“O
resgate do espírito, apesar de sua exploração pela cultura atual
Na cultura atual, a
palavra “espírito” é desmoralizada em duas frentes: na cultura letrada e na
cultura popular.
Na cultura letrada
dominante, “espírito” é o que se opõe à matéria. A ciência moderna se construiu
sobre a investigação e a dominação da matéria. Penetrou até as suas últimas
dimensões, as partículas elementares, até o campo Higgs, no qual se teria dado a
primeira condensação da energia originária em matéria: os tão buscados bósons e
hádrions e a chamada “partícula de Deus”. Einstein comprovou que matéria e
energia são equipotentes. Matéria não existe. É energia altamente condensada e
um campo riquíssimo de interações.
Os valores espirituais situam-se na
superestrutura e não cabem nos esquemas científicos. Seu lugar é o mundo da
subjetividade, entregue ao arbítrio de cada um ou a grupos religiosos. Ou,
então, pertence ao repertório do discurso eclesiástico moralizante,
espiritualizante e em relação hostil com o mundo moderno.
Em
razão disso, a expressão “valores espirituais” surge com mais frequência na
boca de padres e de bispos de viés conservador. Deles se ouve amiúde que a
crise do mundo contemporâneo reside fundamentalmente no abandono do mundo
espiritual. Mas, diante dos escândalos havidos nos últimos tempos com os padres
pedófilos e dos financeiros ligados ao Banco do Vaticano, o discurso oficial
dos “valores espirituais” se desmoralizou. Não perdeu valor, mas a instância
oficial que os anuncia conta com muito pouca audiência.
Na
cultura popular, a palavra “espírito” possui grande vigência. Ela traduz certa
concepção mágica do mundo, à revelia da racionalidade aprendida na escola. O
espiritismo codificou essa visão de mundo pela via da reencarnação. Possui mais
adeptos do que se suspeita.
No
entanto, nos últimos decênios, nos demos conta de que o excesso de
racionalidade em todas as esferas e o consumismo exacerbado geraram saturação
existencial e, também, muita decepção. A felicidade não se encontra na
materialidade das coisas, mas em dimensões ligadas ao coração.
Por
toda parte, buscam-se experiências espirituais novas, sentidos de vida que vão
além dos interesses imediatos e da luta cotidiana pela vida. Eles abrem uma
perspectiva de iluminação e de esperança no meio do mercado de ideias e de
propostas convencionais. Elas ganharam força através dos programas de TV e dos
grandes “shows” religiosos. Numa sociedade de mercado, a religião e a
espiritualidade se transformaram também
em mercadorias à disposição do consumo geral. E rendem muito dinheiro.
Não
obstante a referida mercantilização do religioso, o mundo espiritual começou a
ganhar fascínio, embora, na maioria das vezes, na forma de esoterismo e de
literatura de autoajuda. Mesmo assim, ele abriu uma brecha na profanidade do
mundo e no caráter cinzento da sociedade de massa. Nos meios cristãos emergiram
as Igrejas pentecostais, os movimentos carismáticos e a centralidade da figura
do Espírito Santo.
Esses
fenômenos supõem um resgate da categoria “espírito” num sentido positivo e até
antissistêmico. O “espírito” constitui uma referência consistente e não mais
colocada sob suspeita pela crítica da modernidade, que somente aceitava o que
passava pelo crivo da razão. Ocorre que a razão não é tudo nem explica tudo. Há
o irracional e o arracional. No ser humano, há o universo do sentimento, que se
expressa pela inteligência cordial e emocional. O espírito não se recusa à
razão, mas vai além, englobando-a num patamar mais alto. Em termos da nova
cosmologia, ele seria tão ancestral quanto o universo, este, também portador de
espírito. A era do espírito?”
(LEONARDO
BOFF. Filósofo e teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 22 de
fevereiro de 2013, caderno O.PINIÃO, página
18).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de
artigo publicado no jornal ESTADO DE
MINAS, edição de 6 de março de 2013, caderno OPINIÃO, página 9, de autoria de FREI BETTO, que é escritor, autor
de A mosca azul – reflexão sobre o poder (Rocco),
entre outros livros, e que merece igualmente integral transcrição:
“O
véu da virtude
Nos próximos dias, a
Igreja Católica terá novo papa. Até que ele seja eleito, os cardeais de 48
países estão reunidos em Roma debatendo, com certeza, os motivos que levaram
Bento XVI a renunciar. Para a opinião pública, um gesto corajoso de humildade,
sobretudo nesses tempos em que muitos políticos se julgam imortais e não
concebem viver fora do poder. É o caso de Berlusconi, na Itália, que de novo
busca ser primeiro-ministro, e de tantos políticos aqui no Brasil, acostumados
a lotear a República e a tratar ministros e chefes de autarquias indicados por
eles assim como um latifundiário trata seus capatazes.
A
Igreja é uma instituição de origem divina, mas formada por seres humanos que, a
cada dia, devem orar “perdoai as nossas ofensas
e não nos deixeis cair em tentação”. Mas caem, e provocam escândalos,
como os sucessivos casos de pedofilia.
Quem
conhece a história da Igreja sabe quantos abusos e crimes foram cometidos por
ela em nome de Deus. Para citar apenas o caso do Brasil, durante o período
colonial, bispos e padres se mostraram coniventes com a escravatura; a
Inquisição caçou e cassou suspeitos, conduzidos daqui à prisão e à fogueira em
Portugal; e a expressão “santo do pau oco” evoca o contrabando de ouro e
diamante recheando as imagens devocionais levadas pelos clérigos ao exterior.
O ser
humano padece de duas limitações intransponíveis: prazo de validade (todos
haveremos de morrer) e defeito de fabricação (trafegamos entre luzes e
sombras). É o que a Bíblia chama de
pecado original. Ao transpor sua origem divina ao caráter da instituição, a
Igreja comete o erro de tentar cobrir com o véu da virtude os frutos do pecado.
Por que chamar o papa de Sua Santidade se até ele é pecador e roga pela misericórdia
de Deus? Por que qualificar de “sagradas” as congregações do Vaticano que atuam
como ministérios de uma monarquia absoluta?
Quanto
maior a altura, maior o tombo. O véu da virtude rasgou-se diante dos escândalos
de pedofilia mundo afora e, nesses dias, com a revelação da rede de
prostituição que opera em Roma para oferecer serviços sexuais de seminaristas.
Nada disso diminui o mérito de tantos membros da Igreja Católica que dão as
suas vidas para que outros tenham vida, como é o caso dos bispos Pedro
Casaldáliga, Paulo Evaristo Arns, José Maria Pires, e inúmeros padres e
religiosos (as) que, despojados de ambições e conforto, se dedicam aos doentes,
aos mais pobres, aos dependentes químicos, aos encarcerados.
O
grave é a Igreja não se abrir ao debate às candentes questões que concernem à
condição humana. “Nada do que é humano é estranho à Igreja”, dizia o papa Paulo
VI. Infelizmente, não é verdade. Criou-se em torno da sexualidade uma espessa
cortina fechada pelo cadeado do tabu e do preconceito.
Embora
na prática o tema seja debatido no interior da instituição eclesiástica, a
rigor está oficialmente proibido colocar em questão o celibato obrigatório; a
ordenação de mulheres; o uso de preservativos para evitar Aids e outras
doenças; a sexualidade por prazer (e não para procriar); o aborto em situações
singulares; a união de homossexuais etc.
O novo
papa não poderá fugir dessas questões, sob pena de ver a Igreja esvaziar ou
seguir convivendo com a hipocrisia de uma moral vivida pelos fiéis. Além de
despir-se do véu da virtude, a Igreja deveria se perguntar que sentido faz o
papado proclamar que a Igreja não se mete em política e, no entanto, o Vaticano
arvorar-se em Estado soberano, com representação na ONU e núncios com
embaixadores em diversos países.
O papa
merece ser apenas o pastor dos fiéis católicos, o bispo de Roma, que serve de
parâmetro à comunhão universal na fé, e não um monarca absolutista com poderes
de intervenção em todas as dioceses do mundo. O Concílio Vaticano II propôs à
Igreja um governo colegiado, o que não foi implementado por Paulo VI nem aceito
por João Paulo II e Bento XVI. A mosca azul parece picar também o papado. Essa
“embriaguês da vitória”, como dizia Toynbee, fez com a cegueira impedisse o
pontífice de evitar a corrupção no banco do Vaticano; o vazamento de documentos
sigilosos na Cúria Romana; a traição de seu mordomo; e tantos outros escândalos
que, agora, arranham profundamente a imagem da Igreja.
Jesus
não se fez acompanhar por um grupo de perfeitos ou santos. Pedro o negou, Tomé
duvidou, Judas traiu, os filhos de Zebedeu ambicionaram o poder temporal. Nem
eram todos castos e angélicos. No primeiro capítulo do evangelho de Marcos
consta que Jesus curou a sogra de Pedro. Se tinha sogra é porque tinha mulher.
Nem por isso deixou de ser indicado como líder da comunidade de apóstolos. Quem
caminha sem salto alto tropeça menos. É hora de o papa calçar as sandálias do
pescador, abdicar dos títulos honoríferos herdados do Império Romano e assumir,
em colegiado com os cardeais de todo o mundo, o mais evangélico de todos os
seus títulos: servo dos servos de Deus.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes ,
graves e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de
liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas
educacionais, governamentais, jurídicas,
políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de
modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais
livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente
desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade
absoluta de nossas políticas públicas;
b) o
combate, implacável e sem trégua,
aos três dos nossos maiores e mais avassaladores inimigos que são: I – a inflação, a exigir uma permanente e
diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar
por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e
comprometimentos de variada ordem; III – o desperdício,
em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e
danos, inexoravelmente irreparáveis;
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de astronômico e
intolerável desembolso de cerca de R$ 1
trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir uma imediata,
abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tamanha
sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa
capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a
credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de extremas e sempre crescentes demandas,
necessidades, carências e deficiências, o que aumenta o colossal abismo das
desigualdades sociais e regionais e
nos afasta num crescendo do seleto grupo dos sustentavelmente desenvolvidos...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem
arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta
grande cruzada nacional pela cidadania e
qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada,
qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que
permita a partilha de suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades
e potencialidades com todas as
brasileiras e com todos os
brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos
e que contemplam eventos como a 27ª Jornada Mundial da Juventude no Rio de
Janeiro em julho; a Copa das Confederações em junho; a Copa do Mundo de 2014; a
Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das
exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das
empresas, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias,
da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da
paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...
O
BRASIL TEM JEITO!...
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