segunda-feira, 4 de março de 2013

A CIDADANIA, O PAPA, AS DINÂMICAS HISTÓRICAS E A FORÇA DA ESPIRITUALIDADE


“O papa e as tensões internas da Igreja no mundo e na história
         
         Há uma tensão sempre viva dentro da Igreja e que marca o perfil de cada papa. Quais são a posição e a missão da Igreja no mundo?
         Uma concepção equilibrada deve assentar-se sobre duas pilastras fundamentais: o Reino e o mundo. O Reino é a mensagem central de Jesus, sua utopia de uma revolução absoluta que reconcilia  a criação consigo mesma e com Deus. O mundo é o lugar onde a Igreja realiza seu serviço ao Reino e onde ela mesma se constrói. Importa saber articular Reino-mundo-Igreja. Ela pertence ao Reino e também ao mundo. Possui uma dimensão histórica com suas contradições e outra, transcendente.
         Como viver essa dentro do mundo e da história? Apresentam-se dois modelos diferentes e, por vezes, conflitantes: o do testemunho e o do diálogo.
         O modelo do testemunho afirma com convicção: temos o depósito da fé, dentro do qual estão todas as verdades necessárias para a salvação; temos os sacramentos que comunicam a graça; temos uma moral bem-definida; temos a certeza de que a Igreja Católica é a Igreja de Cristo, a única verdadeira; temos o papa, que goza de infalibilidade em questões de fé e de moral; temos uma hierarquia que governa o povo fiel; e temos a promessa da assistência permanente do Espírito Santo. Isso tem que ser testemunhado face a um mundo que não sabe para onde vai e que, por si mesmo, jamais alcançará a salvação. Ele terá que passar pela mediação da Igreja.
         Os cristãos desse modelo se sentem imbuídos de uma missão salvadora única. Nisso são fundamentalistas e pouco dados ao diálogo.
         O modelo do diálogo parte de outros pressupostos: o Reino é maior que a Igreja e conhece, também uma realização secular, onde há verdade, amor e justiça; o Cristo ressuscitado possui dimensões cósmicas e empurra a evolução para um fim bom; o Espírito está sempre presente na história e nas pessoas do bem; Ele chega antes do missionário. Deus nunca abandonou os seus e a todos oferece chance de salvação.
         A missão da Igreja é ser sinal dessa história de Deus dentro da história humana e, também, um instrumento de sua implementação junto com  outros caminhos espirituais. Se a realidade está empapada de Deus, devemos todos dialogar.
         O primeiro modelo do testemunho é da Igreja da tradição. Era o modelo do papa João Paulo II, que corria o mundo empunhando a cruz como testemunho de que aí vinha a salvação. Era o modelo, mais radicalizado ainda, de Bento XVI.
         O modelo do diálogo é do Concílio Vaticano II, de Paulo VI, e de Medellin e de Puebla, na América Latina. Viam o cristianismo não como um depósito, mas como uma fonte de águas vivas e cristalinas que podem ser canalizadas por muitos condutos culturais.
         O primeiro modelo, do testemunho, assustou muitos cristãos que se sentiam infantilizados e desvalorizados em seus saberes profissionais. O segundo  modelo, do diálogo, aproximou a muitos, pois se sentiam em casa, ajudando a construir uma Igreja aprendiz e aberta ao diálogo com todos. O efeito era o sentimento de liberdade e de criatividade.
         Esse modelo do diálogo se faz urgente caso a instituição Igreja queira sair da crise em que se meteu.
         Devemos discernir com inteligência o que atualmente melhor serve à mensagem cristã no interior de uma crise ecológica e social de gravíssimas consequências. O problema central não é a Igreja, mas o futuro da Mãe Terra, da vida e da nossa civilização. Como a Igreja ajuda nessa travessia? Só dialogando e somando forças com todos.”
(LEONARDO BOFF. Filósofo e teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 15 de fevereiro de 2013, caderno O.PINIÃO, página 18).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 1º de março de 2013, caderno OPINIÃO, página 9, de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO, Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente integral transcrição:

“Agradecidos, Bento XVI
        
         Com reverência e grande apreço, somos agradecidos pelo pontificado de Bento XVI, que, como sucessor do apóstolo Pedro, ajudou a Igreja, em tempos de aceleradas mudanças e enormes desafios humanitários, a cumprir sua tarefa missionária: anunciar o evangelho da vida, para fazer de todos discípulos e discípulas de Jesus Cristo.
         O agradecimento reverente projeta luzes sobre um ministério exercido com extrema lealdade, humildade edificante, cultivado a partir de uma sabedoria temperada, admirável envergadura intelectual aliada a uma espiritualidade reveladora de uma profunda intimidade com Deus. Essas qualidades de Bento XVI, para além das vicissitudes humanas enfrentadas nas instituições todas, produzindo desafios relacionais e existenciais, traçou para a Igreja horizontes que a capacitaram ainda mais no enfrentamento das questões fundamentais da fé no seu diálogo imprescindível com a razão.
         Um caminho exigente, na contramão de uma religiosidade entendida e vivida com mágica milagreira ou como lugar da conquista e de exercícios inadequados do poder que seduz, desfigura e distancia-se da condição de todos como servos da vinha do Senhor. Há de se recordar que Bento XVI, em 2005, dirigindo-se pela primeira vez à multidão presente na Praça de São Pedro, delineou a consciência clara de seu entendimento sobre sua pessoa e sobre seu ministério iniciante como sucessor de Pedro. Ele se apresenta – como não pode deixar de ser a apresentação dos discípulos de Jesus, sejam quais forem as circunstâncias, cargos, ofícios e responsabilidades -  como simples servo da vinha do Senhor, chamado naquele momento ao exigente serviço como papa.
         Esse simples servo, com envergadura moral, intelectual e espiritual de gigante da fé, dialogou com seu Deus, em confiança amorosa, para decidir, por iluminação própria da fé e da inteligência, que era um bem maior concluir sua tarefa no ministério petrino. Sua renúncia causou, naturalmente, comoção e reações de grande surpresa. Ninguém destes tempos havia vivido uma situação semelhante. O inusitado da renúncia de um papa, na realidade dos tempos atuais, em se considerando os enormes desafios vividos pela Igreja Católica, no enfrentamento de questões espinhosas, como a chaga da pedofilia ou diálogo com o mundo, quando se pensa a secularização e o relativismo ético, projetou um oceano de conjeturas e suposições.
         No turbilhão de hipóteses e análises, muitas delas inadequadas, maliciosas e até perversas, uma luz de razão e humanismo focaliza a dimensão da fé. A renúncia do papa Bento XVI desenha no horizonte da Igreja e também da sociedade contemporânea a mais genuína e indispensável lição do evangelho. Sua renúncia se assenta, antes de tudo, na confiança no seu mestre e Senhor e na mais qualificada conquista espiritual de simplicidade e humildade. Essas virtudes geram a coragem do desapego, a alegria da liberdade e a consciência lúcida do seu lugar, agora como orante no acompanhamento e sustento da Igreja na sua missão.
         Houve quem jogou a hipótese de uma “descida da cruz”. Bento XVI, sabiamente e de modo sereno, ajusta a possível incompreensão, ponderando que não desceu da cruz, mas está aos pés do crucificado. Sublinha sua condição de discípulo e servo, jamais de Senhor e salvador. A lição é desconcertante e interpelante. Não simplesmente porque é inusitado um papa renunciar, mas, sobretudo, porque remete ao mais genuíno sentido de humildade e desapego para a ajudar a humanidade e, particularmente, a Igreja no exercício mais essencial de seu peregrinar, aquele de fixar mais, acima de tudo, seu olhar em Jesus, o salvador.
         Esse é o ensinamento que Bento XVI nos oferece como testemunho de fé, de sábia localização da condição humana nas mãos e no coração de Deus. Uma lição simples e profunda. Deus fez de Bento XVI um instrumento para indicar ao mundo contemporâneo e à sua Igreja que o terror da falta de sentido, os absurdos das lutas pelo poder, a desqualificação humana produzida pela maledicência e pelas arbitrariedades só têm cura quando se elege esse lugar de simples servo da vinha para viver e para ser. Essa lição, aprendida e vivida, dará rumo novo à sociedade e à Igreja. Somos agradecidos, Bento XVI.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, lúcidas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:
     
     a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;
     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, indubitavelmente irreparáveis;
     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de astronômico e insuportável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tamanha sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de extremas e sempre crescentes demandas, necessidades, carências e deficiências, o que aumenta o colossal abismo das desigualdades sociais e regionais e nos afasta num crescendo do seleto grupo dos sustentavelmente desenvolvidos...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que permita a partilha de suas extraordinárias riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a 27ª Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro em julho; a Copa das Confederações em junho; a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, segundo as exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das empresas, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da  justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...

O BRASIL TEM JEITO!...

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