“Pouco
pode ser muito
Penso na fisioterapia.
O paciente está com dores, dificuldade de se movimentar, incômodos musculares
ou na coluna vertebral. Posturas inadequadas ou aflições afins. O profissional
lhe ensina pequenos exercícios, curtos e localizados, gestos que aparentemente
nada têm a ver com seu padecer. Dia após dia você segue o roteiro que lhe foi
passado. Sem arroubos, sem espetáculo, quase em silêncio, o desconforto vai desaparecendo.
Isso é rotina nas clínicas de recuperação. Os pequenos atos fazem o milagre e,
de repente, não há mais nenhum sofrimento.
Penso
agora na fonoaudiologia. Há uma dificuldade de se expressar, a voz não segue a
vontade da mente. Ou é caso de gagueira, sons desafinados, uma série de
imperfeições no vocalizar que trazem angústia, timidez, insegurança. O convívio
com os semelhantes se torna quase insuportável.
Será
possível que resolverei meus problemas com esses gestuais ridículos? Falar com
uma rolha na boca me fará me expressar melhor?
E esses sons que me obrigam a emitir? Mais uma vez, pequenas repetições
diárias, cientificamente estudadas, transformam o aluno da primeira sessão em
uma pessoa relaxada, segura, capaz de falar em público e até cantar. Não é
milagre, é trabalho, fruto de muito estudo especializado. E não mais nos
esquecemos.
O que
vale para essas duas profissões cabe em muitos fatos de nossa vida. Tudo que
fazemos em nosso dia a dia, de carinho e afeto, de atenção para com quem é do
nosso convívio pessoal ou social se reverte em nosso favor. O simples geste
vale mais que uma grande bajulação. Um bom-dia, boa-tarde, obrigado, um sorriso
abrem as portas do mundo para nós. Não custa nada e nos faz melhores.
Isso
serve também para a política. Um prefeito que olha com atenção paras as
pequenas necessidades de sua cidade, seja cuidar da limpeza das ruas, da boa
pavimentação e das necessidades primeiras
dos cidadãos, pode ser exemplo.
Uma
cidade com água e esgotos encanados e tratados tem mais valor que estátuas na
praça principal ou discurso de autolouvor. Os governantes estaduais e federais,
quando realmente preocupados com o bem de todos, poderiam espalhar essas miúdas
ações essenciais para todo o universo por eles comandado. Nesse capítulo estão
certamente as escolas e os professores, os hospitais e os médicos.
Infelizmente,
o que se vê são grandes promessas, bombásticos discursos escritos por
marqueteiros e resultado quase nenhum. Pois a propaganda do que se teria feito
e do que se anuncia que fará, mas nunca se realiza, é mais importante, pois
significa conservar o poder que os apodrece.
Sei
que o povo sofre com isso e lamento. E tenho nojo e desprezo por essa gente que
se diz mas não é republicana.”
(FERNANDO
BRANT, em artigo publicado no jornal ESTADO
DE MINAS, edição de 11 de dezembro de 2013, caderno CULTURA, página 8).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição,
caderno OPINIÃO, página 11, de
autoria de FREI BETTO, que é
escritor, autor do romance Minas do ouro (Rocco),
entre outros livros, e que merece igualmente integral transcrição:
“Francisco
e o capitalismo
O papa Francisco acaba
de divulgar o documento Alegria do Evangelho, no qual deixa claro a que veio.
Sua voz profética incomodou a CNN, poderosa rede de comunicação dos EUA, que
lhe concedeu a Medalha de Papelão, destinada àqueles que, em matéria de economia,
falam bobagens.
Quais
as “bobagens” proferidas pelo papa Francisco? Julgue o leitor: “Hoje devemos
dizer não a uma economia da exclusão e da desigualdade social. Essa economia
mata. Não é possível que a morte por enregelamento de um idoso sem abrigo não
seja notícia, enquanto o é a descida de dois pontos na bolsa. Isso é exclusão.
Não se pode tolerar mais o fato de se lançar comida no lixo, quando há pessoas
que passam fome. Isso é desigualdade social.”
“Hoje,
tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, em que o poderoso
engole o mais fraco. Em consequência dessa situação, grandes massas da
população veem-se excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem perspectivas,
num beco sem saída. O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de
consumo que se pode usar e, depois, lançar fora. Assim teve início a cultura do
‘descartável’, que, aliás, chega a ser promovida. Já não se trata simplesmente
de fenômeno de exploração e opressão, mas de uma realidade nova: com a
exclusão, fere-se, na própria raiz, a pertença à sociedade onde se vive, pois
quem vive nas favelas, na periferia ou sem poder já não estão nela, mas fora.
Os excluídos não são explorados, mas resíduos, sobras.”
Em
seguida, Francisco condena a lógica de que o livre mercado consegue, por si
mesmo, promover inclusão social: “Essa opinião, que nunca foi confirmada pelos
fatos, exprime uma confiança vaga e ingênua na bondade daqueles que detêm o
poder econômico e nos mecanismos sacralizados do sistema econômico reinante.
Entretanto, os excluídos continuam a esperar.”
“Para
se poder apoiar um estilo de vida que exclui os outros ou mesmo entusiasmar-se
com esse ideal egoísta, desenvolveu-se uma globalização da indiferença. Quase
sem nos dar conta, tornamo-nos incapazes de nos compadecer ao ouvir os clamores
alheios, já não choramos à vista do drama dos outros, nem nos interessamos por
cuidar deles, como se tudo fosse uma responsabilidade de outrem, que não nos
incumbe. A cultura do bem-estar anestesia-nos, a ponto de perdermos a serenidade
se o mercado oferece algo que ainda não compramos, enquanto todas essas vidas
ceifadas por falta de possibilidades nos parecem um mero espetáculo que não nos
incomoda de forma alguma.”
O papa
enfatiza que os interesses do capital não podem estar acima dos direitos
humanos: “Uma das causas dessa situação está na relação estabelecida com o
dinheiro, porque aceitamos pacificamente o seu domínio sobre nós e as nossas
sociedades. A crise financeira que atravessamos faz-nos esquecer que, na sua
origem, há uma crise antropológica profunda: a negação da primazia do ser
humano. Criamos novos ídolos. A adoração do antigo bezerro de ouro (cf. Êxodo 32, 1-35) encontrou uma nova e
cruel versão no fetichismo do dinheiro e na ditadura de uma economia sem rosto
e sem um objetivo verdadeiramente humano. A crise mundial, que envolve as
finanças e a economia, põe a descoberto os próprios desequilíbrios e,
sobretudo, a grave carência de uma orientação antropológica que reduz o ser
humano a apenas uma das suas necessidades: o consumo.”
Sem
citar o capitalismo, Francisco defende o papel do Estado como provedor social e
condena a autonomia absoluta do livre mercado: “Enquanto os lucros de poucos
crescem exponencialmente, os da maioria situam-se cada vez mais longe do
bem-estar daquela minoria feliz. Tal desequilíbrio provém de ideologias que
defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira. Por
isso, negam o direito de controle dos Estados, encarregados de velar pela
tutela do bem-comum.”
“Instaura-se
uma nova tirania invisível, às vezes virtual, que impõe, de forma unilateral e
implacável, as suas leis e as suas regras. Além disso, a dívida e os
respectivos juros afastam os países das possibilidades viáveis da sua economia,
e os cidadãos do seu real poder de compra. A tudo isso vem juntar-se uma
corrupção ramificada e uma evasão fiscal egoísta, que assumiram dimensões
mundiais. A ambição do poder e do ter não conhece limites. Nesse sistema que
tende a deteriorar tudo para aumentar os benefícios, qualquer realidade que
seja frágil, como o meio ambiente, fica indefesa face aos interesses do mercado
divinizado, transformados em regra absoluta.”
Enfim,
um profeta que põe o dedo na ferida, pois ninguém ignora que o capitalismo
fracassou para dois terços da humanidade: os 4 bilhões que, segundo a ONU,
vivem abaixo da linha pobreza.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidades de profundas mudanças em nossas estruturas
educacionais, governamentais, jurídicas,
políticas, sociais, culturais, econômica, financeiras e ambientais, de modo
a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres,
civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, na pré-escola) – e mais o imperativo da
modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série
do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento) –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade
absoluta de nossas políticas públicas;
b) o
combate, implacável e sem trégua,
aos três dos nossos maiores e mais avassaladores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente,
competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares
civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da
vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária
ordem; III – o desperdício, em todas
as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos,
inexoravelmente irreparáveis;
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e
intolerável desembolso de cerca de R$ 1
trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma
imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta
a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e
regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores
como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos
sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana
(trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às
commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência
social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas;
polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência,
tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações;
qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –,
transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade,
produtividade, competitividade); entre outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem
arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta
grande cruzada nacional pela cidadania e
qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada,
qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que
possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e
potencialidades com todas as
brasileiras e com todos os
brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos
e que contemplam eventos como a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as
obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da
era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do
conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um
possível e novo mundo da justiça, da
liberdade, da paz, da igualdade – e com
equidade –, e da fraternidade
universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...
O
BRASIL TEM JEITO!...
Nenhum comentário:
Postar um comentário