“Os
intoleráveis atrasos da Justiça
Uma voz autorizada como
a de Montesquieu sustentava, já há alguns séculos, um princípio de grande
atualidade, resumido em poucas e simples palavras: “Justiça tardia é justiça
negada”. Sem dúvida, todos os que lidam na área do direito, desde os jusfilósofos,
cientistas e doutrinadores, mormente na esfera dos direitos humanos, aos
advogados atuantes, têm plena consciência disso. Nunca é demais, entretanto,
que se detenha e se reflita sobre uma afirmação que, de tão simples na
aparência, carrega inexcedível alcance.
Em um
Estado democrático de direito, o tempo da Justiça – ou a duração razoável do
processo, como está na Constituição do Brasil – constitui constante preocupação
e um problema que, definitivamente, não pode ser desprezado, até porque
trata-se de preceito constitucional. Haja vista o esforço que vem sendo feito
em praticamente todos os segmentos da sociedade civil – legisladores,
magistrados e suas associações, alguns políticos, imprensa etc. –, no sentido
da reforma do Poder Judiciário ou, com maior eficácia, no sistema de
distribuição de justiça, seja por meio de inovações processuais, como o
redimensionamento do sistema de recursos e medidas processuais, seja pela firme
determinação de criação de instâncias de decisão alheias à jurisdição, quais sejam,
a mediação e a conciliação pré-processuais. Esses sistemas, aliás, como se
sabe, já são amplamente utilizados em vários países.
O fato
é que – para utilizar um conceito em voga – novos paradigmas têm surgido e tudo
indica que só com o firme propósito de inovar será possível resolver o problema
de uma Justiça embaraçada de processos de tal forma lentos e passíveis de
constituir fonte de graves lesões em matéria de direitos humanos. É verdade que
a jurisdição se faz concreta em competências diversas, como diz um autor
italiano, como a civil e a penal, a tributária, a trabalhista, a militar, e que
cada uma delas pode ser menos lenta do que outras. Mas a média não ajuda.
É
claro que não seria possível apontar, neste pequeno artigo de cariz
jornalístico, as razões dos atrasos. Pode-se pensar, contudo, sem qualquer
pretensão científica, com talvez convenha ao cidadão, em alguns aspectos
visíveis a olhos nus do leito: a quantidade de trabalho nas mesas dos juízes, a
carência de pessoal e de fundos, o formalismo judiciário – um sistema
excessivamente burocrático que exige dos magistrados, dos advogados e dos
cidadãos uma série de inúteis atividades rituais que só encarecem a Justiça,
reformas legislativas ineficazes –, a ausência de efetiva valorização da magistratura
e assim por diante.
A
propósito deste último tema, aliás, é na confiança na Justiça que, em um Estado
democrático, se funda a convivência em todos os setores sociais, confiança que
– e imperativo dizer – muitas vezes, não existe porque, lamentavelmente, a
sociedade não tem ciência, na medida exata, da atividade judiciária e se deixa
levar por mal-entendidos, equívocos e juízos incorretos. Em pesquisa feita pela
Fundação Getúlio Vargas em abril de 2013, referente ao quarto trimestre de
2012, para aqueles que não acionaram o Judiciário para solucionar conflitos de
direito do trabalho, do consumidor e de acidente de trânsito, o argumento
preponderante está relacionado aos aspectos da administração da Justiça, já que
65% dos entrevistados que enfrentaram o Judiciário deixaram de fazê-lo ao
fundamento de que a resolução demoraria muito, que seria caro ou porque não
confiavam no Judiciário para a solução dos conflitos.
É
claro que não se pode desprezar o princípio do devido processo legal, de amplo
conhecimento no meio jurídico e atualmente tão bem resguardado pela
Constituição da República. Mas é indispensável que se precise de forma salutar
esse princípio, a fim de que em sua essencialidade ele não se perca em
procedimentalismos nocivos e autênticos labirintos de sucessão de atos que
impedem a tão desejada efetividade do processo.
Enquanto
a solução não chega, vão-se estudando novas fórmulas – algumas mirabolantes –
para a questão. Mas até esta empreitada é lenta. Não que se pretenda uma
panaceia galopante e açodada. Mas há de ter vontade. Demais de tudo isso, o que
conta e importa, no fundo, reduz-se a uma pergunta essencial: a quem interessa
a lentidão da Justiça?”
(MÁRCIO
FLÁVIO SALEM VIDIGAL. Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª
Região, em artigo publicado no jornal ESTADO
DE MINAS, edição de 11 de outubro de 2013, caderno DIREITO & JUSTIÇA, página principal).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal O TEMPO Belo horizonte, edição de 8 de
novembro de 2013, caderno O.PINIÃO, página
20, de autoria de LEONARDO BOFF, que
é filósofo e teólogo, e que merece igualmente integral transcrição:
“Duas
forças em tensão: a autoafirmação e a integração
Biologicamente, nós,
humanos, somos seres carentes (mangelwesen). Não somos dotados de nenhum órgão
especializado que nos garanta a sobrevivência ou nos defenda dos riscos, como
ocorre com os animais.
Tal
verificação nos obriga a continuamente garantir a nossa vida, mediante o
trabalho e a inteligente intervenção na natureza. Desse esforço nasce a cultura
que organiza de forma mais estável as condições infraestruturais e também
humano-espirituais para vivermos em sociedade.
Assim,
vigoram duas forças: a autoafirmação e a integração. Elas atuam sempre em
conjunto, num equilíbrio difícil e sempre dinâmico.
Pela
força da autoafirmação, cada ser entra em si mesmo, defendendo-se contra todo
tipo de ameaças contra sua integridade e sua vida. Ninguém aceita morrer. Essa
força explica a persistência e a subsistência do indivíduo.
Precisamos,
nesse ponto, superar totalmente o darwinismo social, segundo o qual somente os
mais fortes triunfam e permanecem. O sentido da evolução é permitir que todos
os seres, também os mais vulneráveis, expressem virtualidades latentes dentro
da evolução.
Pela
segunda força, a da integração, o indivíduo se descobre envolto numa rede de
relações, sem as quais, sozinho, não viveria nem sobreviveria. Assim, todos os
seres são interconectados e vivem uns pelos outros, com os outros e para os
outros.
O
universo, os reinos, os gêneros e as espécies e também os indivíduos humanos se
equilibram entre essas duas forças. Mas esse processo não é linear e sereno.
Ele é tenso e dinâmico. O equilíbrio de forças nunca é um dado, mas um feito a
ser alcançado todo o momento.
É aqui
que entra o cuidado responsável. Se não cuidarmos, pode prevalecer a
autoafirmação do indivíduo à custa de uma insuficiente integração. E então
predomina a violência e a autoimposição ao preço do enfraquecimento e até
anulação do indivíduo. O cuidado aqui se traduz na justa medida e na
autocontenção para não privilegiar nenhuma dessas forças.
Efetivamente,
na história social humana, surgiram sistemas que ora privilegiam o eu, o
indivíduo, seu desempenho, sua capacidade de competição e a propriedade
privada, como é o caso da ordem capitalista, ora prevalece o nós, o coletivo, a
cooperação e a propriedade social, como foi o caso do socialismo real que foi
ensaiado na União Soviética e ainda persiste, em parte, na China.
A
exacerbação de uma dessas forças em detrimento da outra leva a desequilíbrios,
conflitos e tragédias sociais e ambientais. Com referência ao meio ambiente,
tanto o capitalismo quanto o socialismo foram depredadores e pioraram as
condições de vida da maioria das populações. Em ambos os sistemas, o cuidado
responsável desapareceu para dar lugar à vontade de poder.
Qual é
o desafio dirigido aos ser humano? É o cuidado responsável de buscar o
equilíbrio construído conscientemente e fazer dessa busca um propósito. Essa
missão distingue os seres humanos dos demais seres. Só ele pode ser um ser
ético. Ele pode ser hostil à vida, colocar-se, como indivíduo dominador, sobre
as coisas. Mas pode ser também o anjo bom que se sente integrado na comunidade
de vida. Depende de seu empenho manter o equilíbrio entre a autoafirmação e a
integração num todo e não permitir que forças dilaceradoras dirijam a história.
Por ser ético, coloca-se ao lado daqueles que têm
dificuldades em se autoafirmar e assim sobreviver e impedir uma integração que
destrói as individualidades em nome de um coletivo amorfo. Eis uma síntese
sempre a ser construída.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas transformações em nossas
estruturas educacionais, governamentais,
jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais,
de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais
livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente
desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade
absoluta de nossas políticas públicas;
b)
o combate,
implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais devastadores
inimigos que são: I – a inflação, a
exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em
patamares civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da
vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de variada
ordem (a propósito, recentemente, ao proferir aula magna no Tribunal de Contas
do Estado de Minas Gerais, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) e
presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Carmem Lúcia, disse que
“ninguém suporta mais a corrupção no Brasil...”); III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar
inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;
c)
a dívida
pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da
União, de exorbitante e insuportável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros,
encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de
R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e
eficaz auditoria...
Isto posto, torna-se
absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta
a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e
regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores
como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos
sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana
(trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às
commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência
social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas;
polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência,
tecnologia e inovação: turismo; cultura, esporte e lazer; comunicações; qualidade
(planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência,
eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade,
competitividade); entre outros...
São, e bem o sabemos,
gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande
cruzada nacional pela cidadania e
qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada,
qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que
possa partilhar suas extraordinárias riquezas, oportunidades e potencialidades
com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no
horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como
a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do
pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da
internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da
inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo
mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com
equidade –, e da fraternidade
universal...
Este é o nosso sonho, o
nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...
O
BRASIL TEM JEITO!...