segunda-feira, 24 de março de 2014

A CIDADANIA, O ATIVISMO JUDICIAL E O TESOURO DA CREDIBILIDADE

“Ativismo judicial: o que é, sem meias palavras
        
         Inútil tentar colar no debatedor o rótulo de juiz conservador ou reacionário, como têm agido aqueles  que se intitulam progressistas, em relação a quem não se alinha com o modismo do politicamente correto, sempre com a intenção de interditar o debate sobre temas relevantes para a superação do nosso atraso crônico. Conheço os juízes das gerações mais antigas e da minha geração, e posso afirmar que pouquíssimos, que se contam nos dedos de uma mão, experimentaram a mesma militância política e profissional que tive, sempre no espectro ideológico da antiga esquerda. Passei da militância nas franjas de organizações  de esquerda e no movimento estudantil aos movimentos de direitos humanos e da anistia, e à advocacia trabalhista em sindicatos de trabalhadores. Já magistrado, fui presidente da Amatra e vice da Anamatra, respectivamente, as associações regional e nacional dos juízes do trabalho, e encarei lutas encarniçadas contra a representação classista, o nepotismo e outros desmandos dos tribunais, que nos tratavam como servidores de terceira categoria.
         Mudou o homem ou mudaram-se os tempos. Os tempos é que são outros, pois, moveu-se a engrenagem da história, e por isto me sinto livre e à vontade para criticar certas posições hoje adotadas por juízes, sobretudo trabalhistas, que inflam o peito para se declarar de esquerda ou progressistas, e se põem a reinventar a roda. E acabam inventando esquisitices como o ativismo judicial. Ouso dizer que andam na contramão da história, pois na verdade praticam um certo fundamentalismo trabalhista e judicial que não se coaduna com os princípios da liberdade e da democracia, em resumo, do Estado democrático de direito. Imaginam fazer a revolução e a redenção dos denominados excluídos, mas na verdade contribuem para mantê-los na condição de cidadãos de segunda classe, eternamente condenados ao trabalho subordinado.
         Nada fácil conceituar esta novidade, que muitos dizem ser o novo modus operandi do juiz pós-moderno e progressista. Mas é fácil identificá-lo nos julgamentos à margem ou contrários à lei, contratos e outras regras de direito, inclusive as de origem sindical. Invocam apenas princípios, que são extraídos aos montes da Constituição ou originários do criativo mundo da academia, que, todos sabem, vive descolado da realidade. Não raro, julgam até sem a iniciativa das partes, ou contra sua vontade, numa espécie de voluntarismo judicial que é a negação da essência da própria Jurisdição. Só reconhecem e valorizam o sindicato quando ele se apresenta como indutor de demandas individuais e inundam a Justiça com ações, cujo objetivo maior é o resultado financeiro e a indisfarçável busca de honorários para seus advogados. Já quanto às normas das negociações sindicais, estas são simplesmente desprezadas com o discurso de que eles vendem o direito aos trabalhadores no altar profano do patronato. Também pudera, pois a eles jamais foi permitida a maioridade, assim como não se deve permiti-la ao trabalhador. Todos devem estar sob a eterna proteção do Estado Nhonhô.
         Legislação trabalhista não falta no país, ao contrário, ela está aí em abundância e os variados enxertos de lei agregados à vetusta CLT são ocorrências notórias nos últimos anos. Estabeleceu-se uma verdadeira babel no campo da regulação do contrato de trabalho, a ponto de engessá-lo como instrumento eficiente de melhoria das condições de trabalho dos empregados e do alcance dos desejados índices de produtividade do trabalhador, condições necessárias para o progresso social e econômico do país. De tempos em tempos uma brilhante tese de doutores iluminados percorre o caminho dos congressos, dos livros, da jurisprudência e da súmula, e chega ao átrio sagrado da CLT, para a glória de todos. Outras estacionam nas súmulas dos tribunais, e aqui os juízes praticam a usurpação do poder de legislar da representação popular, que é o Congresso Nacional. Tomem, por exemplo, regras (proibitivas) sobre terceirização de serviços, estabilidades as mais diversas, horas extras por minutos excedentes e por violação de intervalo de jornada, horas extras pelo tempo de transporte dos trabalhadores, estas conhecidas como horas in itinere, e outras ilusões plantadas na legislação. Tudo isso gera milhares de demandas, que, por sua vez, requerem a criação de mais varas e tribunais, nomeação de servidores, e verbas, muitas verbas. Então, cabe a pergunta: até quando sociedade e contribuinte pagarão a conta?
         Assim, os únicos resultados visíveis e práticos do ativismo judicial podem ser resumidos na insegurança jurídica, com instabilidade nas relações trabalhistas, sociais e econômicas, e o aumento exponencial dos níveis de litigiosidade no Judiciário como um todo, e especialmente no trabalhista. Os primeiros têm sido, sabidamente, um dos fatores influentes no estado de letargia do país, que simplesmente não consegue crescer e desenvolver para o bem de todos, principalmente dos trabalhadores. E os segundos, que refletem e são reflexos dos primeiros, resultam apenas na hipertrofia da máquina da Justiça, com altíssimos custos sociais para um país tão carente de investimentos em educação, saúde, moradia, infraestrutura etc.
         Não se iludam! O ativismo judicial, onde o juiz é a própria lei, é perigoso e contrário à democracia. Mais ainda quando todos sabemos que seu fundamento maior pode ser encontrado nos escritos de um teórico que teve papel fundamental na justificação do Estado nazista, de triste memória para a humanidade. O nome dele? Carl Schmitt.”

(JOÃO BOSCO PINTO LARA. Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT), foi professor da Faculdade de Direito da PUC Minas (1985/2002), presidente da Amatra (1997/1999) e vice-presidente da Anamatra (2000/2002), em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 21 de março de 2014, caderno DIREITO & JUSTIÇA, página principal).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo e edição, caderno OPINIÃO, página 9, de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente integral transcrição:

“Tesouro da credibilidade
         
         O tesouro da credibilidade está em baixa e merece atenção. Segundo pesquisa divulgada pelo Ibope, 62% dos brasileiros têm desconfiança uns dos outros. A referência à confiança depositada nos próprios familiares – 73% dos entrevistados – é um sinal de esperança e da centralidade da família na vida de cada pessoa e da sociedade. O núcleo familiar será sempre o ponto de partida e fonte perene de referências, escola vivencial para aprendizagem do amor e da fidelidade a Deus e aos outros. Cada pessoa é um dom, e seu cultivo começa na família, primeiro e insubstituível berço da sua história. A família é uma célula vital para a sociedade.
         Quando se pensa a ecologia humana, tão determinante na luta por mudanças na sociedade em crise, a instância família é fundamental. Trata-se da escola da reciprocidade, um sentido que se não for aprendido compromete, consequentemente, o tesouro da credibilidade sobre o qual as relações sociais e políticas se sustentam. O clima natural do afeto familiar possibilita, a cada indivíduo, exercitar a competência de ser reconhecido e responsabilizado. Qualquer comprometimento desse núcleo inviabiliza os andamentos adequados da vida cidadã, favorece a lamentável cultura da corrupção, pois se perde o gosto e o apreço prioritário pela honra.
         O sentido de honra não aprendido na família alimenta uma sociedade individualista, responsável por descompassos que atormentam a vida cotidiana. Gera a violência crescente, a ganância, a permissividade e a manipulação de pessoas. Favorece o abominável tráfico humano, a escravidão, que coloca a sociedade contemporânea na contramão do caminho para a civilidade. O gosto pela honra é, portanto, um dos capítulos fundamentais na aprendizagem familiar, sustentáculo de tudo, desde a transparência e fidelidade à palavra dada até os mais complexos comprometimentos na ordem do respeito e da promoção da dignidade humana.
         A configuração e entendimentos da economia e das relações sociais contemporâneas sofrem de deteriorações muito graves. O tesouro da credibilidade vai sendo corroído. Na raiz desses problemas, está uma triste constatação: não se dá o devido apreço à honra. É saudosa a recordação de figuras familiares, religiosas, cidadãs que primavam pela importância desse princípio. O descuido com ele é o consequente processo de negociação da própria dignidade, abrindo-se ao “vale-tudo”, desde que interesses particulares, como as conquistas de posições, garantias de comodidades e satisfação do desejo de possuir sempre mais, sejam alcançados.
         Está posto o desafio, diante da ameaça ao tesouro da credibilidade na sociedade brasileira, de investir na reversão desse quadro a partir da recuperação e adequada valorização da honra. Uma qualidade que é o esplendor da vida humana. Sua conquista é presidida pela consciência de se adotar condutas marcadas pela autenticidade, jamais por artimanhas, qualquer tipo de mentiras ou trapaças, posturas que justificam o preocupante dado que aponta a pesquisa: 82%  dos entrevistados acreditam que a maioria das pessoas só se preocupa com o próprio benefício. Quando a consciência perde a sua configuração, que inclui o gosto da honestidade, da transparência e da tranquilidade, cresce a ameaça. É acentuada a gravíssima crise moral que assola e dizima a sociedade contemporânea.
         O apreço e respeito aos princípios, o cultivo da credibilidade, encontram força na palavra de Santo Agostinho, no seu Livro das confissões. Ele comenta: “Encontrei muitos com desejos de enganar os outros, mas não encontrei ninguém que quisesse ser enganado. Por que é que os homens têm como inimigo aquele que prega a verdade, se amam a vida feliz, que não é mais que a alegria vinda da verdade?” A verdade, em tudo e em todas as circunstâncias, foge do desejo de enganar, gera e sustenta condutas cidadãs, com força para a ordem da justiça. É hora de investimentos para debelar o caos da avassaladora crise moral contemporânea, aprendendo e ensinando sobre o valor do tesouro da credibilidade.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, graves e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas transformações em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de variada ordem (a propósito, não é o petróleo em si que mancha, mas a corrupção mancha até o petróleo...); III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis);

     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2014, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e insuportável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 654 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social;segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade,visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa, justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que permita a partilha de suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa do Mundo; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...


O BRASIL TEM JEITO!...

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