bens necessários. Lúcida e inspiradora é a indicação de Santo Ambrósio, no século quarto, ao afirmar que cada trabalhador é a mão de Cristo que continua a criar e a fazer o bem. O trabalho é uma atividade exigente, mas é também uma espiritualidade, gesto de colaboração com o Criador. Deve ser inspirado sempre pelo sonho e pela meta de dar feições novas – de justiça, respeito e paz – aos cenários diversos da sociedade.
         Por ser direito fundamental e bem para cada pessoa, o trabalho tem que ser iluminado e inspirado pela bandeira da solicitude social. A luta pelo trabalho, a exigência para que as leis se cumpram e sejam sempre mais humanizadas devem ter o parâmetro dessa solicitude. Trata-se de condição para que se construa um tecido social mais consistente, menos excludente, a partir de cultura firmada nos princípios do respeito e promoção da dignidade humana. Para que se alcance uma realidade mais digna, há um longo caminho a percorrer. À frente, deve sempre estar a bandeira da solicitude social.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade –, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas (enfim, 125 anos depois, a República proclama o que esperamos seja verdadeiramente o início de uma revolução educacional, mobilizando de maneira incondicional todas as forças vivas do país, para a realização da nova pátria; a pátria da educação, da ética, da justiça, da civilidade, da democracia, da participação, da sustentabilidade...);

     b)    o combate implacável, sem eufemismos e sem tréguas, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero (assim sendo, já é crítica a superação da marca de 8% no acumulado de doze meses...); II – a corrupção, há séculos, na mais perversa promiscuidade  –  “dinheiro público versus interesses privados” –, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem (a propósito, a simples divulgação do balanço auditado da Petrobras, que, em síntese, apresenta no exercício de 2014 perdas pela corrupção de R$ 6,2 bilhões e prejuízos de R$ 21,6 bilhões, não pode de forma alguma significar página virada, pois em nossos 515 anos já se formou um verdadeiro oceano de desvios, malversação, saque, rapina e dilapidação do nosso patrimônio...); III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, indubitavelmente irreparáveis (haja vista as muitas faces mostrando a gravidade da dupla crise de falta – de água e de energia elétrica...);

     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2015, segundo a proposta do Orçamento Geral da União, de exorbitante e insuportável desembolso de cerca de R$ 1,356 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 868 bilhões), a exigir imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade – “fazer mais e melhor, com menos” –, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo e nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa, justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática e desenvolvida, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do Pré-Sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!

O BRASIL TEM JEITO!...
            

       

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

A CIDADANIA, A HARMONIA ENTRE MENTE E CORAÇÃO E AS AINDA ACIRRADAS DIFERENÇAS

“A harmonia por meio da integração entre mente e coração
        A partir dos níveis internos, elevadas energias espirituais trabalham incessantemente para favorecer o despertar da luz no interior dos seres humanos. Não visam à formação de devotos a seguir passivamente suas instruções. Trabalham pelo desenvolvimento da consciência, pela dinamização do intelecto superior, pelo crescimento de indivíduos que possam refletir as energias criadoras que guardam em seu íntimo.
         Sobretudo na época atual, os estímulos que essas elevadas energias vertem sobre o planeta facilitam a integração entre coração e mente. A compreensão dos fatos da vida, compreensão não confundida por aparências ou por elementos efêmeros, depende dessa integração. Quando a sensibilidade para perceber o estado real das criaturas e do universo e a capacidade organizadora da mente se fundem e se deixam guiar pela luz interna do coração, a melhor conduta a seguir, a mais adequada e evolutiva, se revela.
         Só existe uma maneira de a harmonia se estabelecer na face da Terra: a mente e o coração de cada indivíduo integrarem-se e elevarem-se. Nos níveis superiores da consciência encontra-se a verdade que considera o bem de todos. Entre os que atingiram esses níveis não há possibilidade de desentendimento, pois prevalece a unidade de propósito.
         Diante dos horizontes que essa integração descortina, é preciso estar disposto a renunciar ao que possa manter a consciência presa a antigas formas de ser e de compreender. É preciso também abrir mão do hábito de criticar e da tendência a cristalizar-se em condutas passadas. O processo de fusão da mente e do coração é libertador: permite constante renovação, constante ampliação do potencial de serviço aos semelhantes.
         Um número cada vez maior de seres humanos, movidos hoje pelos impulsos de energias elevadas, superiores, começa a desenvolver essa visão mais universal e integrada. A interdependência entre os reinos da natureza vai-se tornando para eles evidente, o que multiplica suas oportunidades de atuar de modo positivo no estabelecimento de padrões de vida superiores.
         À medida que se elevam, sentem-se insatisfeitos ao perceber a progressiva deterioração da existência ao redor. Saber que a paz só se estabelecerá sobre a Terra quando estiver viva na maioria dos homens faz com seus limites se alarguem e com que busquem compartilhar o que de melhor colhem do mundo interior.
         No presente período planetário tudo está sendo movido, purificado e renovado para que se eleve o nível vibratório da Terra. Desde as estruturas mais básicas da sociedade humana – familiares, econômicas, religiosas e geopolíticas – até as profundezas dos sentimentos e pensamentos estão sendo sacudidas sob a luz de um tempo que requer síntese, visão universal, consciência no uso dos recursos que a natureza oferece.
         Aqueles que no íntimo se percebem prontos para colaborar com a nova vida que se anuncia mantenham-se atentos sobretudo para não se iludir com a atual desarmonia, característica das fases de transição. Busquem a síntese dos fatos da vida, interpretando-os a partir de uma ótica que integra mente e coração, desapegados de padrões antigos. Busquem dentro de si mesmos o núcleo que conhece a Verdade além das aparências. E, então, bem alicerçados nele, semeiem pelos campos deste mundo sua Luz e seu Amor.”

(TRIGUEIRINHO. Escritor, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 19 de outubro de 2014, caderno O.PINIÃO, página 24).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 6 de setembro de 2014, caderno PENSAR, página 3, de autoria de Inez Lemos, psicanalista, e que merece igualmente integral transcrição:

“Diferenças

ACIRRADAS
        O preconceito em relação ao pobre, gordo, feio, idoso, negro, homossexual, deficiente físico e à mulher, entre tantas outras formas de discriminação, merece debate. A exclusão é um traço da estrutura histórica que permeia as sociedades que cresceram sob a égide da acumulação de capital. Em diferentes períodos do processo histórico, a moralidade e os códigos éticos funcionaram em nome de uma razão, de uma lógica construída em nome de interesses ocultos. A maioria dos discursos morais esconde aspectos extremamente imorais. Contudo, a nossa era revive ondas de preconceito e intolerância assustadoras.
         Muitos são os exemplos que apontam para o recrudescimento da violência, exemplos de intolerância que hoje se manifestam nas redes sociais. Interessa investigar a tendência em detonar as pessoas. Que ódio é esse? A intolerância que assusta é a do campo pessoal, é um ódio ao indivíduo. Qualquer atitude é uma justificativa para se jogar sobre o outro a insatisfação e a frustração. Em tempo de eleições, o debate é permeado por várias formas de preconceito. Partidos se digladiando nas redes sociais, onde o ódio é destilado numa demonstração de que, quando se trata de interesses políticos envolvidos, avançamos pouco.
         Os códigos morais são inventados pelos homens, embora fundamentalistas de várias religiões se esforcem em afirmar que o discurso da intolerância resulta em decretos divinos. Hoje, o cenário político no Brasil é disputado entre pastores – muitos são os candidatos da igrejas evangélicas . Nos anos 1960 a 1980, uma parte do debate político, na Igreja Católica, contava com a presença das Comunidades Eclesiais de Base, que, incentivadas pelo teologia da libertação, lutavam pela promoção da inclusão. Hoje, predomina uma guerra suja com a presença de pastores homofóbicos e retrógrados. O pensamento obscurantista, em nome da moral e da manutenção da família, tenta se estabelecer de forma truculenta. Trata-se de regras elaboradas em torno de interesses de um grupo que discursa em nome de Deus.
         Defender uma religião ou um partido. Como diferenciar o certo do errado? Valores, interesses, posturas, crenças. Importa desvendar o que subjaz ao discurso da intolerância, ao acirramento do preconceito. Quais são as pressões, ambições e motivações que levam à defesa de um partido ou de uma crença? Geralmente, o debate sem manipulações e jogos perversos é o melhor caminho. Contudo, num país comandado, quase sempre por um jornalismo comprometido, uma mídia tendenciosa e pouco transparente, torna-se impossível. O método da persuasão funciona quando a maioria dos cidadãos não cultiva o hábito da leitura, não pesquisa e não gosta de raciocinar a respeito de temas que envolvem a vida do cidadão. Toda eleição requer reflexão sobre propostas que atendam melhor aos interesses da maioria. Com a presença maciça da tecnologia, da internet e da televisão, as escolhas precisam ser elaboradas, debatidas, analisadas.

CERTO E ERRADO Qual a participação da mídia, das famílias e das escolas ao investigar o rancor que tem pautado as relações humanas? Como debater propostas, condutas e formas de convivência, respeitando o diferente? Historicamente, as circunstâncias econômicas são as que mais influenciaram o discurso político e social. Conceitos de certo e errado variam conforme os interesses de cada época, eles não são naturais ou intuitivos, mas implantados por meio de pressões – via mídia, partidos ou religiões. Destaco o rancor, a violência simbólica contra determinadas classes sociais. Agressão aos médicos cubanos, a moradores de rua, mendigos, jogadores de futebol negros. Comentários preconceituosos contra cidadãos de baixa renda, que, devido a uma pequena ascensão social, hoje frequentam ambientes antes exclusivos de uma elite bem nascida e bem-empregada. Vivenciamos uma crescente onda de violência social contra determinadas etnias e classes econômicas.
         Exemplos recentes de preconceito contra negros, nordestinos e homossexuais colocaram  em xeque o mito do brasileiro cordial elaborado pelo historiador Sergio Buarque de Holanda, como também a falácia de uma democracia racial. Para o antropólogo Roberto DaMatta, o preconceito sempre existiu. Agora ele apenas está mais acirrado pelo fato de as “classes subalternas” estarem se movimentando. Nunca fomos uma sociedade miscigenada e harmoniosa. Enquanto o morro estava sob controle, cumprindo a função de reserva de mão de obra barata, as diferenças não incomodavam. A desigualdade operava como sustentação da estrutura social que beneficiava as classes economicamente dominantes.
         A manifestação da violência na esfera pública desvela a face de um país ressentido e rancoroso diante das perdas, lugar de privilégios. Os programas de transferência de renda e de cotas para negros, indígenas e alunos de escolas públicas promoveram a redução da desigualdade social, causando desconforto às classes abastadas. Na verdade, o brasileiro sempre cultivou o gosto pela hierarquia social, o que coloca a igualdade de direitos na ordem do insuportável. A desigualdade, em nossa cultura, sempre foi vista como natural, e a forma injusta e violenta com que as classes dominantes  tratavam os pobres, um direito. Aos filhos das domésticas e ao porteiro restava um lugar social já definido, enquanto aos filhos de médicos, herdeiros de uma posição social privilegiada, eram reservados os melhores cargos no mercado de trabalho.
         Para os fragilizados pela estrutura social injusta, a esperança de mobilidade social era vista como uma loteria, poucos conquistavam reconhecimento e boas condições de trabalho. O ódio de deve, muitas vezes, às mudanças operadas por programas de distribuição de renda que rompem com o gueto social a que o país estava condenado. Havia uma situação confortável, a concorrência desleal garantia, em terra, o paraíso sonhado. Mais vagas nos vestibulares e nos empregos. Em casa, boas empregadas por baixos salários. Com o aumento do poder aquisitivo dos trabalhadores de baixa renda, uma nova estruturação social surge, o que não é bem visto pelos conservadores – revoltados com a perda do lugar de distinção social. Com isso, a inclusão social como fator de luta é hoje uma realidade na agenda do brasileiro.
         Como não aplaudir os avanços sociais que nos aproximam do Primeiro Mundo? Contudo, o que temos é um movimento descabido, insano e inconsequente por parte de uma parcela da população. Muitos, numa postura obscurantista, destilam o ódio diante das mudanças que rompem a separação geográfica entre negros e brancos, ricos e pobres. Sem debates nas escolas ou outros fóruns de discussões, que possibilitam aprofundar as questões envolvidas, dificilmente iremos abandonar o reducionismo dicotômico – forma banal de analisar o momento histórico em que vivemos.
         Como reconhecer o outro que sempre esteve distante, o diferente, como igual? Como aceitá-lo como um concorrente em pé de igualdade? Enquanto o país vivia a segregação social, a ira estava contida. Na verdade, poucos reconhecem a importância de corrigir as injustiças sociais causadas pelas classes economicamente privilegiadas. Oliver Thomson, em A assustadora história da maldade, adverte: “A segunda maior área de ilusão cumulativa tem sido a justificativa da desigualdade econômica, resumida no dístico medieval ‘O rico em seu castelo/ O pobre no portão’. O que começa com uma ética que recompensa diferentes membros de uma sociedade em diferentes níveis, dependendo do valor de sua contribuição, em geral evolui para uma indefensável justificação de desigualdades permanentes”.

LÓGICA Muitas famílias, escolas e faculdades abandonaram o discurso da ética e da cidadania. Preferiram, de forma obsessiva, ocupar-se com a preparação para o mercado de trabalho. Trocaram a lógica dialética pela lógica formal, operacional. O debate de ideias não ocupa mais as agendas universitárias. Aderiram às pressões do mundo técnico. Com isso, a educação está abrindo mão do espaço de formadora de cidadãos, aquela que prepara para uma convivência saudável entre valores contraditórios e discordantes. A polêmica e o conflito são formas de expansão do pensamento. O caráter negativo de focarmos apenas as matérias técnicas é o distanciamento dos jovens em relação à essência humana.
         A maldade não brota do nada. O rancor expõe insegurança, infantilismo, inveja. Ele é lançado sobre o outro que nos incomoda, provoca. A fúria tenta impedir que desfrute da posição que conquistou. Mais que ódio, rancor é sentimento que se guarda e, ao ressurgir, volta a atacar. Educar implica ensinar a ganhar e a perder. O fracasso é parte da condição humana. No deserto, longe dos bons sentimentos, a moçada solta os leões exigindo privilégios historicamente petrificados.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade –, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

     b)    o combate implacável, sem eufemismos e sem tréguas, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, há séculos, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional – na perversa lógica do “dinheiro público versus interesses privados”), gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, indubitavelmente irreparáveis;

     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2014, segundo o Orçamento Geral da União, de astronômico e intolerável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 654 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional;assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa, justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que permita a partilha de suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...


O BRASIL TEM JEITO!...  

segunda-feira, 18 de julho de 2011

A CIDADANIA, A SAÚDE, A CIVILIDADE E A FELICIDADE

“Saúde do povo, descaso do Estado

O neoliberalismo deu um tiro de misericórdia no Estado de bem-estar social. Destruiu os vínculos societários nas relações de trabalho, deslegitimou a representação sindical, deslocou o público para o privado. O que era direito do cidadão, como a saúde, passou a depender das relações de mercado e da iniciativa pessoal do consumidor.

Quem não tem plano privado de saúde entra na planilha dos cemitérios. Hoje, 40 milhões de brasileiros desembolsam, todo mês, considerável quantia, convictos de que, doentes, serão atendidos com a mesma presteza e gentileza com que foram assediados pelos corretores das empresas de saúde privada.

Os clientes se multiplicam e os planos proliferam, sem que a rede hospitalar acompanhe essa progressão. O associado só descobre o caminho do purgatório na hora em que necessita de resposta do plano: laboratórios e hospitais repletos, filas demoradas, médicos escassos, atendentes extenuados.

Em geral, o pessoal de serviço, que contato imediato com os beneficiários, não demonstra a menor disposição para o melhor analgésico à primeira dor: gentileza, atenção, informação sem dissimulação ou meias palavras.

Ora, se faltam postos de saúde e hospitais; se consultórios têm salas de espera repletas como estação rodoviária em véspera de feriado; se na hora da precisão se descobre que o plano é bem mais curvo e acidentado do que se supunha... a quem recorrer? Entregar-se às mãos de Deus?

O Brasil é o país dos paradoxos. O que o governo faz com u’a mão, desfaz com a outra. O SUS banca 11 milhões de internações por ano. Muitas poderiam ser evitadas se o governo tivesse uma política de prevenção eficiente e, por exemplo, regulamentasse, como já faz com bebidas alcoólicas e cigarro, a publicidade de alimentos nocivos à saúde. A obesidade compromete a saúde de 48% da população.

Entre nossas crianças, 45% estão com sobrepeso, quando o índice de normalidade é não ultrapassar 2,3%. De cada cinco crianças obesas, quatro continuarão assim quando adultos. No entanto, as leis asseguram imunidade e impunidade a uma infinidade de guloseimas e bebidas, muitas anunciadas ao público infantil na TV e em outros veículos. Haja excesso de açúcares e gordura saturada.

A boa-fé nutricional insiste na importância de verduras e legumes. Mas a Anvisa (vigilância sanitária) não se empenha para livrar o Brasil do vergonhoso título de campeão mundial no uso de agrotóxicos. Substâncias químicas proibidas em outros países são encontradas em produtos vendidos no Brasil. Haja câncer, má-formação fetal, hidroencefalia etc!

Entre 2002 e 2008, os acidentes de moto se multiplicaram 7,5 vezes no Brasil. Na capital paulista, são 4 mortes por dia. No entanto, a fiscalização de veículos e condutores é precária e as vias públicas não são adaptadas ao tráfego de veículos de duas rodas.

Quem chega ao Brasil do exterior deve preencher e assinar um documento da Receita Federal declarando se traz ou não medicamentos. Em caso positivo, o produto e o passageiro são encaminhados à Anvisa. Ora, toneladas de veneno entram diariamente por nossos portos e aeroportos, e são vendidos em qualquer esquina: anabolizantes, energizantes, enquanto a TV veicula publicidade de refrigerantes com alto teor de cafeína e poder de corrosão óssea.

Embora todos saibam que saúde, alimentação e educação são prioritárias, o Ministério da Saúde dispõe de poucos recursos, apenas 3,6% do PIB, o que equivale, neste ano de 2011, a R$ 77 bilhões. Detalhe: em 1995 o governo FHC destinou, à saúde, R$ 91,6 bilhões. A Argentina, cuja população é cinco vezes inferior à do Brasil, destina anualmente duas vezes mais recursos que o nosso país.

Nossa saúde é prejudicada também pelo excesso de burocracia das agências reguladoras, a corrupção que grassa nos tentáculos do poder público (vide o prontuário da Funasa na sua relação com a saúde indígena), a falta de coordenação entre a União, os Estados e os municípios. Acrescem-se a mercantilização da medicina, a carência de médicos e sua má distribuição pelo país (o Rio tem 4 médicos por cada 1.000 habitantes: o Maranhão, 0,6).

Governo é que nem feijão, só funciona na panela de pressão. Se a sociedade civil não exigir melhorias na saúde, no atendimento do SUS, no controle dos planos privados e dos medicamentos (pelos quais se pagam preços abusivos), estaremos fadados a ser uma nação, não de cidadãos, e sim de pacientes – no duplo sentido do termo. E condenados à morte precoce por descaso do Estado.”
(FREI BETTO, é escritor, autor de Calendário do poder (Rocco), entre outros livros, em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 26 de maio de 2011, Caderno CULTURA, página 10).

Mais uma IMPORTANTE e OPORTUNA contribuição para o nosso trabalho de MOBILIZAÇÃO PARA A CIDADANIA E QUALIDADE vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição de 16 de julho de 2011, Caderno PENSAR, página 3, de autoria de INEZ LEMOS, que é psicanalista, e merece igualmente INTEGRAL transcrição:

“Civilidade e FELICIDADE

A obsessão do homem contemporâneo em consumir o torna escravo da tirania da felicidade. Isso impede o enfrentamento de questões como o fracasso e a necessidade de lidar com as frustrações

O dever de felicidade marca a nossa era e pauta o sentido de viver. Freud, em O mal-estar na civilização, nos lembra de que a felicidade é sempre uma aspiração, um desejo negociado entre os limites impostos pela cultura. Significa que, para viver bem, devemos aprender a renunciar às pulsões – domar os impulsos que insistem em nos comandar. Talvez aqui resida uma das questões-chave para atingir, senão a felicidade, pelo menos uma vida sintonizada com sonhos e convicções. Contudo, o que presenciamos, muitas vezes, é a desarmonia, desencontro entre o que gostaríamos de viver e o que vivemos. Lembramos que o compromisso do projeto civilizatório é com o progresso, não com a felicidade dos homens. Não faz parte do plano se ocupar com os aspectos subjetivos da humanidade.

Com a passagem do capitalismo de produção centrado no trabalho para o sistema de produção focado no consumo, é estratégico vender o ideal de felicidade como dever e obrigação. Logo, os mentores desse modelo de civilização perceberam que o caminho para o Éden deveria se tornar livre. Permitir e não coibir, eis a receita da promoção do gozo eterno. Assim, caso fraquejemos em nosso propósito de felicidade, toda a responsabilidade recai sobre nós. O furo está justamente na crença de que o caminho a percorrer é o estabelecido e propagado. Não é de bom tom expor infortúnios, assumir os fracassos. Demonstrar alegria se tornou sinônimo de polidez. A herança de Maio de 1968 culmina com a liberação para viver o desejo sem restrições. Na esteira do “é proibido proibir”, acabamos sob a tutela dos exploradores da libido – trocamos qualquer possibilidade de sofrimento pela tirania da felicidade. Esquecemos que o sofrimento salva a existência, como disse Simone Weil.

Aos insatisfeitos em relação à determinação maldita de felicidade, à sobrevida vegetativa a que estamos condenados, cabe desafiar a crença de que só há felicidade possível se seguirmos a humanidade consumista e moribunda. Como sair do que Henry Miller, num rompante agressivo contra a América, chamou de “o pesadelo refrigerado”? Ao nos submetermos à razão mercantil e corrosiva que destrói o sentido da vida, quando as coisas importantes não mais nos interessam e o que nos atrai são as coisas desimportantes, nos tornamos servos embriagados de falsa sedução. Escravos de mestres que nos querem assujeitados e fragilizados. Como testemunhou Raoul Vaneigem, um dos críticos de 1968: “Não queremos saber de um mundo em que a garantia de não morrer de fome deve ser trocada pela certeza de morrer de tédio”.

E agora, moçada, como resistir ao triunfo do consumismo se sabemos que ostentar objetos não é sinônimo de civilidade? Dirigimos carros importados e jogamos lixo na rua. Estacionamos em fila dupla – convictos de que esse é um direito, lançamos o olhar cínico da arrogância. Estimulamos a esperteza, adoramos nos sentir privilegiados e tratados com deferência. Detestemos a igualdade. Como conciliar grana com elegância, ética com poder?

O antropólogo Roberto DaMatta, em Fé em Deus e pé na tábua, ao analisar o comportamento competitivo do cidadão brasileiro, relaciona-o com as estruturas hierárquicas e concepções imobilistas – viés racista e aristocrático. “O cão do senador tem mais direitos que o do cidadão anônimo. Saber de quem é Rolex faz com que os policiais trabalhem com mais afinco e eventualmente o devolvam ao dono”, escreve ele. Não gostamos de obedecer às leis – a obediência nos coloca na posição de igualdade, enquanto a transgressão traz o gosto da superioridade, lugar diferenciado. Obediência à lei exprime subordinação social e revela confusão entre obedecer às pessoas e à lei. Geralmente, o cidadão de classe social elevada se sente humilhado quando coagido a se portar igual aos demais. Muitos se revoltam e agem com brutalidade. O uso da violência é visto como direito de muitos bacanões que dirigem alcoolizados e armados. O exercício da brutalidade nos remete ao passado escravista, que associava às posições de poder com o direito à agressão ao inferior. Para quem dirige um Porsche, pedestre não passa de Zé-ninguém.

Arrogância cínica é necessidade de se sentir superior e deflagra a superficial igualdade republicana – forte matriz aristocrática e hierárquica. “O carro é uma prova de que as pessoas existem concretamente no mundo como proprietários de personalidades, que, além de terem emoções e sentimentos abstratos, se afirmam material e indiscutivelmente nos objetos e por meio das coisas que possuem”, registra DaMatta. A democratização do consumo tem despertado ira entre as classes historicamente abastadas. Muitos se indignam com a ascensão social da classe C, que hoje circula motorizada, frequenta aeroportos, bons supermercados e universidades. Invade espaços anteriormente reservados aos bem nascidos. Se desigualdade social é incompatível com desenvolvimento, não deveríamos aplaudir tal acontecimento? Uma família com maior poder aquisitivo em mais chance de educar melhor os filhos. Desde que esta seja a prioridade: inserir a criança na civilização e nos bens culturais.

O Brasil nunca foi um país de leitores, o mercado editorial jamais esteve entre os mais rentáveis. Atualmente, seu crescimento realiza-se principalmente no gênero autoajuda. Cada vez mais, os letrados escasseiam. Lamentamos o crescimento econômico desvinculado do avanço cultural e educacional. Bombamos no bolso, mas não na cabeça. Contudo, o afã pelo consumo se tornou característica nacional e mundial. Os jornais noticiam: seja em Nova York ou em Paris, consumidores, debaixo da chuva, fazem fila para comprar o iPad 2, a nova versão do tablet.

Será que, quanto mais nos sofisticamos por fora, mais regredimos por dentro? É claro que essa equação não é direta e determinante. Mas, ao se tratar de cultura de massa, quando jovem (de periferia ou de Zona Sul) direciona a maior parte do salário para o consumo de bens supérfluos – gastos com telefonia celular, roupas, produtos de beleza –, ele registra nas escolhas sua posição. Muitos julgam absurdo gastar com livros e cursos, mas não se indignam em torrar dinheiro com grifes.

As vincularmos violência, empobrecimento intelectual e aumento de consumo, atribuímos à educação valor existencial e transcendental. Educar é estimular o interesse por maior densidade interior. A convivência excessiva com a matéria atravanca o mergulho nas entranhas – viagem pelos caminhos da interioridade. Outrora, a aquisição de um objeto era orientada pela necessidade. Os objetos apresentavam valor de uso. Hoje, são símbolos de poder e ostentação – ir às compras se tornou sinônimo de inteligência e entretenimento.

Sonhar com um objeto de consumo era tarefa árdua – que estratégia se deveria usar no convencimento dos pais? Mas se tornou comum os pais se renderem diante da primeira manifestação de desejo do filho por quinquilharias. Ao realizar o sonho rapidamente, a criança encerra o desejo e interrompe a viagem articulada à fantasia. O raciocínio perde o fio condutor, o elo entre desejo, pensamento e emoção. Quanto mais facilitarmos a vida das crianças, fazendo por elas e as impedindo do contato com o experimentar, menos elas entram em contato com a emoção, a inteligência e a criatividade. A erotização no saber se realiza quando o conhecimento nos chega vinculado a passagens subjetivas. Quando diz do sujeito e sua relação com o mundo. Sem Eros não teremos grandes pensadores.

Em Escritores criativos e devaneio, Freud aprofunda a discussão sobre a sublimação. Que destino daremos à renúncia pulsional? Como manter a posição desejante, uma vez que a civilização nos obriga a abrir mão de algumas satisfações? A arte é uma boa escolha na sustentação da pulsão, o que nos mantém vivos e estimulados. Contudo, podemos dar outros destinos à pulsão, traçar outros vínculos para os filhos, uma vez que a fonte do impulso criativo reside em alguma fantasia inconsciente. Buscamos, ao longo da vida, formas simbólicas que representem o objeto perdido – as experiências de satisfação que nos marcaram. Para que a criança entre em contato com a fantasia, ela requer um ambiente que propicie visitar alamedas subterrâneas.

“A relação entre a fantasia e o tempo é, em geral, muito importante (...) O trabalho mental se vincula a uma impressão atual, a alguma ocasião motivadora no presente capaz de despertar um dos desejos principais do sujeito”. Aqui, Freud nos ensina: na fantasia, o sonhador tenta reconquistar o que possuiu em sua infância feliz. A sublimação ajuda a suportar a dor e o vazio existencial. No devaneio, abandonamos a vida cáustica e ganhamos gratificação da incompletude. Tratar o caos interno com coisas belas é enlaçar, de forma erótica, o objeto de desejo – conferir alegria no fazer e no saber.”

Eis, portanto, mais páginas contendo RICAS, ORIENTADORAS e ADEQUADAS abordagens e REFLEXÕES que nos acenam para os GIGANTESCOS DESAFIOS que se nos colocam frente à TRAVESSIA para o mundo DESENVOLVIDO ... para a PRIORIDADE ABSOLUTA: A EDUCAÇÃO, que não pode ser outra senão de QUALIDADE e para TODOS...

Porém, NADA, absolutamente NADA, ABATE e ARREFECE o nosso ÂNIMO e o nosso ENTUSIASMO nesta grande CRUZADA NACIONAL,visando à construção de uma NAÇÃO verdadeiramente JUSTA, ÉTICA, EDUCADA, QUALIFICADA, LIVRE, DESENVOLVIDA e SOLIDÁRIA, que possa PARTILHAR suas EXTRAORDINÁRIAS RIQUEZAS, OPORTUNIDADES e POTENCIALIDADES com TODOS os BRASILEIROS e com TODAS as BRASILEIRAS, especialmente no horizonte de INVESTIMENTOS BILIONÁRIOS previstos para eventos como a CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDADES SOBRE DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVÁVEL E MUDANÇAS CLIMÁTICAS (RIO + 20) em 2012, a COPA DAS CONFEDERAÇÕES em 2013, a COPA DO MUNDO de 2014, a OLIMPÍADA DE 2016, as OBRAS do PAZ e os projetos do PRÉ-SAL, segundo as exigências do SÉCULO 21, da era da GLOBALIZAÇÃO, da INFORMAÇÃO, do CONHECIMENTO, das NOVAS TECNOLOGIAS, da SUSTENTABILIDADE e de um NOVO mundo, da PAZ e FRATERNIDADE UNIVERSAL...

Este é o nosso SONHO, o nosso AMOR, a nossa LUTA, a nossa FÉ e a nossa ESPERANÇA!...

O BRASIL TEM JEITO!...