sexta-feira, 6 de novembro de 2015

A CIDADANIA, A FORÇA DA ECOLOGIA HUMANA E INTEGRAL E A LUZ DA FAMÍLIA NA SOCIEDADE

“Albert Schweitzer e o respeito 
ao valor intrínseco de cada ser
        A esplêndida encíclica do papa Francisco “sobre o cuidado da Casa Comum” insiste continuamente que cada ser, por menor que seja, possui valor intrínseco e tem algo a nos dizer, ademais de estar sempre interconectado com todos os demais seres.
         Essas reflexões nos remetem ao pensador que melhor analisou o ilimitado respeito a tudo o que existe e vive no Ocidente: o médico suíço Albert Schweitzer (1875-1965). Ele se tornou famoso exegeta bíblico, com vasta obra especialmente sobre questões ligadas à possibilidade ou não de se fazer uma biografia científica de Jesus.
         Em consequência de seus estudos sobre a mensagem de Cristo, especialmente do “Sermão da Montanha”, com sua centralidade no pobre e no oprimido, Schweitzer resolveu abandonar tudo e estudar medicina. Em 1943, foi para a África como médico em Lambarene, no atual Gabão, estabelecendo-se exatamente naquelas regiões que foram dominadas e exploradas furiosamente por colonizadores europeus. Disse explicitamente, numa carta, que “o que precisamos não é enviar para lá missionários que queiram converter os africanos, mas pessoas que se disponham a fazer para os pobres o que deve ser feito. Se o cristianismo não realizar isso, perdeu seu sentido”. E continua: “Minha vida não é nem a ciência, nem a arte, mas tornar-me um simples ser humano que, no espírito de Jesus, faz alguma coisa, por pequena que seja”.
         Em seu hospital no interior da floresta tropical, entre um atendimento e outro de doentes, tinha tempo para refletir sobre os destinos da cultura e da humanidade. Considerava a falta de uma ética humanitária a crise maior da cultura moderna. Tudo em sua ética gira ao redor do respeito, da veneração, da compaixão, da responsabilidade e do cuidado para com todos os seres, especialmente aqueles que mais sofrem.
         À vontade de poder de Nietzsche, Schweitzer contrapõe a vontade de viver. “A ideia-chave do bem consiste em conservar a vida, desenvolvê-la e elevá-la ao seu máximo valor; o mal consiste em destruir a vida, prejudicá-la e impedi-la de se desenvolver. Esse é o princípio necessário, universal e absoluto da ética”.
         Para Schweitzer, as éticas vigentes são incompletas porque tratam apenas dos comportamentos dos seres humanos face a outros seres humanos e se esquecem de incluir outras formas de vida que se nos apresentam. O papa, em sua encíclica, faz uma rigorosa crítica a esse antropocentrismo. O respeito que devemos à vida “engloba tudo o que significa amor, doação, compaixão, solidariedade e partilha”.
         Como a nossa vida é vida com outras vidas, a ética do respeito à vida deverá ser sempre um conviver e um “consofrer” com os outros. Numa formulação sucinta, afirma: “Tu deves viver convivendo e conservando a vida, esse é o maior dos mandamentos na sua forma mais elementar”. Daí derivam comportamentos de grande compaixão e cuidado.
         A ética do respeito e do cuidado de Albert Schweitzer une inteligências emocional, cordial e racional, num esforço de tornar a ética um caminho de salvaguarda de todas as coisas e de resgate do valor que elas possuem em si mesmas. O maior inimigo dessa ética é o embotamento da sensibilidade, a inconsciência e a ignorância, que fazem perder de vista o dom da existência e a excelência da vida em todas as suas formas.
         O ser humano é chamado a ser o guardião de cada ser vivo. Ao realizar essa missão, ele alcançará o grau maior de sua humanidade e se sentirá pertencendo a um todo maior, superando a falta de enraizamento e a solidão dos filhos da modernidade.”

(LEONARDO BOFF. Filósofo e teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 30 de outubro de 2015, caderno O.PINIÃO, página 18).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, mesma edição, caderno OPINIÃO, página 7, de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente integral transcrição:

“Família, tocha acesa
        O papa Francisco, com a realização do Sínodo sobre a Família, acende tocha que torna clara uma necessidade: todos devem cuidar e investir mais na família, célula vital para a sociedade. As reflexões no âmbito da compreensão antropológica têm grande importância, particularmente quando são afrontados conceitos e posicionamentos advindos dos desvios cultivados na impostação da ideologia de gênero. Uma temática que precisa ser bem acompanhada, discutida e esclarecida para que não se entre em “canoa furada”. Não se pode permitir a desconstrução da compreensão antropologicamente compreendida e consolidada sobre o que é a família, fundamentada nos princípios inegociáveis da profissão de fé cristã.
         Todos devem se empenhar nesse sentido para que descompassos não sejam introduzidos nos processos de educação e na opinião pública. Também importante é a corajosa voz da Igreja e dos cristãos em sintonia com outros segmentos que professam os mesmos valores insubstituíveis, fonte de disciplinas e ritos que não podem ser relativizados, pois se localizam em horizontes do direito natural e das verdades da fé, com bases no Evangelho.
         Assim, a energia que deve ser investida de modo prioritário não pode, simplesmente, se restringir na reafirmação contínua em torno do que não se muda. É preciso proporcionar a assimilação e prática desses princípios e valores. Essas são tarefas irrenunciáveis da Igreja, sem contemporizações. Obrigações que incluem muitos outros entendimentos importantes para que se alcance a consideração da família como a primeira escola da fé no âmbito importante da missão evangelizadora da Igreja. A tarefa diária é fazer da família, efetivamente, célula vital para a construção de uma sociedade melhor. Eis o desafio, a ser enfrentado com a clarividência conceitual, a partir de contribuições imprescindíveis da doutrina da fé, do inconfundível sentido e alcance antropológico do que é família, sem inovações “facilitadoras” e até mesmo permissivas.
         A família é a primeira sociedade natural e tem que estar no centro da dinâmica social. O risco de relega-la a um papel subalterno é a produção de um gravíssimo dano ao autêntico crescimento da sociedade. Ora, família é o fundamento da vida das pessoas e, consequentemente, o inigualável modelo de todo o ordenamento da civilização. Absolutamente nenhuma experiência ou organização se compara com a singularidade própria da instituição familiar, determinante na formatação do caráter, do desenvolvimento de competências emocionais e subjetivações, no enraizamento de vivências que nutrem cidadanias. Bastaria pensar, entre outros aspectos ricos e variados, a aprendizagem da capacidade de se relacionar, própria do contexto familiar – o reconhecimento da importância do outro.
         No horizonte dos mais variados segmentos sociais, incluindo governos e instituições diversas, faz-se necessária uma interpelação. Quais investimentos são realizados em benefício da família, instituição estratégica no enfrentamento da violência, da cultura da corrupção e da imoralidade? A instituição familiar necessita de mais atenção. Sem novas atitudes em sua defesa, não será possível a qualificação do tecido social. Bobagens vão se multiplicar e as perspectivas continuarão sombrias. Não menos desafiadora é a tarefa da Igreja, que deve buscar práticas pedagógicas e experienciais novas, capazes de consolidar cada vez mais a instituição familiar como primeira escola da fé. O papa Francisco convoca todos a fortalecerem a chama da família, tocha acesa que ilumina os passos da sociedade.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)      a educação – universal e de qualidade –, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas (enfim, 125 anos depois, a República proclama o que esperamos seja verdadeiramente o início de uma revolução educacional, mobilizando de maneira incondicional todas as forças vivas do país, para a realização da nova pátria; a pátria da educação, da ética, da justiça, da civilidade, da democracia, da participação, da sustentabilidade...);

     b)      o combate implacável, sem eufemismos e sem tréguas, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero (segundo dados do Banco Central, a taxa de juros do cartão de crédito atingiu em setembro a estratosférica marca de 414,30% para um período de doze meses; e mais, também em setembro, o IPCA acumulado nos últimos doze meses chegou a 9,49%...); II – a corrupção, há séculos, na mais perversa promiscuidade  –  “dinheiro público versus interesses privados” –, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem (a propósito, a lúcida observação do procurador chefe da força-tarefa da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol: “A Lava Jato ela trata hoje de um tumor, de um caso específico de corrupção, mas o problema é que o sistema é cancerígeno...” – e que vem mostrando também o seu caráter transnacional;  eis, portanto, que todos os valores que vão sendo apresentados aos borbotões, são apenas simbólicos, pois em nossos 515 anos já se formou um verdadeiro oceano de suborno, propina, fraudes, desvios, malversação, saque, rapina e dilapidação do nosso patrimônio... Então, a corrupção mata, e, assim, é crime...); III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, indubitavelmente irreparáveis (por exemplo, segundo Lucas Massari, no artigo ‘O Desperdício na Logística Brasileira’, a “... Desconfiança das empresas e das famílias é grande. Todos os anos, cerca de R$ 1 trilhão, é desperdiçado no Brasil. Quase nada está imune à perda. Uma lista sem fim de problemas tem levado esses recursos e muito mais. De cada R$ 100 produzidos, quase R$ 25 somem em meio à ineficiência do Estado e do setor privado, a falhas de logística e de infraestrutura, ao excesso de burocracia, ao descaso, à corrupção e à falta de planejamento...”;

     c)       a dívida pública brasileira - (interna e externa; federal, estadual, distrital e municipal) –, com projeção para 2015, apenas segundo a proposta do Orçamento Geral da União, de exorbitante e insuportável desembolso de cerca de R$ 1,356 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (ao menos com esta rubrica, previsão de R$ 868 bilhões), a exigir alguns fundamentos da sabedoria grega:
- pagar, sim, até o último centavo;
- rigorosamente, não pagar com o pão do povo;
- realizar uma IMEDIATA, abrangente, qualificada, independente e eficaz auditoria... (ver também www.auditoriacidada.org.br)
(e ainda a propósito, no artigo Melancolia, Vinicius Torres Freire, diz: “... Não será possível conter a presente degradação econômica sem pelo menos, mínimo do mínimo, controle da ruína das contas do governo: o aumento sem limite da dívida pública...”);

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade – “fazer mais e melhor, com menos” –, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo e nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa, justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática e desenvolvida, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a   Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do Pré-Sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!

“VI, OUVI E VIVI: O BRASIL TEM JEITO!”  
  


     

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