“O
papa e as tensões internas da Igreja no mundo e na história
Há uma
tensão sempre viva dentro da Igreja e que marca o perfil de cada papa. Quais
são a posição e a missão da Igreja no mundo?
Uma
concepção equilibrada deve assentar-se sobre duas pilastras fundamentais: o
Reino e o mundo. O Reino é a mensagem central de Jesus, sua utopia de uma
revolução absoluta que reconcilia a
criação consigo mesma e com Deus. O mundo é o lugar onde a Igreja realiza seu
serviço ao Reino e onde ela mesma se constrói. Importa saber articular
Reino-mundo-Igreja. Ela pertence ao Reino e também ao mundo. Possui uma
dimensão histórica com suas contradições e outra, transcendente.
Como
viver essa dentro do mundo e da história? Apresentam-se dois modelos diferentes
e, por vezes, conflitantes: o do testemunho e o do diálogo.
O
modelo do testemunho afirma com convicção: temos o depósito da fé, dentro do
qual estão todas as verdades necessárias para a salvação; temos os sacramentos
que comunicam a graça; temos uma moral bem-definida; temos a certeza de que a
Igreja Católica é a Igreja de Cristo, a única verdadeira; temos o papa, que
goza de infalibilidade em questões de fé e de moral; temos uma hierarquia que
governa o povo fiel; e temos a promessa da assistência permanente do Espírito
Santo. Isso tem que ser testemunhado face a um mundo que não sabe para onde vai
e que, por si mesmo, jamais alcançará a salvação. Ele terá que passar pela
mediação da Igreja.
Os
cristãos desse modelo se sentem imbuídos de uma missão salvadora única. Nisso
são fundamentalistas e pouco dados ao diálogo.
O
modelo do diálogo parte de outros pressupostos: o Reino é maior que a Igreja e
conhece, também uma realização secular, onde há verdade, amor e justiça; o
Cristo ressuscitado possui dimensões cósmicas e empurra a evolução para um fim
bom; o Espírito está sempre presente na história e nas pessoas do bem; Ele
chega antes do missionário. Deus nunca abandonou os seus e a todos oferece
chance de salvação.
A
missão da Igreja é ser sinal dessa história de Deus dentro da história humana
e, também, um instrumento de sua implementação junto com outros caminhos espirituais. Se a realidade
está empapada de Deus, devemos todos dialogar.
O
primeiro modelo do testemunho é da Igreja da tradição. Era o modelo do papa
João Paulo II, que corria o mundo empunhando a cruz como testemunho de que aí
vinha a salvação. Era o modelo, mais radicalizado ainda, de Bento XVI.
O
modelo do diálogo é do Concílio Vaticano II, de Paulo VI, e de Medellin e de
Puebla, na América Latina. Viam o cristianismo não como um depósito, mas como
uma fonte de águas vivas e cristalinas que podem ser canalizadas por muitos
condutos culturais.
O primeiro
modelo, do testemunho, assustou muitos cristãos que se sentiam infantilizados e
desvalorizados em seus saberes profissionais. O segundo modelo, do diálogo, aproximou a muitos, pois
se sentiam em casa, ajudando a construir uma Igreja aprendiz e aberta ao
diálogo com todos. O efeito era o sentimento de liberdade e de criatividade.
Esse
modelo do diálogo se faz urgente caso a instituição Igreja queira sair da crise
em que se meteu.
Devemos
discernir com inteligência o que atualmente melhor serve à mensagem cristã no
interior de uma crise ecológica e social de gravíssimas consequências. O
problema central não é a Igreja, mas o futuro da Mãe Terra, da vida e da nossa
civilização. Como a Igreja ajuda nessa travessia? Só dialogando e somando
forças com todos.”
(LEONARDO
BOFF. Filósofo e teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 15 de
fevereiro de 2013, caderno O.PINIÃO, página
18).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 1º de março
de 2013, caderno OPINIÃO, página 9,
de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE
AZEVEDO, Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente
integral transcrição:
“Agradecidos,
Bento XVI
Com reverência e grande
apreço, somos agradecidos pelo pontificado de Bento XVI, que, como sucessor do
apóstolo Pedro, ajudou a Igreja, em tempos de aceleradas mudanças e enormes
desafios humanitários, a cumprir sua tarefa missionária: anunciar o evangelho
da vida, para fazer de todos discípulos e discípulas de Jesus Cristo.
O
agradecimento reverente projeta luzes sobre um ministério exercido com extrema
lealdade, humildade edificante, cultivado a partir de uma sabedoria temperada,
admirável envergadura intelectual aliada a uma espiritualidade reveladora de
uma profunda intimidade com Deus. Essas qualidades de Bento XVI, para além das
vicissitudes humanas enfrentadas nas instituições todas, produzindo desafios
relacionais e existenciais, traçou para a Igreja horizontes que a capacitaram
ainda mais no enfrentamento das questões fundamentais da fé no seu diálogo
imprescindível com a razão.
Um
caminho exigente, na contramão de uma religiosidade entendida e vivida com
mágica milagreira ou como lugar da conquista e de exercícios inadequados do
poder que seduz, desfigura e distancia-se da condição de todos como servos da
vinha do Senhor. Há de se recordar que Bento XVI, em 2005, dirigindo-se pela
primeira vez à multidão presente na Praça de São Pedro, delineou a consciência
clara de seu entendimento sobre sua pessoa e sobre seu ministério iniciante
como sucessor de Pedro. Ele se apresenta – como não pode deixar de ser a
apresentação dos discípulos de Jesus, sejam quais forem as circunstâncias,
cargos, ofícios e responsabilidades -
como simples servo da vinha do Senhor, chamado naquele momento ao
exigente serviço como papa.
Esse
simples servo, com envergadura moral, intelectual e espiritual de gigante da
fé, dialogou com seu Deus, em confiança amorosa, para decidir, por iluminação
própria da fé e da inteligência, que era um bem maior concluir sua tarefa no
ministério petrino. Sua renúncia causou, naturalmente, comoção e reações de
grande surpresa. Ninguém destes tempos havia vivido uma situação semelhante. O
inusitado da renúncia de um papa, na realidade dos tempos atuais, em se
considerando os enormes desafios vividos pela Igreja Católica, no enfrentamento
de questões espinhosas, como a chaga da pedofilia ou diálogo com o mundo, quando
se pensa a secularização e o relativismo ético, projetou um oceano de
conjeturas e suposições.
No
turbilhão de hipóteses e análises, muitas delas inadequadas, maliciosas e até
perversas, uma luz de razão e humanismo focaliza a dimensão da fé. A renúncia
do papa Bento XVI desenha no horizonte da Igreja e também da sociedade
contemporânea a mais genuína e indispensável lição do evangelho. Sua renúncia
se assenta, antes de tudo, na confiança no seu mestre e Senhor e na mais
qualificada conquista espiritual de simplicidade e humildade. Essas virtudes
geram a coragem do desapego, a alegria da liberdade e a consciência lúcida do
seu lugar, agora como orante no acompanhamento e sustento da Igreja na sua
missão.
Houve
quem jogou a hipótese de uma “descida da cruz”. Bento XVI, sabiamente e de modo
sereno, ajusta a possível incompreensão, ponderando que não desceu da cruz, mas
está aos pés do crucificado. Sublinha sua condição de discípulo e servo, jamais
de Senhor e salvador. A lição é desconcertante e interpelante. Não simplesmente
porque é inusitado um papa renunciar, mas, sobretudo, porque remete ao mais
genuíno sentido de humildade e desapego para a ajudar a humanidade e,
particularmente, a Igreja no exercício mais essencial de seu peregrinar, aquele
de fixar mais, acima de tudo, seu olhar em Jesus, o salvador.
Esse é
o ensinamento que Bento XVI nos oferece como testemunho de fé, de sábia
localização da condição humana nas mãos e no coração de Deus. Uma lição simples
e profunda. Deus fez de Bento XVI um instrumento para indicar ao mundo
contemporâneo e à sua Igreja que o terror da falta de sentido, os absurdos das
lutas pelo poder, a desqualificação humana produzida pela maledicência e pelas
arbitrariedades só têm cura quando se elege esse lugar de simples servo da
vinha para viver e para ser. Essa lição, aprendida e vivida, dará rumo novo à
sociedade e à Igreja. Somos agradecidos, Bento XVI.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
lúcidas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de
liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas
educacionais, governamentais, jurídicas,
políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de
modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais
livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente
desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade
absoluta de nossas políticas públicas;
b) o
combate, implacável e sem trégua,
aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente e
diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar
por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e
comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício,
em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e
danos, indubitavelmente irreparáveis;
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de astronômico e
insuportável desembolso de cerca de R$ 1
trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma
imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tamanha
sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa
capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a
credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de extremas e sempre crescentes demandas,
necessidades, carências e deficiências, o que aumenta o colossal abismo das
desigualdades sociais e regionais e
nos afasta num crescendo do seleto grupo dos sustentavelmente desenvolvidos...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem
arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta
grande cruzada nacional pela cidadania e
qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada,
qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que
permita a partilha de suas extraordinárias riquezas, oportunidades e
potencialidades com todas as
brasileiras e com todos os
brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos
e que contemplam eventos como a 27ª Jornada Mundial da Juventude no Rio de
Janeiro em julho; a Copa das Confederações em junho; a Copa do Mundo de 2014; a
Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, segundo as
exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das
empresas, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias,
da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça,
da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...
O
BRASIL TEM JEITO!...
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