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quarta-feira, 17 de abril de 2013

A CIDADANIA, O BOM JORNALISMO, A DEMOCRACIA E A BOA GESTÃO DA ESCOLA


“Rapto do jornalismo

     Pedro Lozano Bartolozzi, professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra (Espanha), acaba de lançar um livro instigante: O rapto do jornalismo. O texto é uma reflexão sobre a nossa profissão, seus dilemas e seu fascínio. O jornalismo foi raptado pela perda de qualidade do seu conteúdo, pelo perigoso abandono de sua vocação pública e pela sua equivocada transformação em produto mais próprio para consumo privado. Bartolozzi defende a necessidade de que essa tendência seja revertida. É preciso recuperar o entusiasmo do “velho ofício”. É urgente investir fortemente na formação e qualificação dos profissionais. Sem jornalismo público, independente e qualificado, o futuro da democracia é incerto e preocupante.
     A sobrevivência dos meios tradicionais demanda foco absoluto na qualidade de seu conteúdo. A internet é um fenômeno de desintermediação. E que futuro aguarda os meios de comunicação, assim como os partidos políticos e os sindicatos, num mundo desintermediado? Só nos resta uma saída: produzir informação de alta qualidade técnica e ética. Ou fazemos jornalismo de verdade, fiel à verdade dos fatos, verdadeiramente fiscalizador dos poderes públicos e com excelência na prestação de serviços, ou seremos descartados por um consumidor cada vez mais fascinado pelo aparente autocontrole da informação na plataforma virtual.
     Os diários têm conseguido preservar seu maior capital: a credibilidade. A confiança da população na qualidade ética dos seus jornais tem sido um inestimável apoio para o desenvolvimento de um verdadeiro jornalismo de buldogues. O combate à corrupção e o enquadramento de históricos caciques da política nacional, alguns sofrendo o ostracismo do poder e outros no ocaso do seu exercício, só é possível graças à força do binômio  que sustenta a democracia: imprensa livre e opinião pública informada.
     A revalorização da reportagem e o revigoramento do jornalismo analítico devem estar entre as prioridades estratégicas. É preciso atiçar o leitor com matérias que rompam a monotonia do jornalismo de registro. Menos aspas e mais apuração. O leitor quer menos show e mais informação de qualidade. O sensacionalismo, embora festejado num primeiro momento, não passa pelo crivo de uma visão retrospectiva. Curiosidade não se confunde com aprovação. O prestígio de uma publicação não é fruto do acaso. A credibilidade não se edifica com descargas de adrenalina.
     Apostar em boas pautas – não muitas, mas relevantes – é outra saída. É melhor cobrir magnificamente alguns temas do que atirar em todas as direções. O leitor pede reportagem. Quando jornalistas, entrincheirados e hipnotizados pelas telas dos computadores, não saem à luta, as redações se convertem em centros de informação pasteurizada. O lugar do repórter é na rua, garimpando a informação, prestando serviço ao leitor e contando boas histórias. Elas existem. Estão em cada esquina das nossas cidades. É só procurar.
     Quem tem menos de 30 anos gosta de sensações, mensagens instantâneas. Para isso, a internet é imbatível. Mas há quem queira, e necessite, entender o mundo. Para esse público deve existir leitura reflexiva, a grande reportagem.
     Há um modelo a ser seguido? Nas experiências que acompanho, ninguém alcançou a perfeição e ninguém se equivocou totalmente. O perceptível é que os jornais estão lentos para entender que o papel é um suporte que permite trabalhar em algo que a internet e a rede social não fazem adequadamente: a seleção de notícias, jornalismo de alta qualidade narrativa e literária. É para isso que o público está disposto a pagar.
     Para mim, o grande desafio do jornalismo é a formação dos jornalistas. Se você for a um médico e ele disser que não estuda há 25 anos, você se assusta. Mas há jornalistas que não estudam nada há 25 anos. O jornalismo não é rotativa: o valor dele se chama informação, talento, critério. Por isso é preciso investir em jornalistas com boa formação cultural, intelectual e humanística – pessoas que leiam literatura, sejam criativas e motivadas. E, além disso, que sejam bons gestores. As competências são demasiadas? Talvez. Mas é o que nos pede um mundo cada vez mais complexo e desafiante.”
(CARLOS ALBERTO DI FRANCO. Diretor do Departamento de Comunicação do Instituto de Ciências Sociais (IICS), doutor em comunicação pela Universidade de Navarra (Espanha).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado na revista VEJA, edição 2317 – ano 46 – nº 16, de 17 de abril de 2013, páginas 96 e 97, de autoria de GUSTAVO IOSCHPE, que é economista, e que merece igualmente integral transcrição:

“Diretor de escola: o protagonista esquecido

     Quando se fala em educação, logo se pensa em professores e alunos. Cada vez há mais indícios, porém, de que esse foco na sala de aula é o típico caso em que não conseguimos ver a floresta por estarmos tão preocupados com as árvores. Salas de aula não flutuam por aí, afinal: o lócus do ensino é a escola, uma organização bastante complexa, que precisa reter bons profissionais, interessar e estimular alunos e agradar a pais e líderes políticos. Quem rege essa orquestra toda é o diretor  escolar.
     Sabemos relativamente pouco sobre ele. Alguns estudos mostram que a maneira como um diretor chega ao cargo é importante: escolas que têm diretor escolhido por processos que envolvem provas seguidas de eleições, ou pelo menos via eleição, têm alunos que aprendem mais do que aquelas em que o diretor é fruto de indicação política. Como costuma acontecer no Brasil, privilegiamos o caminho errado: os últimos dados mostram que 46% dos diretores de nossas escolas chegaram ao posto por indicação de alguém.
Outro erro que cometemos é imaginar que o diretor é um mero burocrata responsável por administrar as instalações físicas da escola e passar um corretivo nos baderneiros. O bom diretor, porém, faz bem mais do que isso. No livro Organizing Schools for Improvement, os autores definem bem as quatro áreas que o gestor escolar deve dominar: capacitação dos professores, criação de um clima propício ao aprendizado, envolvimento com a família e ensino ambicioso, visando ao ingresso na universidade.
     Alguns desses quesitos são difíceis de medir e quantificar. O trabalho de um bom diretor é indireto: assim como se nota o trabalho de um bom técnico pelo desempenho de seus jogadores, a virtuosidade de um diretor se manifesta pelo trabalho de seus professores. Um bom diretor consegue criar um clima ordeiro e organizado, em que alunos e professores podem dar o seu melhor com o mínimo de interrupções. Pesquisas demonstram que alunos aprendem mais naquelas escolas em que há um clima positivo e onde os professores reconhecem a liderança do seu diretor. Pesquisas internacionais (todas disponíveis em twitter.com/gioschpe) comprovam que, quando o diretor tem poder contratar e demitir professores, os alunos têm desempenho melhor. Outra pesquisa mostra que os diretores têm boa capacidade para prever, antes da contratação, quais serão os professores excelentes e quais os ruins. Faria sentido, portanto, mudar o processo de seleção de professores, que hoje se resume a um concurso público que avalia quase tudo – menos a capacidade do sujeito de ensinar um determinado conteúdo –, para um processo que envolva uma entrevista com os diretores escolares.
     O bom diretor escolar é um líder pedagógico, além de ser um bom gestor. Nas escolas de primeiras séries, há evidências de que o conhecimento do diretor sobre as matérias ensinadas e sua intervenção nas práticas dos professores – especialmente aqueles com dificuldades – melhoram o desempenho dos alunos. Nos anos mais avançados, é impossível para um diretor dominar todas as áreas, de forma que seu impacto precisa ser indireto, mas não por isso ele é menos importante. Pesquisas sugerem, por exemplo, que em aulas de linguagem uma estratégia em que os alunos se engajam através de questionamentos e uma postura interativa facilita o aprendizado, enquanto em aulas de matemática ocorre o oposto: estratégias em que o professor passa mais tempo explicando conceitos, formalizando o conhecimento, têm melhores resultados. O mau diretor acha que cada professor deve fazer o que bem entender. O bom diretor julga que todos precisam de orientação e que a escola deve ter um padrão. Por isso é que normalmente não se veem escolas com resultados muito díspares entre séries ou disciplinas. Ainda faltam pesquisas para esmiuçar esse fenômeno, mas em minhas andanças por escolas do Brasil afora ficam claros dois fatores. Primeiro, os semelhantes se atraem: professor descompromissado procura escola de diretor idem, e bons diretores fazem o possível para afastar os maus professores e atrair os bons. Uma diretora arretada de escola pública de Fortaleza me contou que uma de suas professoras tirava licença médica atrás de licença médica. Ela também trabalhava em uma escola particular, sé que a essa comparecia sempre. Quando a professora estava de licença, a diretora ligava para a escola particular e descobria que ela estava trabalhando. Depois de alguns meses em que teve seu comportamento desmascarado, a professora malandra pediu para sair. O segundo mecanismo é através do exemplo. Quando um professor sabe que seu diretor está batalhando e que vai cobrá-lo, isso é motivador. E vice-versa: visitei uma escola em Goiânia em que a diretora resolveu afrouxar as cobranças sobre alunos e professores porque queria se candidatar a vereadora e não convinha antagonizar ninguém. Os professores ficaram tão desmotivados, e trataram seus alunos com tanta indiferença, que logo a escola saiu do controle: os alunos, enraivecidos, começaram até a riscar o carro de professores.
     Outra marca do bom gestor escolar é a relação com a comunidade. Em linhas gerais, os bons diretores atraem os pais, trazendo-os para perto da escola. Só assim um pai ou mãe poderá monitorar, cobrar e ajudar os filhos. Os maus gestores só se lembram de que os pais existem quando precisam culpar alguém pelo insucesso da escola. Eles costumam tratar os pais com menosprezo e distância: para um pai marcar uma reunião com um diretor desses, é missão impossível. Bem diferente de uma marca freqüente do bom diretor: ele espera pais e alunos no portão da escola, todos os dias, na entrada e na saída. É uma oportunidade de estreitar o contato com os pais, comentar os problemas do dia a dia antes que cresçam e simplesmente se colocar à disposição de todos.
     Ainda estamos longe de desvendar todos os mistérios da boa gestão escolar, mas a pesquisa traz três achados encorajadores. O primeiro é que, no Brasil, onde a bagunça administrativa é generalizada, iniciativas muito simples para pôr a casa em ordem têm efeito significativo. Um programa de intervenção na gestão das escolas estaduais de São Paulo que se encontravam entre as 5% piores trouxe melhoras no aprendizado dos alunos de até incríveis 40%. Resultados que vêm com medidas simples como oferecer mais aulas de reforço, coibir faltas de professores e passar mais tempo visitando e acompanhando as salas de aula. O segundo é que o salário do diretor está diretamente relacionado com o aprendizado dos alunos, ao contrário do salário dos professores. É bem mais barato e eficaz mexer no salário de diretores (menos de 200 000 pessoas) do que no de professores e funcionários (mais de 5 milhões). Terceiro, o impacto da gestão escolar é enorme: pesquisas americanas sugerem que um quarto da disparidade de desempenho entre escolas é diretamente atribuível a diferenças de gestão. Depois das ações dos professores em sala de aula (que respondem por um terço), esse é o quesito mais importante na determinação do sucesso acadêmico dos alunos.”

Eis, pois, mais páginas contendo importantes, adequadas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:
     
     a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;
     
     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais avassaladores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;
     
     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e intolerável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

     Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tanta sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos e aeroportos); a educação; saúde; saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; logística; comunicações; turismo; esporte, cultura e lazer; sistema financeiro nacional; minas e energia; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...
     
     São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa das Confederações em junho; a 27ª Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro em julho; a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das empresas, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...
     
     Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...
    
     O BRASIL TEM JEITO!...


    

quarta-feira, 27 de março de 2013

A CIDADANIA, O TROTE E A VISÃO EVOLUTIVA DO APRENDIZADO


“Trote nosso de cada dia

Um dos fatos marcantes desta semana foi a divulgação de fotografias de calouros da Faculdade de Direito da UFMG em situação de constrangimento, com atitudes de racismo, fascismo e sexismo comandadas por alguns sorridentes alunos veteranos. Tratava-se do trote, uma instituição tão antiga como odiosa, que tem como “justificativa” o cumprimento de provas iniciáticas para que se configure o pertencimento dos novos postulantes a um lugar social de destaque. Com as mesmas explicações, atitudes semelhantes são observadas em outros contextos e sociedades. O que mostra que podemos ser ruins em matéria de humanismo em todos os lugares do mundo.
O que seria a repetição de um ritual ultrapassado e violento, cobrando ações de vigilância mais estritas e punições mais exemplares, no entanto parece simbolizar uma forma de autoritarismo que teima em deixar marcas numa sociedade pretensamente democrática e republicana. O que se viu guardado pelos muros da universidade foi uma atitude que repercute valores de exclusão social, discriminação, violência e certa arrogância de impunidade, dado o jeito orgulhoso com os torturadores morais possam para fotos.
Curiosamente, a imprensa de todo o país, mesmo condenando o ato, foi bastante condescendente com seus agentes, que, em atitude criminosa explícita (pelo menos racismo e cárcere privado – um estudante foi atado a um poste e outra acorrentada), tiveram seus rostos desfocados nas fotos, empenho que não se observa quando se trata de pessoas de outro meio social. Além disso, num exercício de negaceio, os crimes eram apresentados mais como decorrentes do sucesso do vazamento das imagens nas redes sociais do que por seu potencial de violência explícita.
Essa ambiguidade talvez retrate alguns aspectos que caracterizam o autoritarismo brasileiro, que tem nítidos elementos de classe. Não somos mais autoritários que os outros, mas possuímos elementos de distinção que vêm se fortalecendo historicamente. O fato de o trote ter sido flagrado numa universidade pública (de acesso mais difícil) e num curso de direito (território da legitimação social) torna ainda mais significativo o viés classista, em sua utilização de signos como a escravidão e a saudação nazista, típica da nova direita, que recusa a convivência com outras etnias e com migrantes.
O que caracteriza o autoritarismo brasileiro, do qual a atitude dos alunos, em sua irresponsabilidade, seria um exemplo selvagem, sem mediação aparente da cultura e das normas internalizadas? Quem melhor dissecou a face tipicamente brasileira do nosso autoritarismo foi a pensadora Chauí, em textos que servem ao mesmo tempo como instrumento de análise, reflexão e chamamento ético à ação transformadora da sociedade.

DESIGUALDADE Em primeiro lugar, o autoritarismo no Brasil parte da recusa da aceitação da igualdade. O mais básico dos princípios liberais, no país, se torna quase uma postulação política. A igualdade formal no Brasil é sempre coadjuvante da desigualdade nas relações sociais. O que era para ser diferença é tornado, na prática social, como inferioridade. É o que explica a homofobia, o racismo e o machismo, observados todos os dias, e, num extremo de anomia, a capacidade de guindar um deputado confessadamente racista e homofóbico ao posto de presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados ( o grave é que, no terreno da formalidade, tudo parece ser um desvio pessoal, quando se trata de um arranjo político que envolve todo o sistema representativo e a integralidade do processo de elaboração do ordenamento jurídico nacional).
         O segundo aspecto do autoritarismo pátrio é a tradução do princípio anterior  (a recusa da igualdade) numa impossibilidade prática de atitudes críticas e de contestação. Em outras palavras, marcados de nascença pela desigualdade estrutural, a sociedade traduz esse prejuízo em leis e atitudes  (repressão) que tendem a naturalizar o que é uma violência social. As normas existem para preservar privilégios, a repressão tem a função de silenciar as camadas populares, o aparelho jurídico é estruturado para garantir vantagens históricas, e não para instituir novos direitos.
         Vem daí, por exemplo, a noção de democracia praticada no país, que fortalece o polo do consenso e criminaliza o do conflito. Democracia deveria supor os dois lados, o acordo e o debate. Assim, o exercício dos protestos, a agitação social contra as injustiças, as ações de ocupação de terras improdutivas e áreas urbanas com déficit de moradia são sinal de vitalidade democrática. No entanto, a resposta, em nome da democracia fundada nos acordos de interesses particulares, traduzida em consensos que deveriam ser reformados, é sempre o cumprimento estrito das atitudes de repressão contra aquelas ações.
         O terceiro elemento do autoritarismo no Brasil, também identificado no caso do trote, é a indistinção entre as esferas pública e privada. Não parece haver no país uma percepção do público como espaço coletivo, mas apenas como terreno de exercício dos apetites privados de setores privilegiados. Do mesmo modo que o público é privatizado, o privado perde sua dimensão de intimidade quando serve aos interesses econômicos e políticos. Nosso autoritarismo é mestre em se apropriar do que é de todos e em invalidar a manifestação da individualidade dos cidadãos comuns.
         Por fim, na lista de defeitos de origem do autoritarismo tipicamente nacional estão a naturalização das desigualdades, operadas a partir do consenso vicário oferecido pelos meios de comunicação, e o fascínio pelos sinas de riqueza, poder e prestígio. Para adentrar no território dos doutores (é impressionante como os advogados gostam tanto do título que se chamam entre si de doutores o tempo todo, até mesmo nas relações menos formais) é preciso merecer. O merecimento, no caso brasileiro, é dado pela submissão a todos os preceitos acima e até mesmo a provas bem menos nobres, como trotes e outras ações de constrangimento ilegal, entre elas o puxa-saquismo explícito, pragas das mais reincidentes.
         Somos autoritários ao nosso modo. E, também com singular disposição, validamos a injustiça que daí decorre em vários momentos de nossa vida. Estudantes que se submetem ao vexame dos trotes apenas reproduzem, onde seria de esperar que estivessem livres em razão de sua posição social, atitudes consideradas justificadas  na vida do trabalhador comum. São situações diárias, como a revista no local de trabalho, a ameaça à participação sindical ou política, a cobrança de comportamento evasivo em matéria de sexualidade, a exigência de silêncio frente aos inúmeros assédios morais, entre outros. Trotes invisíveis que humilham no dia a dia. Isso para ficar apenas no campo do trabalho.
         A saída para o autoritarismo é um misto de denúncia tenaz e corajosa e de postulação de novos contextos de sociabilidade. Em outras palavras, de criação de um campo social de lutas que vá além do jogo viciado de um Estado sacralizado, de uma sociedade satisfeita em sua desigualdade, de uma política reduzida ao marketing narcisista e de uma democracia de meros procedimentos.
         A academia, que agora está no centro da roda com o trote dos acadêmicos de direito, tem obrigação não apenas de resolver essa questão de forma exemplar, como também de iluminar com conhecimento uma sociedade que permite tais abusos. Esse retrato não pode ser desfocado: é preciso que a universidade mostre sua cara.”
(JOÃO PAULO. Editor de Cultura, em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 23 de março de 2013, caderno PENSAR, coluna OLHAR, página 2).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado na Revista VEJA, edição 2313 – ano 46 – nº 12, de 20 de março de 2013, páginas 94 a 96, de autoria de GUSTAVO IOSCHPE, que é economista, e que merece igualmente integral transcrição:

“A visão evolutiva do aprendizado
        
         Até Freud, que só pensava... naquilo, reconheceu a descoberta mental como uma importante fonte de prazer para o homem em “A civilização e seus descontentes”. De fato, há poucas atividades mais estimulantes do que aprender coisas novas, conseguir perceber a luz onde antes só havia trevas.
         O aprendizado ocorre no cérebro. Durante muitos séculos, o cérebro foi tratado como uma caixa-preta, à qual não podíamos ter acesso direto, e cujas maquinações só poderiam ser depreendidas por meio da observação cuidadosa e perspicaz do comportamento de pessoas. A maioria dos profissionais de educação ainda subscreve esse paradigma. Sua visão sobre o funcionamento cerebral e, portanto, formada pelas hipóteses não científicas de pensadores da virada do século XIX para o XX, especialmente Jean Piaget (1896-1980),  Lev Vygotsky (1896-1934) e Henri Wallon (1879-1962).
         Desde essa época, porém, a compreensão que temos do cérebro fez grandes avanços, e a neurociência está conseguindo ligar habilidades e comportamentos humanos a áreas e processos cerebrais específicos, abandonando o modelo “caixa-preta” por outro em que o cérebro é percebido como um órgão material, que tem uma fisiologia, no qual agem células, neurotransmissores etc. Uma das descobertas que essa ciência já conseguiu fazer é que, ao aprendermos, mudamos a própria arquitetura física do órgão. Como bem descreve, no fascinante In Search of Memory, Eric Kandel – um dos líderes da pesquisa nesse campo, vencedor do Nobel de Medicina por suas contribuições –, a formação de uma memória de longo prazo altera nossa rede neuronal em pelo menos duas maneiras: não só aumenta a força do sinal da sinapse na área relevante como cria novas sinapses (as estruturas neuronais que permitem a passagem de um sinal químico ou elétrico entre neurônios vizinhos). É tão impossível entender como seres humanos aprendem sem compreender o funcionamento do cérebro quanto querer chegar de um lugar a outro sem saber o que são ruas, estradas, rios e pontes. E a maneira responsável de buscar esse conhecimento é por meio da ciência. Por mais brilhante que seja um observador da fase pré-científica, ignorar todo o avanço da ciência nas últimas décadas seria não apenas anacrônico como irresponsável.
         Um dos insights mais importantes desse período de pesquisa é que o cérebro é, assim como um olho ou braço, fruto de um processo evolutivo, moldado ao longo de centenas de milhares de anos para aumentar nossas possibilidades de reprodução e sobrevivência. Como bem mostra Steven Pinker em livros como How the Mind Works e The Blank Slate, a ideia de que nosso cérebro é uma tábula rasa cujos conteúdos são preenchidos exclusivamente por processos culturais é equivocada. Entre os muitos achados dessa visão evolutiva está a descoberta de que o cérebro evita o pensar. Pensar é uma atividade dispendiosa, tanto em termos de tempo como de energia, e sempre que possível o cérebro substitui o pensamento por um procedimento automático gravado na memória. (Já imaginou como seria impossível, por exemplo, dirigir um carro, se a cada esquina precisássemos pensar como fazer uma curva, como indicar aos outros motoristas que estamos dobrando, calcular o ângulo certo da virada do volante, pensar onde está a alavanca do pisca-alerta etc.?)
         Como mostra o psicólogo cognitivo Daniel Willingham em Why Don’t Students Like School?, o cérebro pensa em duas situações: quando é estritamente necessário (não há procedimento na memória que nos ajude) e quando nós acreditamos que seremos recompensados por resolver determinado problema. A recompensa? Pequenas doses de dopamina, um poderoso neurotransmissor associado aos circuitos de prazer do cérebro, liberado quando se resolve uma questão (e também durante o consumo de cocaína). Para que a dopamina seja liberada, o fundamental é calibrar a dificuldade do problema. Se ele é fácil demais e o aprendiz já sabe a resposta antes de pensar, não há pensamento nem, portanto, dopamina. Se ele é difícil demais e a pessoa já pressente que não conseguirá encontrar a solução, o cérebro “desliga-se”: não havendo a possibilidade de dopamina, não vale a pena gastar o maquinário neural.
         Mas o que é, em termos neurológicos, pensar? Pensar é combinar informações de maneira diferente. Essas informações podem vir do ambiente externo e/ou da memória de longo prazo. A memória de longo prazo é aquela que armazena informações e processos que estão fora da nossa consciência imediata. A tabuada, por exemplo: ela não estava na sua mente antes de eu mencioná-la e desaparecerá de nova em alguns minutos, mas, sempre que você precisar fazer uma multiplicação, ela virá, facilmente, à mente. O local do cérebro em que esse novo processamento de informações se dá é a memória operacional (ou de “trabalho”, do inglês working memory). A memória operacional tem capacidade limitada – e, quanto mais perto ela estiver de seu limite, mais difícil vai ficando pensar. Sua capacidade é determinada geneticamente. Pensar bem, portanto, envolve quatro variáveis: informações externas, do ambiente; fatos na memória de longo prazo; procedimentos na memória de longo prazo; e o tamanho do espaço disponível na memória operacional.
         A primeira implicação dessa descoberta é que o domínio de fatos não apenas ajuda no ato de pensar: ele é indispensável. Como mostra Willingham, décadas de pesquisa em ciência cognitiva revelam que, se você não domina as informações básicas de determinado assunto, não conseguirá ter um raciocínio analítico/crítico a seu respeito. Até a leitura se torna mais fácil se o cérebro já conhece o assunto em questão: a pesquisa mostra que uma pessoa com ótima habilidade de leitura e pouco conhecimento de um assunto entende menos de um texto sobre aquele tema do que outra pessoa que lê mal mas conhece o assunto. A ideia atualmente em voga de que não é necessário ensinar informações a alunos, já que elas estão disponíveis na internet, é, portanto, furada. O desafio não é ensinar sem memorização (o que é impossível), mas memorizar apenas o necessário para desenvolver as habilidades de pensamento crítico, descartando aquilo que é memorizado somente com o objetivo de ser regurgitado novamente em uma prova.
         Se a memória é importante, surge a outra pergunta fundamental: como o cérebro memoriza? Nosso cérebro ficaria sobrecarregado se memorizássemos tudo o que aprendemos? A maioria do que aprendemos passa pela memória de trabalho e é descartada, não chegando nunca à memória de longo prazo. Como decidimos o que é armazenado? Infelizmente isso não depende da nossa vontade de memorizar algo ou apenas da quantidade de vezes que tenhamos tentado. O cérebro decide da seguinte maneira: se você pensa cuidadosamente sobre algo, é porque é importante para você e provavelmente precisará ser pensado novamente – e, assim, deve ser retido. Na formulação de feliz de Willingham, “a memória é o resíduo do pensamento”. Se você pensar sobre algo e o entender, provavelmente vai se lembrar depois. Veja que essa compreensão deixa claro que o processo do pensamento é cumulativo: quanto mais se pensa, mais se conhece – e, quanto mais se conhece, mais fácil é o pensamento, e assim sucessivamente. Por isso é que crianças que vêm de situações de menos estímulo intelectual em casa precisam de uma escola excepcionalmente boa, e nos primeiros anos de ensino, para equiparar o jogo. Do contrário, os filhos de privilegiados terão uma vantagem exponencial e insuperável ao fim do processo escolar.
         E como um instrutor faz para que um aluno pense em algo? Provavelmente a resposta mais comum dos nossos professores seja “fazer com que aquele conteúdo tenha relevância para a vida do estudante”, apostando que a ligação emocional do assunto com a vida do aprendiz desperte sua atenção. A ciência da cognição sugere que essa não é uma boa aposta: existe uma relação entre emoção e memória, mas a emoção precisa ser bastante forte para que tenha impacto na memória, e claramente há poucos assuntos de um currículo que poderão ser ensinados assim. A chave para o aprendizado não está no que é ensinado, mas em quem o ensina e como. Deve haver uma conexão pessoal entre o aluno e seu mestre, e para que haja essa ligação o instrutor precisa ser percebido como uma pessoa do bem por seus alunos e ter uma aula bem organizada. Se não existir essa conexão pessoal ou se o material a ser ensinado não estiver bem organizado, não haverá aprendizagem. (Uma dica dos neurocientistas sobre como organizar o material: o cérebro humano adora histórias. Conte uma história.)
         A última lição da ciência da cognição é sobre a importância da repetição. Repetir um aprendizado aumenta nossas chances de dominá-lo. Primeiro, porque a repetição espaçada é um antídoto contra o esquecimento. Segundo, porque a repetição faz com que certos procedimentos sejam automatizados e, assim, possam sair da memória operacional e ir para a memória de longo prazo. Lembre-se: pensar ocorre quando combinamos novas informações, vindas do ambiente e/ou da memória de longo prazo, e isso acontece na memória de trabalho. Quanto mais espaço livre tivermos na memória de trabalho e quanto mais informações tivermos na memória de longo prazo, melhor será nossa capacidade de pensamento. A prática importa porque faz as duas coisas: ao automatizar processos, libera espaço na memória de trabalho e enriquece a memória de longo prazo.
         Talvez seja por isso que, apesar das reclamações de milhões de alunos e de séculos de tentativas de reforma educacional, a maioria das boas escolas de hoje não difere muito da Academia de Platão, de quase 2 500 anos atrás. O modelo socrático-platônico – no qual um professor emocionalmente envolvido com seus alunos é capaz de transmitir seus conhecimentos de maneira organizada e estimulante, exigindo ao mesmo tempo esforço contínuo de seus alunos – parece ter descoberto intuitivamente o que a ciência de dois milênios depois referendaria sobre o funcionamento de nosso cérebro. A escola continuará passando por muitas evoluções e refinamentos, mas revoluções só devem dar certo se nosso cérebro for significativamente alterado.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, adequadas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:
     
     a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;
     
     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais avassaladores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;
             
     c) a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e insuportável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tanta sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de extremas e sempre crescentes demandas, necessidades, carências e deficiências, o que aumenta o colossal abismo das desigualdades sociais e regionais e nos afasta num crescendo do seleto grupo dos sustentavelmente desenvolvidos...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e abundantes riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a 27ª Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro em julho; a Copa das Confederações em junho; a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das empresas, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...

O BRASIL TEM JEITO!...  

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

A CIDADANIA, O PRÉ-SAL, A EDUCAÇÃO E O BOM PROFESSOR


“A educação e o pré-sal

O estudo Indicadores de desenvolvimento sustentável-2012 e a Pesquisa por Amostragem de Domicílios (Pnad 2011), realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nos oferecem preciosas informações para consulta e tomada de decisões. Tais publicações nos permitem cruzar inúmeros indicadores das dimensões social, econômica, ambiental e institucional. Vamos fazer aqui uma análise de um indicador da dimensão social: a taxa de escolaridade. No perfil ideal de escolaridade para um país como o Brasil, o recomendável seria que a população dedicasse de 11 a 13 anos de sua vida aos estudos, mas somente 24,5% da população brasileira com mais de 25 anos tem 11 anos ou mais de estudo. Nos Estados Unidos, para efeito comparativo, 85,3% da população tem o equivalente ao nosso ensino médio e 27,9% tem curso superior.
         Mas a realidade aqui é outra. O que faremos para reverter essa situação? Ao relacionar a taxa de escolaridade nos últimos 16 anos com outros indicadores, podemos chegar a algumas conclusões. O índice Gini, que expressa o grau de concentração de renda da distribuição do rendimento da população (quanto mais próximo de zero maior a igualdade), passou, no Brasil, de 0,592 para 0,501, um decréscimo de 15,32%; a taxa de fecundidade, de 2,5 filhos para 1,9 filhos por família, um decréscimo de 24%. Todos esses índices têm relação entre si e mostram a importância da taxa de escolaridade para a geração de riquezas e consequente bem-estar para uma nação. Outro indicador relacionado à educação é a taxa de escolarização (percentual da população que frequenta a escola na sua faixa etária). Com idade entre 15 e 17 anos, a taxa de escolarização é de 83,7%, e entre 18 e 24 anos, é de 28,9%. Isso significa que temos hoje, no Brasil – pasmem – mais de 17 milhões de jovens fora da escola. Trata-se de um desafio gigantesco que temos pela frente: colocar nossos jovens na sala de aula.
Mas o que tem a ver a escolaridade do brasileiro com royalties do petróleo do pré-sal? Vejamos. Em 2011, havia no Brasil 53,8 milhões de estudantes, sendo que a rede pública era responsável por 78% desse total. Isso nos mostra que para melhorar a educação significativamente no país é preciso mais recursos financeiros e melhor gestão sobre esse montante e sobre o sistema educacional com um todo.
O Congresso Nacional, que vem discutindo esse assunto há anos, apresentou recentemente uma proposta de distribuição dos royalties entre os governos federal, estaduais e municipais, além da destinação desses para investimentos na educação. Houve um debate nacional entre os congressistas, mas não vimos nenhuma manifestação dos professores nem de seus representantes e muito menos dos estudantes.
Se os recursos financeiros dos royalties fossem destinados à educação, tomando como base a produção anual de petróleo brasileiro, somente isso corresponderia a um acréscimo de pelo menos o equivalente a 10% do investimento brasileiro atual em educação. Sabemos que isso não é o suficiente para mudar radicalmente a educação, mas também não é pouca coisa. Sem educação não haverá desenvolvimento sustentável, nem crescimento econômico que se sustente porque não haverá sociedade justa sem oportunidades para todos. A educação é a base.”
(RONALDO GUSMÃO. Presidente do Instituto de Educação Tecnológica (Ietec), em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 17 de fevereiro de 2013, caderno OPINIÃO, página 7).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado na revista VEJA, edição 2308 – ano 46 – nº 7, de 13 de fevereiro de 2013, páginas 80 e 81, de autoria de GUSTAVO IOSCHPE, que é economista, e que merece igualmente integral transcrição:

“Como identificar um bom professor
         
          Vou fazer uma pergunta fácil: você teve algum professor especial, que fez diferença na sua vida? Se você passou mais de dez anos estudando, aposto que não apenas a resposta foi positiva, como imediatamente lhe veio à mente aquele (a) professor (a). Agora, uma pergunta mais difícil: você poderia descrever as qualidades desse professor especial, de forma que seus atributos pudessem ser copiados por todos os outros professores em atividade?
         Uma série de estudos demonstra que um bom professor exerce influência substancial sobre seus alunos, não apenas durante o período escolar mas por toda a vida. Boa educação melhora a saúde, diminui a criminalidade e aumenta o salário. Eric Hamushec, pesquisador de Stanford, calcula que um professor esteja entre os 25% do topo da categoria e que tenha uma turma de trinta alunos gera, a cada ano, um aumento na massa salarial desses alunos de quase 500 000 dólares ao longo da vida deles. O problema é que, mesmo que todos saibam intuitivamente quem é um bom professor, ainda não conseguimos explicar e decompor o seu comportamento de forma que seja possível identificar os bons profissionais, promovê-los e reproduzir a sua atuação. Os estudos estatísticos, que se valem de dados facilmente quantificáveis, nos trazem alguns bons indícios – por exemplo, a experiência do professor só importa nos dois a cinco primeiros anos de carreira; professores que faltam às aulas têm alunos que aprendem menos; professores que obtiveram notas melhores em testes padronizados, estudaram em universidades mais competitivas e têm mais habilidade verbal exercem impacto positivo sobre o aprendizado dos alunos; quanto mais sindicalizados os professores, mais elas faltam e mais insatisfeitos estão com a carreira; e professores com expectativas mais altas para seus alunos também obtêm resultados superiores. Essas são todas variáveis “de fora”; estudos mais recentes começam a entrar na escola e na sala de aula e tentam explicar os componentes de um bom professor.
         Um estudo lançado em janeiro representa um grande passo à frente (esse e todos os outros estudos citados aqui estão em www.twitter.com/gioschpe). Patrocinado pela fundação Bill & Melinda Gates, ele conseguiu criar um “mapa da mina” para a identificação de bons professores, depois de acompanhar milhares de professores e alunos em sete distritos escolares americanos (incluindo Nova York, Dallas e Denver) ao longo de três anos. Normalmente, só cito neste espaço estudos publicados em revistas acadêmicas ou simpósios, que são revisados e criticados por outros acadêmicos, porque é pequena a probabilidade de uma fundação privada reconhecer em um relatório que, “depois de três anos de esforços e milhões de dólares gastos, não encontramos nada de relevante”.  Nesse caso, porém, creio que a exceção é justificada, não apenas por se tratar de uma fundação séria, que chamou pesquisadores renomados para o trabalho, mas também por seu design inovador.
         Em 2009-2010, o estudo tentou criar instrumentos que identificassem professores competentes. Chegou a um menu de três itens: observação de professores em sala de aula, questionários preenchidos pelos alunos e ganhos dos alunos em testes padronizados, ou seja, quanto os alunos daquele determinado professor ganhavam em aprendizado de um ano a outro nesses testes (equivalente ao nosso Enem ou Prova Brasil). Fez-se um trabalho cuidadoso para estabelecer quem deveria observar os professores, quantas vezes e olhando para quais dimensões; como inquirir alunos; e, no quesito valor agregado, teve-se a precaução de controlar  uma série de variáveis dos alunos (status social, situação familiar etc.) para que se pudesse isolar a qualidade do professor, não do aluno.
         Mesmo com todos esses cuidados, ainda há muito que não sabemos nem controlamos que pode interferir nos resultados. Pode ser que os melhores alunos procurem os melhores professores, os que os melhores professores escolham dar aulas para turmas ou séries melhores, e aí o que pareceria o impacto do professor seria uma complexa interação entre professores e alunos que inviabilizaria qualquer análise. (Seria como examinar a eficácia de um médico julgando apenas a taxa de cura de seus pacientes. Se os casos mais complicados procuram os melhores médicos, ou se os melhores médicos procuram os pacientes mais intratáveis, é provável que os melhores médios e os piores tenham pacientes com expectativa de vida similar, apesar e de terem competências radicalmente distintas.) A fundação então conseguiu fazer o que se faz nas ciências exatas para isolar o efeito de uma variável: no ano seguinte, distribuiu os professores aleatoriamente. A turma a que cada um ensinaria foi totalmente determinada por sorteio. Mais de 1 000 professores, atendendo mais de    60 000 alunos, participaram. E os resultados são fascinantes.
         Em primeiro lugar, a performance esperada dos professores ficou muito próxima da performance real (ambas medidas pelo aprendizado de seus alunos). Ou seja, os professores identificados como bons através das observações de seus pares, questionários de alunos e valor agregado em anos anteriores continuaram, grosso modo, sendo bons professores ensinando a turmas aleatoriamente escolhidas.
         Em segundo lugar, foi possível sofisticar o modelo. Testaram-se quatro variações das ferramentas de avaliação dos professores, e notou-se que uma das melhores combinações era aquela que dava peso igual (33% a cada um) aos três componentes (performance em teste, observação e questionário de alunos). Quando alguns professores reclamam que é reducionismo avaliá-los somente pela performance de seus alunos em testes, aparentemente têm razão: é melhor adicionar essas duas outras variáveis. Também se testaram vários modelos diferentes de observação docente, desde aquele em que o professor é avaliado por seu diretor até versões mais complexas. Os modelos mais confiáveis se mostraram aqueles em que o professor foi avaliado por pelo menos quatro observadores, em aulas diferentes, sendo dois deles pessoas da administração da escola (é importante que seja mais de uma para evitar a influência de conflitos/preferências pessoais) e dois, outros professores, treinados para a tarefa.
         Nenhum estudo é definitivo, muito menos um feito por uma fundação, e nada garante que os mesmos achados serão encontrados no Brasil, ainda que  normalmente o que apareça nos Estados Unidos também se verifique aqui. Mas, ante o modelo atual, obviamente fracassado, em que o professor é contratado por concurso no início da carreira e depois fica esquecido em sua sala de aula, fazendo o que bem entender e sendo promovido por nível de estudo e experiência, o horizonte descortinado por essa pesquisa é bem mais promissor. Precisamos encontrar e premiar os bons professores. E ter ferramentas objetivas e mensuráveis para tirar os maus profissionais da sala de aula. Sem isso, dificilmente sairemos dessa pasmaceira.”

Eis, portanto, mais importantes, pedagógicas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, soberanas, civilizadas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:
      
     a) a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até à pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;
     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de variada ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;
     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de astronômico e intolerável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tanta sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); educação; saúde; saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; emprego, trabalho e renda; moradia; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; agregação de valor às commodities; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; esporte, cultura e lazer; turismo; comunicações; sistema financeiro nacional; minas e energia; qualidade (planejamento, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade), entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, qualificada, civilizada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que permita a partilha de suas extraordinárias riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a 27ª Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro em julho; a Copa das Confederações em junho; a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, segundo as exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das empresas, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...

O BRASIL TEM JEITO!... 





  
        







segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

A CIDADANIA, AS METAS SAUDÁVEIS, A EDUCAÇÃO E A GESTÃO MUNICIPAL

“Metas saudáveis para começar o ano

Novas metas são um assunto em que pensamos no início de cada ano. Ano novo, novos objetivos, mas esses são frequentemente esquecidos nesses 365 dias. Comecemos por uma balanço do ano anterior: quais as metas que estabeleci para mim que foram efetivamente realizadas? Por exemplo: decidi emagrecer e não obtive êxito. Por que deixei de lado essa resolução?

A partir dessa análise, podemos conservar o que parece razoável e fixar novas metas que sejam realizáveis: faça uma lista daquilo que pretende alcançar em 2013, examine cada uma delas e experimente testá-las. Converse com seus amigos, torne públicos os seus objetivos e, se preciso, pela ajuda àqueles com quem você pode contar. Sejam quais forem suas metas estabelecidas, há dois grupos de objetivos que parecem essenciais como metas saudáveis para começar o ano: o cuidado de si e o aprimoramento das relações com os outros – pessoas, animais e planeta.

O conceito de si é a ideia que um indivíduo constrói de si mesmo. Esse sentimento subjetivo é o resultado de múltiplos pensamentos inconscientes e conscientes, de percepções e atitudes. Muitas vezes, essa ideia é influenciada pela mídia e pelos efeitos de moda que seduzem os indivíduos por certas conotações imaginárias relativas à designação de felicidade e de bem-estar que se articulam em torno de arranjos sociais que sustentam o sistema de produção e de consumo de massa. As mercadorias consumidas demarcam lugares e status ao consumidor, assim como definem o sentido de bem-estar ou sofrimento, de inclusão ou exclusão no sistema, de acordo com os modelos propagados pela mídia.

A homogeneização dos desejos – intrinsecamente ligados ao imaginário consumista – estabelece a padronização do consumo e, a partir da igualdade, são criados os parâmetros com os quais os ideais de bem-estar e felicidade serão mensurados e comparados entre os consumidores. A cultura de consumo está alicerçada na evidência às pessoas de lados sempre insatisfeitos de seu ser, ou seja, daquilo que as faz sofrer, e a eficácia da manipulação situa-se na capacidade de a mercadoria se encaixar nos interesses e objetivos dos indivíduos manipulados. Portanto, tente não se deixar levar excessivamente pelos inúmeros apelos que nos “convidam” a ser mais assim ou menos assado. Olhe para você e analise o que, realmente, pode ser modificado, a fim de que sua vida seja mais leve e saudável, sem que essa intervenção venha promover modificações que possam trazer prejuízos à sua saúde.

Apesar de vivermos em uma cultura marcada intensamente pelo culto de si e pelo hipernarcisismo, devemos introduzir como tema fundamental para o estabelecimento de metas saudáveis o cuidado com os outros. Esse requer de nós uma disposição, uma sensibilidade e uma prática que devem ser regidas por um grande princípio: a empatia – a capacidade de sentir e de compreender a emoção de outros. Vivemos em sociedade e, dessa forma, o que atinge os outros também nos atinge. Se queremos um mundo melhor, temos de ser os primeiros a praticar a solidariedade, o respeito, a tolerância e as pequenas gentilezas nos atos cotidianos.

Não precisamos fazer muito esforço para perceber a perda de princípios e o declínio da ética nas relações sociais. Entretanto, a ética é a base de toda e qualquer sociedade saudável e, dessa forma, estamos doentes. Sem ética, uma sociedade torna-se corrupta, desonesta, injusta, desigual e imoral. Portanto, para o ano que se inicia, vamos retomar o sentido ético de todas as relações nas suas mais simples formas e, certamente, além de entrar no ano novo, começaremos um novo ano, com novas práticas saudáveis. Tão fáceis de ser alcançadas!”

(MARÍLIA ANTUNES DANTAS, Psicóloga e coordenadora do curso de pós-graduação em psicossociologia da saúde mental da Faculdade de Medicina de Petrópolis (FMP/Fase), em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 5 de janeiro de 2013, caderno OPINIÃO, página 7).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado na revista VEJA – edição 2302 – ano 46 – nº 1, de 2 de janeiro de 2013, de autoria de Gustavo Ioschpe, que é economista, e que merece igualmente integral transcrição:

“Se eu fosse prefeito

Desde as eleições têm pipocado pedidos de vereadores e prefeitos eleitos para orientações sobre como construir um sistema educacional de qualidade. Impossibilitado de atender a todos eles, vou transformar a consultoria em um artigo, criando o benefício adicional da transparência: espero que ajude não apenas os novos mandatários mas também você, leitor, a cobrar seus representantes eleitos. Obviamente, cada cidade tem a conjuntura e os seus problemas específicos, então o que se segue é um arremedo de políticas públicas de sucesso que são aplicáveis a uma cidade com os problemas usuais das cidades brasileiras. Se eu fosse prefeito de uma cidade comprometida para valer com a educação, eis as medidas e estratégias que procuraria adotar:

. Forjar alianças. O maior problema de quem quer melhorar o sistema educacional é a solidão. A maioria da população acha que a escola do filho é boa e não demanda melhorias. Os sindicatos de professores e funcionários, muito numerosos, só aceitam mudanças que envolvam maiores salários e menos trabalho. Na ausência de uma força que se contraponha ao peso dos sindicatos, qualquer batalha por avanços está perdida. O líder político precisa mobilizar uma coalizão que lhe dê sustentação para encarar as batalhas que virão. Batalhas que serão tão encarniçadas quanto maior for o escopo das mudanças propostas. Há uma série de aliados potenciais, desde grupos da elite – empresários, mídia, Igreja, Judiciário – até, preferencialmente, a população inteira. Para mobilizar pais de alunos, não adianta falar de generalidades; é preciso mostrar que a escola dos filhos é ruim, e que os problemas impedem os projetos de vida dos filhos. Minha sugestão é o Ideb na Escola (www.idebnaescola.org.br): colocar uma placa na entrada de todas as escolas com o seu Ideb. A iniciativa já foi aprovada nos estados de Minas Gerais e Goiás e em cidades como Rio de Janeiro, Vitória, Belém e outras.

. Intervir no que acontece no dia a dia das salas de aula. A maioria dos gestores se contenta em garantir que a infraestrutura das escolas esteja em ordem, que os livros e a merenda cheguem ao destino, que os salários sejam pagos. Isso é necessário, mas não é remotamente suficiente para assegurar um ensino de qualidade. O que importa é aquilo que acontece quando professores e alunos se encontram, na sala de aula. A primeira tarefa é fazer com que esse encontro ocorra: zerar as faltas de professores e alunos. A segunda é que o tempo seja bem aproveitado: nada de atrasos, perda de tempo com avisos e bate-papos o consumo da aula colocando matéria no quadro-negro para a molecada copiar. Aula boa é aquela que começa e termina no horário e é ocupada em sua integridade por discussões relacionadas à matéria, o que envolve muita participação dos alunos via pergunta e resposta e professor preparado. A China adotou uma maneira inteligente de garantir o preparo dos professores. As escolas têm poucas séries (quatro, em geral) e muitas turmas por série, o que faz com que haja mais de um professor por matéria/série. Aí, criam-se grupos de estudos dos professores que ensinam a mesma matéria na mesma série; eles se encontram pelo menos a cada quinzena para planejar aulas e trocar experiências, garantindo que todas as aulas sejam devidamente planejadas e que os professores com dificuldades tenham alguém em quem se apoiar. Uma vez por mês, os professores da cidade, de cada matéria e grupo etário, se reúnem e recebem uma aula magna do professor que tiver ministrado a melhor aula sobre o conteúdo que estiver sendo estudado naquele momento. Assim, as melhores práticas de um professor ou escola contaminam toda a rede. No Brasil, mesmo em uma cidade que vai muito mal no ensino, é comum haver pelo menos uma escola ou professor que faça um trabalho excelente, e que poderia ensinar aos demais como melhorar.

. Fazer monitoramento constante e intervenção rápida. Os bons sistemas educacionais acompanham o desempenho dos alunos continuamente e agem antes que o problema se torne insolúvel e o aluno tenha de repetir o ano. Daí a importância fundamental do dever de casa, especialmente nas exatas. Se o professor prescreve dever de casa todos os dias, ele libera tempo valioso de aula para explicação e resposta a dúvidas, deixando os exercícios para casa. Também tem uma ferramenta preciosa para mensurar seu próprio trabalho: se o dever de casa mostra que a maioria dos alunos não está aprendendo o esperado, o professor precisa mudar de tática. A mesma lógica vale para o uso constante de avaliações (provas): não apenas obriga o aluno a estudar (e quem mais estuda mais aprende) como dá ao professor recursos para entender se está trabalhando da maneira correta. O ideal é que as avaliações sejam as mesmas para toda a rede, de forma que o gestor possa identificar o progresso no geral, sem subjetividade. O mais importante, porém, é o que ocorre depois da avaliação. Nos maus sistemas de ensino, um resultado abaixo do esperado produz tristeza e resignação, às vezes culpabilização dos alunos e das famílias. Nos bons, gera programas de intervenção imediata para o aluno com dificuldade, que podem ter vários formatos, desde reforço no contraturno até maior atenção do professor em sala de aula. A escola entende que os problemas são seus, não de terceiros.

. Ter diretores qualificados em todas as escolas. É preciso acabar com o modelo segundo o qual os diretores chegam ao cargo por conexões políticas ou por ser populares junto à comunidade. O melhor modelo de seleção de diretores é aquele em que os candidatos passam por provas técnicas e, só depois disso, os finalistas vão para uma eleição na comunidade escolar. O diretor precisa ser uma referência acadêmica, não um simples administrador/burocrata. Precisa dar o norte da escola, acompanhar constantemente o trabalho dos professores dentro da sala de aula e estar em contato com os alunos e seus familiares (um traço comum a muitos bons diretores é que eles ficam no portão da escola nos horários de chegada e saída, valendo-se dessa oportunidade para falar com pais e alunos e procurar descobrir o que pode ser melhorado na escola). No caso dos diretores, a pesquisa mostra que o salário está relacionado ao desempenho: quanto mais altos os salários, maior o aprendizado das crianças da escola. Portanto, selecione e remunere bem os diretores de escola. E, importante, crie ferramenta para que os maus diretores possam ser demitidos. Para quem se preocupa com educação de qualidade, diretor de escola é cargo-chave.

. Focar a alfabetização. Todos os alunos devem terminar o 1º ano alfabetizados. No máximo, é tolerável que os alunos com dificuldades concluam sua alfabetização ao longo do 2º ano. Essa precisa ser a prioridade total do gestor municipal, pois sem essa competência o aluno não conseguirá progredir em sua vida educacional a contento. O domínio das operações matemáticas nos primeiros anos também é fundamental. Minha sugestão é que o currículo mantenha o foco nessas duas áreas (português e matemática) até garantir que a tarefa esteja cumprida, mesmo que seja necessário sacrificar a carga horária de outras matérias nos anos iniciais.

. Criar e comunicar expectativas altas – para todos. A maioria dos gestores brasileiros já começa aceitando o fracasso, tolerando como natural o fato de que alguns alunos simplesmente não conseguirão aprender. Esse tipo de pessimismo é uma praga que se alastra pelo sistema: se o fracasso é aceitável, não há por que cobrar os diretores, nem estes os seus professores, nem estes os seus alunos. Os sistemas de excelência estabelecem metas ousadas e não admitem que nenhum aluno fique para trás. E isso é comunicado, a cada início de ano e todos os dias em aula, aos alunos e a seus pais. Não seja um gestor de crise: seja o parteiro da excelência.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, pedagógicas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças, em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, soberanas, civilizadas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

a) a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de seis anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento) –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

b) o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de variada ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;

c) a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de astronômico e intolerável desembolso da ordem de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, uma previsão de R$ 610 bilhões), igualmente a exigir uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tanta sangria, que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a confiança em nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado das sempre crescentes demandas, necessidades, carências e deficiências (haja vista os vergonhosos indicadores sociais, econômicos e ambientais, a precariedade e insuficiência de nossa infraestrutura – rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, incipiente mobilidade urbana, elevado déficit habitacional, atraso nos sistemas de energia e comunicações, caos no saneamento ambiental – água, esgoto, resíduos sólidos, macrodrenagem urbana, extrema vulnerabilidade quanto aos acidentes naturais – enchentes, inundações, deslizamentos, assoreamentos de cursos de água, secas prolongadas...), o que aumenta o colossal abismo das nossas desigualdades sociais e regionais e nos afasta num crescendo do seleto grupo dos sustentavelmente desenvolvidos...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação justa, ética, educada, qualificada, civilizada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que permita a partilha de suas extraordinárias riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a 27ª Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro em julho; a Copa das Confederações de junho; a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, segundo as exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das empresas, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da paz, da liberdade – e com equidade – e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...

O BRASIL TEM JEITO!...