sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

A CIDADANIA, A FORÇA DA CIVILIDADE, O PAPA FRANCISCO E O CAPITALISMO

“Pouco pode ser muito
        
         Penso na fisioterapia. O paciente está com dores, dificuldade de se movimentar, incômodos musculares ou na coluna vertebral. Posturas inadequadas ou aflições afins. O profissional lhe ensina pequenos exercícios, curtos e localizados, gestos que aparentemente nada têm a ver com seu padecer. Dia após dia você segue o roteiro que lhe foi passado. Sem arroubos, sem espetáculo, quase em silêncio, o desconforto vai desaparecendo. Isso é rotina nas clínicas de recuperação. Os pequenos atos fazem o milagre e, de repente, não há mais nenhum sofrimento.
         Penso agora na fonoaudiologia. Há uma dificuldade de se expressar, a voz não segue a vontade da mente. Ou é caso de gagueira, sons desafinados, uma série de imperfeições no vocalizar que trazem angústia, timidez, insegurança. O convívio com os semelhantes se torna quase insuportável.
         Será possível que resolverei meus problemas com esses gestuais ridículos? Falar com uma rolha na boca me fará me expressar melhor?  E esses sons que me obrigam a emitir? Mais uma vez, pequenas repetições diárias, cientificamente estudadas, transformam o aluno da primeira sessão em uma pessoa relaxada, segura, capaz de falar em público e até cantar. Não é milagre, é trabalho, fruto de muito estudo especializado. E não mais nos esquecemos.
         O que vale para essas duas profissões cabe em muitos fatos de nossa vida. Tudo que fazemos em nosso dia a dia, de carinho e afeto, de atenção para com quem é do nosso convívio pessoal ou social se reverte em nosso favor. O simples geste vale mais que uma grande bajulação. Um bom-dia, boa-tarde, obrigado, um sorriso abrem as portas do mundo para nós. Não custa nada e nos faz melhores.
         Isso serve também para a política. Um prefeito que olha com atenção paras as pequenas necessidades de sua cidade, seja cuidar da limpeza das ruas, da boa pavimentação e das necessidades primeiras  dos cidadãos, pode ser exemplo.
         Uma cidade com água e esgotos encanados e tratados tem mais valor que estátuas na praça principal ou discurso de autolouvor. Os governantes estaduais e federais, quando realmente preocupados com o bem de todos, poderiam espalhar essas miúdas ações essenciais para todo o universo por eles comandado. Nesse capítulo estão certamente as escolas e os professores, os hospitais e os médicos.
         Infelizmente, o que se vê são grandes promessas, bombásticos discursos escritos por marqueteiros e resultado quase nenhum. Pois a propaganda do que se teria feito e do que se anuncia que fará, mas nunca se realiza, é mais importante, pois significa conservar o poder que os apodrece.
         Sei que o povo sofre com isso e lamento. E tenho nojo e desprezo por essa gente que se diz mas não é republicana.”

(FERNANDO BRANT, em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 11 de dezembro de 2013, caderno CULTURA, página 8).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição, caderno OPINIÃO, página 11, de autoria de FREI BETTO, que é escritor, autor do romance Minas do ouro (Rocco), entre outros livros, e que merece igualmente integral transcrição:

“Francisco e o capitalismo
        
         O papa Francisco acaba de divulgar o documento Alegria do Evangelho, no qual deixa claro a que veio. Sua voz profética incomodou a CNN, poderosa rede de comunicação dos EUA, que lhe concedeu a Medalha de Papelão, destinada àqueles que, em matéria de economia, falam bobagens.
         Quais as “bobagens” proferidas pelo papa Francisco? Julgue o leitor: “Hoje devemos dizer não a uma economia da exclusão e da desigualdade social. Essa economia mata. Não é possível que a morte por enregelamento de um idoso sem abrigo não seja notícia, enquanto o é a descida de dois pontos na bolsa. Isso é exclusão. Não se pode tolerar mais o fato de se lançar comida no lixo, quando há pessoas que passam fome. Isso é desigualdade social.”
         “Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, em que o poderoso engole o mais fraco. Em consequência dessa situação, grandes massas da população veem-se excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem perspectivas, num beco sem saída. O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e, depois, lançar fora. Assim teve início a cultura do ‘descartável’, que, aliás, chega a ser promovida. Já não se trata simplesmente de fenômeno de exploração e opressão, mas de uma realidade nova: com a exclusão, fere-se, na própria raiz, a pertença à sociedade onde se vive, pois quem vive nas favelas, na periferia ou sem poder já não estão nela, mas fora. Os excluídos não são explorados, mas resíduos, sobras.”
         Em seguida, Francisco condena a lógica de que o livre mercado consegue, por si mesmo, promover inclusão social: “Essa opinião, que nunca foi confirmada pelos fatos, exprime uma confiança vaga e ingênua na bondade daqueles que detêm o poder econômico e nos mecanismos sacralizados do sistema econômico reinante. Entretanto, os excluídos continuam a esperar.”
         “Para se poder apoiar um estilo de vida que exclui os outros ou mesmo entusiasmar-se com esse ideal egoísta, desenvolveu-se uma globalização da indiferença. Quase sem nos dar conta, tornamo-nos incapazes de nos compadecer ao ouvir os clamores alheios, já não choramos à vista do drama dos outros, nem nos interessamos por cuidar deles, como se tudo fosse uma responsabilidade de outrem, que não nos incumbe. A cultura do bem-estar anestesia-nos, a ponto de perdermos a serenidade se o mercado oferece algo que ainda não compramos, enquanto todas essas vidas ceifadas por falta de possibilidades nos parecem um mero espetáculo que não nos incomoda de forma alguma.”
         O papa enfatiza que os interesses do capital não podem estar acima dos direitos humanos: “Uma das causas dessa situação está na relação estabelecida com o dinheiro, porque aceitamos pacificamente o seu domínio sobre nós e as nossas sociedades. A crise financeira que atravessamos faz-nos esquecer que, na sua origem, há uma crise antropológica profunda: a negação da primazia do ser humano. Criamos novos ídolos. A adoração do antigo bezerro de ouro (cf. Êxodo 32, 1-35) encontrou uma nova e cruel versão no fetichismo do dinheiro e na ditadura de uma economia sem rosto e sem um objetivo verdadeiramente humano. A crise mundial, que envolve as finanças e a economia, põe a descoberto os próprios desequilíbrios e, sobretudo, a grave carência de uma orientação antropológica que reduz o ser humano a apenas uma das suas necessidades: o consumo.”
         Sem citar o capitalismo, Francisco defende o papel do Estado como provedor social e condena a autonomia absoluta do livre mercado: “Enquanto os lucros de poucos crescem exponencialmente, os da maioria situam-se cada vez mais longe do bem-estar daquela minoria feliz. Tal desequilíbrio provém de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira. Por isso, negam o direito de controle dos Estados, encarregados de velar pela tutela do bem-comum.”
         “Instaura-se uma nova tirania invisível, às vezes virtual, que impõe, de forma unilateral e implacável, as suas leis e as suas regras. Além disso, a dívida e os respectivos juros afastam os países das possibilidades viáveis da sua economia, e os cidadãos do seu real poder de compra. A tudo isso vem juntar-se uma corrupção ramificada e uma evasão fiscal egoísta, que assumiram dimensões mundiais. A ambição do poder e do ter não conhece limites. Nesse sistema que tende a deteriorar tudo para aumentar os benefícios, qualquer realidade que seja frágil, como o meio ambiente, fica indefesa face aos interesses do mercado divinizado, transformados em regra absoluta.”
         Enfim, um profeta que põe o dedo na ferida, pois ninguém ignora que o capitalismo fracassou para dois terços da humanidade: os 4 bilhões que, segundo a ONU, vivem abaixo da linha pobreza.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidades de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômica, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, na pré-escola) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento) –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais avassaladores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;

c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e intolerável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...


O BRASIL TEM JEITO!...    


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