segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

A CIDADANIA, OS CAMINHOS DA ECOLOGIA INTEGRAL E O CULTIVO DA MISERICÓRDIA

“Só uma ecologia integral dá conta 
dos atuais problemas do mundo
        Uma das afirmações básicas do novo paradigma científico e civilizatório é o reconhecimento da inter-retrorrelação de todos com todos, constituindo a grande rede terrenal e cósmica da realidade. Coerentemente, a Carta da Terra, um dos documentos fundamentais dessa visão das coisas, afirma: “Nossos desafios ambientais, econômicos, políticos, sociais e espirituais estão interligados, e, juntos, podemos forjar soluções includentes”. O papa Francisco, com sua encíclica sobre o cuidado da Casa Comum, se associa a essa leitura e sustenta que se imponha uma reflexão sobre a ecologia integral, pois só ela dá conta dos problemas da atual situação do mundo.
         O tempo urge e corre contra nós. Por isso, todos os saberes devem ser ecologizados, postos em relação entre si e orientados para o bem da comunidade de vida. Igualmente, todas as tradições espirituais e religiosas são convocadas a despertar a consciência da humanidade para a sua missão de ser a cuidadora dessa herança sagrada, recebida do universo e do Criador que é a Terra viva, a única Casa que temos para morar.
         O papa cita o comovente final da Carta da Terra, que resume bem a esperança que deposita em Deus e no empenho dos seres humanos: “Que nosso tempo seja lembrado pelo despertar de uma nova reverência face à vida, pelo compromisso firme de alcançar a sustentabilidade, pela intensificação da luta pela justiça e pela paz e pela alegre celebração da vida”.
         Outra notável contribuição nos vem do conhecido psicanalista Carl Gustav Jung (1875-1961), que, em sua psicologia analítica, deu grande importância à sensibilidade e submeteu a duras críticas o cientificismo moderno. Para ele, a psicologia não possuía fronteiras entre cosmos e vida, entre corpo e mente etc. A psicologia tinha a ver com a vida em sua totalidade, em suas dimensões racional e irracional.
         Sabia articular todos saberes disponíveis, descobrindo conexões ocultas que revelavam dimensões surpreendentes da realidade. Conhecido foi o diálogo que Jung manteve com um indígena da tribo Pueblo, nos Estados Unidos. Esse indígena achava que os brancos eram loucos. Jung lhe perguntou por que, ao que o indígena respondeu: “Eles dizem que pensam com a cabeça, nós pensamos aqui”, e apontou o coração. Esse fato transformou o pensamento de Jung, que entendeu que o homem moderno havia conquistado o mundo com a cabeça, mas havia perdido a capacidade de pensar e sentir com o coração e de viver por meio de sua alma.
         Logicamente, não se trata de abdicar da razão – o que seria uma perda para todos –, mas de recusar o estreitamento da capacidade de compreender. É preciso considerar o sensível e o cordial elementos centrais no ato de conhecimento. Eles permitem captar valores e sentidos presentes na profundidade do senso comum.
         Em suas memórias, Jung diz: “Há tantas coisas que me repletam: as plantas, os animais, as nuvens, o dia, a noite e o eterno presente nos homens. Quanto mais me sinto incerto sobre mim mesmo, mais cresce em mim o sentimento de meu parentesco com o todo”.
         O drama do homem atual é ter perdido a capacidade de viver um sentimento de pertença, coisa que as religiões sempre garantiam. O que se opõe à religião não é o ateísmo ou a negação da divindade, mas a incapacidade de ligar-se e religar-se com todas as coisas. Se não resgatarmos a razão sensível, uma dimensão essencial da alma, dificilmente nos moveremos para respeitar o valor intrínseco de cada ser, amar a Mãe Terra com todos os seus ecossistemas e viver a compaixão com os sofredores da natureza e da humanidade.”

(LEONARDO BOFF. Filósofo e teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 13 de novembro de 2015, caderno O.PINIÃO, página 18).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 11 de dezembro de 2015, caderno OPINIÃO, página 7, de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente integral transcrição:

“Cultivar a misericórdia
        Ao abrir a Porta Santa na Basílica de São Pedro, na terça-feira, o papa Francisco convoca todos a cultivar e a vivenciar a misericórdia. O gesto marca o início do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, que, em 13 de dezembro, será solenemente aberto nas dioceses do mundo inteiro, nas catedrais, santuários e lugares de significação especial. Acolher a convocação do papa exige disposição para matricular-se na escola de Cristo Jesus, aquele que vem ao encontro da humanidade e revela o rosto misericordioso de Deus Pai.
         Em Cristo, só n’Ele e por Ele, se aprende a lição da misericórdia. Esse aprendizado cria impulsos revolucionários e transformadores. Contemplando o mistério do amor de Deus revelado na paixão, morte e ressurreição de Cristo é que se compreende o significado da misericórdia. Jesus revela o rosto misericordioso de Deus Pai, que envia seu filho amado como oferta para a redenção da humanidade. A misericórdia se torna visível, viva e atinge seu ápice com Ele, o salvador do mundo. Com o Mestre, vem o forte convite: “Sede misericordiosos, como o vosso Pai é misericordioso” (Lc 6,36).
         Cultivar a misericórdia é assumir a convicção de que a humanidade precisa, urgentemente, de grande renovação espiritual. Isso é difícil e quase inconciliável com as lógicas hegemônicas da atualidade, que submetem as sociedades ao consumismo, às dinâmicas do lucro sem limites, às leis de um “bem-estar” egoísta e efêmero, raízes dos muitos problemas que ameaçam a vida. Na base dos colapsos contemporâneos está uma grave crise espiritual que causa o envenenamento e a morte de tudo o que é indispensável para o equilíbrio das relações humanitárias, sociais e políticas.
         Por isso, é urgente derrubar as muralhas que adoecem as instituições, inclusive as religiosas e confessionais. Cristalizações que matam a credibilidade e enfraquecem as contribuições necessárias para a construção de uma sociedade orientada por indispensáveis valores, particularmente os valores do evangelho. Compreende-se, assim, que a misericórdia, aprendida e vivida, é remédio que rejuvenesce uma humanidade cansada. Permite estabelecer novos ordenamentos sociais que priorizem, respeitem e promovam a dignidade humana.
         O papa Francisco convoca a Igreja Católica, todos os homens e mulheres de boa vontade, cada cidadão, a presidir a própria conduta a partir da lei fundamental que mora no coração de cada pessoa: a misericórdia,  muitas vezes soterrada em escombros de orgulhos, mesquinhez e ganâncias. Isso é possível quando se procura enxergar, com olhos sinceros, cada irmão. Uma lição capaz de promover transformações de grande alcance. Cabe o exercício simples e exigente de agir com misericórdia para tornar, cada um, sinal eficaz da presença misericordiosa de Deus Pai, revelada em Jesus Cristo, com seus gestos, palavras e a sua oferta.
         Cultivar a misericórdia é caminho para encontrar o tempo novo. Permite à humanidade superar a gravíssima crise espiritual e, assim, compreender que a solução de problemas não vem simplesmente das estatísticas, números, aumento sem limites da produção e do consumo. Também está longe da doentia luta pelo acúmulo egoísta de riquezas. É hora de aprender a lição do amor, para evitar que continuem a se multiplicar os desastres políticos, humanos e ecológicos. Cultivar a misericórdia requer coragem humilde de fazer mea-culpa, assumir as responsabilidades na constituição do cenário de violências, corrupção e indiferenças. A Igreja, pelo caminho deste ano santo, se compromete com a celebração de um jubileu que resulte em renovações. Isso significa corajosas novas posturas de abertura, ainda mais proximidade ao povo, audácia maior nas partilhas e nos comprometimentos com a justiça.
         Os diferentes grupos e segmentos da sociedade também são convidados a cultivar a misericórdia, a partir da celebração do ano santo que, para além da importância fecundante da ritualidade, pode desencadear efetivas transformações em muitos ambientes, desde presídios, incluindo instâncias educativas, culturais, a vida comum de homens e mulheres, formadores de opinião e construtores da sociedade pluralista, até os políticos, responsáveis por tantos descompassos. Eis agora a oportunidade para viver, com entusiasmo, a convocação feita pelo papa Francisco: cultivar a misericórdia.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:


     a)      a educação – universal e de qualidade –, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas (enfim, 125 anos depois, a República proclama o que esperamos seja verdadeiramente o início de uma revolução educacional, mobilizando de maneira incondicional todas as forças vivas do país, para a realização da nova pátria; a pátria da educação, da ética, da justiça, da civilidade, da democracia, da participação, da sustentabilidade...);

     b)      o combate implacável, sem eufemismos e sem tréguas, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero (segundo dados do Banco Central, a taxa de juros do cartão de crédito atingiu em novembro a também estratosférica marca de 378,76% para um período de doze meses; e mais, ainda em novembro, o IPCA acumulado nos últimos doze meses chegou a 10,48%...); II – a corrupção, há séculos, na mais perversa promiscuidade  –  “dinheiro público versus interesses privados” –, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem (a propósito, a lúcida observação do procurador chefe da força-tarefa da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol: “A Lava Jato ela trata hoje de um tumor, de um caso específico de corrupção, mas o problema é que o sistema é cancerígeno...” – e que vem mostrando também o seu caráter transnacional;  eis, portanto, que todos os valores que vão sendo apresentados aos borbotões, são apenas simbólicos, pois em nossos 515 anos já se formou um verdadeiro oceano de suborno, propina, fraudes, desvios, malversação, saque, rapina e dilapidação do nosso patrimônio... Então, a corrupção mata, e, assim, é crime...); III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, indubitavelmente irreparáveis (por exemplo, segundo Lucas Massari, no artigo ‘O Desperdício na Logística Brasileira’, a “... Desconfiança das empresas e das famílias é grande. Todos os anos, cerca de R$ 1 trilhão, é desperdiçado no Brasil. Quase nada está imune à perda. Uma lista sem fim de problemas tem levado esses recursos e muito mais. De cada R$ 100 produzidos, quase R$ 25 somem em meio à ineficiência do Estado e do setor privado, a falhas de logística e de infraestrutura, ao excesso de burocracia, ao descaso, à corrupção e à falta de planejamento...”;

     c)       a dívida pública brasileira - (interna e externa; federal, estadual, distrital e municipal) –, com projeção para 2015, apenas segundo a proposta do Orçamento Geral da União, de exorbitante e insuportável desembolso de cerca de R$ 1,356 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (ao menos com esta rubrica, previsão de R$ 868 bilhões), a exigir alguns fundamentos da sabedoria grega:
- pagar, sim, até o último centavo;
- rigorosamente, não pagar com o pão do povo;
- realizar uma IMEDIATA, abrangente, qualificada, independente e eficaz auditoria... (ver também www.auditoriacidada.org.br)
(e ainda a propósito, no artigo Melancolia, Vinicius Torres Freire, diz: “... Não será possível conter a presente degradação econômica sem pelo menos, mínimo do mínimo, controle da ruína das contas do governo: o aumento sem limite da dívida pública...”);

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade – “fazer mais e melhor, com menos” –, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo e nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa, justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática e desenvolvida, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a   Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do Pré-Sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!

“VI, OUVI E VIVI: O BRASIL TEM JEITO!”  

 
        

      

     

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