segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

A CIDADANIA, AS DINÂMICAS SOMBRIAS DA POLÍTICA E OS DESAFIOS DO JORNALISMO DE QUALIDADE

“Barafunda brasileira
        
         Faustão é mestre em lembrar expressões populares que padeceram com o tempo. Arrastão já foi trabalho de pescadores e, hoje, é assalto coletivo em grandes concentrações urbanas. Quem ainda diz “mandar brasa”, “sujeito pau”, “aquele broto” ou “mocorongo”?
         Deonísio da Silva, mestre em nosso idioma, escreveu o imprescindível De onde vêm as palavras (Mandarim), desnudando-as em suas etimologias, significados e empregos. Palavras, como tudo, se gastam com o tempo. Perdem o brilho, o significado e, portanto, o uso. É o caso de direita e esquerda. No tempo da bipolaridade mundial entre capitalismo e socialismo, elas demarcavam terrenos nítidos. Hoje, o que é ser de direita ou de esquerda?
         No Brasil, a esquerda está no poder? Suponhamos que sim. Mas quem são os líderes de sua base aliada? Todos conhecemos sobejamente: Sarney, Collor, Renan Calheiros, Jáder Barbalho, Maluf, Romero Jucá, Kátia Abreu. Como um governo de um partido de trabalhadores pode se dar tão bem com o patronato brasileiro e manter relações tensas com movimentos sociais, como indígenas e sem-terra?
         Fora o PSDB e alguns pequenos partidos, todos os setores conservadores da sociedade brasileira apoiam o governo, incluindo empreiteiras, bancos e mineradoras, principais fontes de financiamento de campanhas eleitorais. Espero que a reforma política – quando houver – impeça candidatos de receberem grana de pessoas jurídicas, e as doações de pessoas físicas fiquem limitadas ao teto de um salário mínimo.
         Agora estão presos companheiros meus na luta contra a ditadura, como Dirceu e Genoino. Todos foram condenados por juízes nomeados, em sua maioria, pelo governo petista. Considero ilegal, injusta e despropositada a maneira como foram detidos na data da Proclamação da República. Fazer espetáculo com a dor alheia é tripudiar sobre a dignidade humana.
         Aliados do governo acusam a grande mídia de conivência com a espetacularização do julgamento. Por que então o Planalto não dá andamento aos projetos de regulamentação e democratização da mídia? Por que não impede a formação de oligopólios? Por que a publicidade financiada pelo governo federal privilegia exatamente veículos de oposição ao planalto?
         Em 10 anos de governo petista, o Brasil melhorou muito, graças ao aumento real do salário mínimo, à redução do desemprego, à política externa independente, à solidariedade aos governos progressistas da América Latina e aos programas sociais – embora eu lamente que o Fome Zero, emancipatório, tenha sido trocado pelo Bolsa-Família, compensatório.
         Amigos “de esquerda” se queixam que os aeroportos estão demasiadamente cheios de famílias de baixa renda. No Nordeste, o jegue foi trocado pela moto. E as multinacionais automotivas continuam a entupir nossas ruas de carros, sem que haja investimento em transporte público.
         É o efeito tostines: no Brasil, os produtos são caros porque dependem do sistema rodoviário? Ou os produtos são caros porque os caminhões são abastecidos com petróleo? Temos 8 mil quilômetros de litoral, rios caudalosos navegáveis, e quase nenhuma navegação comercial. E quando se fala em ferrovia se pensa no trem-bala, capaz de transportar a elite no circuito Campinas-São Paulo e não em trilhos que cortem o país de ponta a ponta, facilitando o escoamento barato de nossa produção.
         Sim, o atual governo é muito diferente do governo FHC. E muito semelhante. Prometeu investigar as privatizações – “herança maldita” – do governo anterior e ficou o dito pelo não dito. E adotou o mesmo procedimento: privatização do Campo de Libra, que abriga petróleo, um produto estratégico; e de rodovias, portos e aeroportos, sem prestar atenção na queda do lucro da Vale após ser privatizada e do valor das ações da Petrobras depois que 60% delas passaram às mãos do capital privado e na falência da Vasp. E não houve nenhuma iniciativa de reestatização, como fez Evo Morales na Bolívia.
         Segundo o Ipea, órgão federal, a desigualdade social entre os mais ricos e os mais pobres no Brasil é de 175 vezes! Por que não são tomadas medidas estruturais para reduzi-la? Em 10 anos de governo petista, houve apenas uma reforma estrutural no Brasil, a da Previdência do funcionalismo público, que favorece o capital privado. Enquanto o orçamento da República destinar 40% do nosso dinheiro para pagar juros, amortização e rolagem da dívida pública, e menos de 8% para a saúde e a educação, o Brasil continuará sonhando em ser o país do futuro."

(FREI BETTO. Escritor, autor do livro O que a vida me ensinou (Saraiva), entre outros livros, em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 27 de novembro de 2013, caderno OPINIÃO, página 9).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição de 5 de outubro de 2013, caderno PENSAR, página 2, de autoria de JOÃO PAULO, que é editor de Cultura, e que merece igualmente integral transcrição:

“Imprensa de efeito moral
        
         Falar da imprensa é sempre um campo minado. As críticas caminham na lâmina de uma adaga: de um lado a acusação paranoica do golpismo; de outro o risco permanente da censura. O que deveria ser um alerta para a inteligência acaba se tornando, no entanto, a impossibilidade do debate. Para alguns, não há saída com o modelo de jornalismo vigente; para outros, sem ele nada vale a pena quando se preza a democracia. Mesmo assim, o mal-estar parece permear o cenário. Os leitores já não confiam tanto nos jornais. Mas seguem precisando, cada vez mais, de informação de qualidade para tomas suas decisões.
         É por isso que é necessário sempre manter o acicate da desconfiança em funcionamento. O bom jornalismo, que é uma criação da sociedade, não dos meios de comunicação, continua sendo uma das garantias de liberdade e crítica na sociedades contemporâneas. E é em nome dele que é preciso entender tantos os limites do modelo tradicional – que parece mergulhar num crise econômica e de valores – quanto a transformação surgida em razão das novas tecnologias e da multiplicação dos polos de enunciação do discurso social. Há uma questão devida à aceleração da técnica que se tornou metáfora social: não precisamos esperar o jornal do dia seguinte para começar a viver.
         Alguns fatos recentes e seu tratamento pelos meios de comunicação acendem a luz de alerta. A tendência à espetacularizaçao do mundo, que Guy Debord dissecou em seu A sociedade do espetáculo, transforma tudo em imagens. Não se trata apenas de uma forma de simplificação do mundo, mas está em marcha uma operação nitidamente interessada: a criação dos padrões que valorizam mais a representação do que a vida. O livro, de 1967, parece um espelho de nossos dias. Para Debord, assim como na economia há a tendência à acumulação de capital, na vida social se observa uma inclinação à acumulação de imagens. A realidade, despida de sua substância e concretude, se torna uma coleção de imagens. A onipresença dos meios de comunicação, guiados por essa lógica, substitui a realidade pela representação. Vivemos num mundo de sombras animadas.
         O que isso significa na prática é um desvio epistemológico, ou, em outras palavras, um esvaziamento do campo do saber em proveito da ideologia. Os jornais em vez de noticiarem a realidade se esforçam para manter a dinâmica do espetáculo, o que atende mais à sensibilidade do que à razão. Num contexto com tal padrão de funcionamento, a verdade é barganhada pelo simulacro. Em tal realidade social, aparecer é o mais importante. O que o “jornalismo” de celebridades dita para o mundo social acaba se tornando padrão para todos os campos da informação, da política à economia, passando pela cultura e esporte. Em todos os campos, as notícias parecem prescindir da realidade, elas cumprem apenas sua dança em torno dos mesmos personagens e valores (quase sempre o dinheiro, o poder e a fama).

FALTA DE EDUCAÇÃO A forma como a imprensa vem cobrindo nos últimos meses as manifestações sociais é um bom exemplo dessa fábrica de simulacros. Mesmo com o grande investimento nas coberturas, com dezenas de repórteres e analistas e vários campos do saber, o que parece vingar é mais um efeito prévio de julgamento do que a capacidade de ir às raízes das situações. Ninguém se sente à vontade com o novo, que quase sempre é denegado, como a Mídia Ninja, por exemplo. A grande notícia foi o tumulto, não o que ele aponta. Assim como as forças repressivas possuem suas bombas de efeito moral, o jornalismo parece ter se armado de notícias de efeito moral, que fazem muito barulho e geram pouca inteligência.
         A recente greve dos professores do Rio de Janeiro (como ocorreu em outras greves do setor, inclusive em Minas) se torna muito mais um campo de confrontação de corpos do que de ideias. O jornalismo, em vez de caminhar em direção ao urgente tema da melhoria da educação, se basta em noticiar manifestações e suas consequências.  Como numa evidência de esquizofrenia política, a mesma imprensa que sempre foi aliada das causas da educação e ajudou a denunciar condições dramáticas do setor deixa de lado seu patrimônio de esclarecimento social e crítica para assumir uma postura de realismo estrito e evasivo das questões de fundo. A sociedade, caso se informasse apenas pelos meios de comunicação tradicionais, teria apenas que ser contra ou a favor da repressão policial ou das estratégias de ação dos grevistas.
         Mais que despolitizar, a cobertura espetacularizada torna as questões políticas em sucedâneos policiais. A mesma operação é visível em outros momentos de confronto social no Brasil e no mundo. Assim, ocupações rurais são vistas como ameaça à propriedade privada, e não como realização política da função social; a luta pelos direitos indígenas é tratada num misto de falsa condescendência (que infantiliza o debate) e decretação de atraso e afronta a interesses econômicos tradicionais; a crise do sistema de saúde é colocada na conta da universalização e dos propósitos mais generosos, e não da oposição do setor privado em defesa de seu negócio. Por outro lado, o desemprego nos países europeus, em vez de demonstrar a crise econômica, é a contraparte punitiva pela falta de radicalismo neoliberal: a culpa, mais uma vez, é das vítimas.

ÍNDIOS E LARANJAS Para cada um desses “espetáculos” há vilões, mocinhos e cenas de apelo emocional: destruição de pobres pés de laranja de multinacionais (que ocupam indevidamente terras públicas); médicos cubanos a disputar um mercado de profissionais brasileiros (que não se interessaram por ele nem por seus pacientes); populações indígenas  como defensoras de bagres e valores animistas. Voltando a Debord, é importante distinguir  de que forma essa vindicação da imagem como elemento de constituição social se realiza entre nós. Para ele, havia duas maneiras de criação do poder a partir do exercício da espetacularização. A primeira era a estratégia concentrada, típica das ditaduras. A segunda, que nos diz respeito, é difusa, e assume a defesa de um modo de vida que se espalha por todos os poros da sociedade, sem que pareça fluir de um núcleo. Nesse padrão de pensamento único, o liberalismo é o nec plus ultra das pessoas responsáveis.
         O pensador francês vai além: na plena vigência da sociedade do espetáculo, não é preciso sequer esconder a realidade e seus problemas mais candentes, apenas direcionar o discurso sobre a verdade para as demandas do sentimento. Assim, é possível mostrar que nosso padrão de consumo é inviável, que os salários dos professores são baixos, que a saúde pública está em crise, sem, contudo, atacar o coração do sistema. Os meios de comunicação estariam mais interessados em discutir números e dados, como se tudo não passasse de uma inevitabilidade civilizacional. Há certa convicção alienada nos rumos da história, que se compraz em indulgência política.
         Outro setor em que tal lógica opera na mesmo pasmaceira é a cobertura das campanhas políticas. Os candidatos já postos para a próxima eleição presidencial e para os governos de estado não precisam se manifestar em torno dos projetos para os diversos setores da administração  e das políticas públicas. As campanhas se tornaram território da desfaçatez: os jornalistas sabem que os candidatos não são o que apresentam em suas campanhas, mesmo assim analisam seus discursos e estratégias tendo como pano de fundo o resultado eleitoral. Jornalismo de resultados. Ou seja, se tornam peças das próprias estratégias de campanha, testando os balões de ensaio e variando, a cada dia, em torno do mesmo chorrilho de alianças, siglas e projetos pessoais. E, o pior, se acham espertos e bem informados.
         O jornalismo de efeito moral gosta de jogar gás de pimenta nos olhos do leitor, acreditando que a turvação da inteligência é permanente. O que ele começa a aprender é que o efeito passa e que há outras fontes de informação. A imprensa séria pode até perder público, mas não pode perder a relevância, sob o risco de deixar o mundo mais pobre.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de variada ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;

     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e insuportável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e abundantes riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...


O BRASIL TEM JEITO!...

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