segunda-feira, 1 de abril de 2013

A CIDADANIA, A EDUCAÇÃO, A MÍSTICA, A ÉTICA E A ECOSOFIA (46/14)


(Abril = Mês 46; Faltam 14 meses para a Copa do Mundo)

“Enem ‘trousse’ polêmica

A recente divulgação da nota mil nas redações do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2012 com erros graves de ortografia, como as palavras ‘rasoavel’, ‘enchergar’ e ‘trousse’, chocou a comunidade acadêmica e a população. O Ministério da Educação (MEC) informou que a ‘análise do texto é feita como um todo e que eventuais erros de grafia não significam que o aluno não domine os padrões da língua’. Com relação à ‘norma padrão da língua’, a matriz do exame exige que o participante de demonstre ‘excelente domínio’, sem ou com ‘pouquíssimos’ desvios gramaticais ‘leves e de convenções da escrita’. Como entender nota máxima com erros previsíveis e aceitos?
A nota mil teria que ter excelência na redação do texto, demonstrando também excelente conhecimento gramatical. Caso contrário, há o risco de a excelência virar ‘eiscelência’. Pesquisa de 2012 do Indicador de Analfabetismo Funcional do Instituto Paulo Montenegro, mostra que 38% das pessoas que têm ou estão cursando curso de graduação não têm alfabetização plena e apresentam dificuldade com leitura, escrita e interpretação de textos, além de cálculos mais longos. Com esse conceito de nota mil, como se formarão os nossos futuros bacharéis? Essa concessão com certeza contribui para aumentar esse inaceitável analfabetismo funcional constatado até no ensino superior brasileiro.
Segundo o recente Relatório de Desenvolvimento Humano de 2013 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o Brasil precisa melhorar muito na educação. Na média de anos de escolaridade, o Brasil está abaixo do Paraguai e demais países da América Latina. Por outro lado, enquanto o Brasil tem 90,3% de adultos alfabetizados e 49,5% com ensino médio ou mais, o Chile tem 98,6% de alfabetizados e 74% de ensino médio ou mais. Na evasão escolar do ensino fundamental, os nossos dados são assustadores. Enquanto na Colômbia apenas 1,5% dos alunos abandonam a escola e, no Chile, apenas 2,6%, no Brasil, 24,3% deles deixam a escola. Por que tanta evasão?
O aumento de investimento em educação nos últimos anos, o programa de bolsa de estudos do Brasil e campanhas de alfabetização foram vistos positivamente. Mas é fundamental que o Brasil invista mais na qualidade da educação básica com bons e atraentes programas de ensino para reter os alunos nas escolas e qualificar e valorizar mais o educador brasileiro. Estimular competência e compromisso. O piso salarial dos professores de educação básica é hoje R$ 1.567 um valor muito aquém da maioria das categorias e mesmo assim, os governos do Rio Grande do Sul, do Ceará, de Mato Grosso e de Santa Catarina recorreram ao Supremo Tribunal Federal para dar mais tempo aos estados para o cumprimento da lei, de 2008. Felizmente, os embargos foram negados.
É importante que o Ministério do Planejamento reveja a política salarial vigente e que os profissionais sejam valorizados pelo grau de instrução ou titulação de forma mais democrática e justa. De modo geral isso não ocorre. Um professor universitário com mestrado ou doutorado pode ganhar menos do que um profissional apenas bacharel. Por que esse bacharel é mais valorizado na atual escala salarial do governo? Com certeza, essa equiparação por titularidade estimularia a excelência nos conhecimentos e na produtividade.
O relatório sobre o desenvolvimento humano do Pnud classifica o Brasil na 85ª posição entre 187 países avaliados. Posição apenas mediana. O índice é usado como referência da qualidade de vida e desenvolvimento. A América Latina é a região que mais cresceu no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) desde o início do século, incluindo milhões de pessoas numa nova classe média. Porém, é a mais desigual do planeta. Os melhores índices são da Noruega, da Austrália e dos EUA e os piores são de Moçambique, Níger e República Democrática do Congo.
O Brasil recebeu alguns elogios: redução da desigualdade social, criação de programa de redução da pobreza, extensão da educação e o aumento do salário mínimo. O modernizado programa Bolsa-escola alcançou mais de 97% da população-alvo. Houve redução da pobreza e o empoderamento das mulheres, já que elas têm prioridade no recebimento dos cartões magnéticos para a retirada do benefício. Mas a verdade é que o Brasil precisa melhorar muito os índices especialmente na educação: uma educação de qualidade para todos.”
(VIVINA DO C. RIOS BALBINO. Psicóloga, mestre em educação, professora da Universidade Federal do Ceará e autora do livro Psicologia e psicologia escolar no Brasil, em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 25 de março de 2013, caderno OPINIÃO, página 9).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição de 27 de março de 2013, caderno OPINIÃO, página 7, de autoria de FREI BETTO, que é escritor, autor do romance Aldeia do silêncio, que a Editora Rocco faz chegar às livrarias neste mês, e que merece igualmente integral transcrição:

“Mística, ética e ecosofia
        
         Há estreito vínculo entre religião e ecologia. Os calendários litúrgicos refletem os ciclos da natureza. Toda religião expressa o contexto ambiental que lhe deu origem.
         Os hebreus e, em geral, os povos semitas, viviam em regiões inóspitas, desérticas, o que os levou a desenvolver o senso do sagrado centrado na transcendência. Onde a natureza é exuberante, como nos trópicos, se acentuou a imanência do sagrado. Todo o entorno geográfico e climático influi na relação religiosa que se tem com a natureza.
         O cristianismo teve sua origem em áreas urbanas. Via a natureza a distância, como algo estranho e adverso. A palavra pagão, que englobava todos os cristãos, significa etimologicamente habitante do campo.
         Todas as tradições religiosas indígenas mantém estreito vínculo com a natureza. São teocósmicas, o divino se manifesta no cosmo e em seus componentes, como a montanha (Pachamama). Hinduísmo e taoísmo cultuam a natureza. Já o confuncionismo e o budismo são tradições mais antropocêntricas, voltadas à consciência e às virtudes humanas.
         O islamismo mantém uma relação singular com a natureza. É uma religião semítica, cultua a transcendência de Alá, mas conserva, como o judaísmo, estreito vínculo com o entorno ambiental, o que se reflete na distinção entre alimentos puros e impuros, jejum, cuidado com a higiene pessoal etc.
         As religiões aborígenes  (ab-origem = que estão na origem de todas as outras) não separam o humano da natureza. Há um forte sentido de equilíbrio e reciprocidade entre o ser humano e a Terra. O que dela se tira a ele deve ser devolvido.
         Entre as grandes tradições religiosas é o hinduísmo que melhor cultiva essa harmonia. Toda a Índia respira veneração sagrada por rios, animais, árvores e montanhas. A veneração pelas vacas reflete esse senso de equilíbrio, pois se trata de um animal do qual se obtém muitos produtos, do leite e seus derivados ao esterco como fertilizante, e isso é mais importante do que comê-las.
         Três grandes desafios, segundo o místico catalão Javier Melloni, estão inter-relacionados: a interioridade, a solidariedade e a sobriedade. A interioridade nos impele à via mística; a solidariedade à ética; e a sobriedade à preservação ambiental.
         Nossa civilização estará condenada à barbárie se as pessoas perderem a capacidade de interiorização, de fazer silêncio, de meditar, de modo a saber escutar as necessidades do próximo (solidariedade) e o grito agônico da Terra (sobriedade).
         Urge submeter a ecologia à ecosofia, a sabedoria da Terra, na expressão de Raimon Panikkar. Não se trata de impor a razão humana sobre a natureza (eco-logos), mas sim de dar ouvidos à sabedoria da Terra, captar o que ela tem a nos dizer com seus ciclos, sua mudanças climáticas e até com suas catástrofes.
         Embora haja avanços em nosso comportamento, graças ao crescimento da consciência ecológica (reciclagem, uso da água, produtos ecologicamente corretos etc.), ainda estamos atrelados a um modelo civilizatório altamente nocivo à saúde de Gaia e dos seres humanos.
         Continuamos a consumir combustíveis escassos e poluentes e, na contramão de todo o movimento ecológico, submergimos à onde consumista que produz, a cada dia, perdas significativas da biodiversidade e toneladas de lixo derivado do nosso luxo.
         Três grandes mentiras precisam ser eliminadas de nossa cultura para que o futuro seja ecologicamente viável e economicamente sustentável: 1) Os recursos da Terra não são suficientes para todos; 2) Devo assegurar os meus recursos, ainda que outros careçam deles; 3) O sistema econômico que predomina no mundo, centrado na lógica do mercado, e o atual modelo civilizatório, de acumulação de bens, são imutáveis.
         Nosso planeta produz hoje alimentos suficientes para 12 bilhões de pessoas, e é habitado por 7 bilhões. Portanto, não há excesso de bocas, há falta de justiça.
         Não haverá futuro digno para a humanidade sem uma economia de partilha e um ética da solidariedade.
         Durante milênios povos indígenas e tribos desenvolveram formas de convivência baseada na sustentabilidade, na harmonia com a natureza e com os semelhantes. Como considerar ideal um modelo civilizatório que, dos 7 bilhões de habitantes do planeta, condena 4 bilhões a viverem na pobreza ou em função de suas necessidades animais, como se alimentar, abrigar-se das intempéries e educar suas crias?”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, sérias e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:
     
     a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;
     
     b)    o combate, severo e sem tréguas, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de variada ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis (a propósito, “...Nosso planeta produz hoje alimentos suficientes para 12 bilhões de pessoas, e é habitado por 7 bilhões. ...);
     
     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e intolerável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tanta sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e de modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, portos, aeroportos); a educação; saúde; saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; segurança alimentar e nutricional; assistência social; previdência social; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; sistema financeiro nacional; esporte, cultura e lazer; turismo; logística; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade), entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que permita a partilha de suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a 27ª Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro em julho; a Copa das Confederações em junho; a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das empresas, da informação,  do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...

O BRASIL TEM JEITO!...