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sexta-feira, 5 de julho de 2013

A CIDADANIA, UM CORAÇÃO DESERTO E O RECADO DAS RUAS

“Quando o coração está deserto
        
         Sou um homem em busca da felicidade. Se não for possível, me contento com a paz, harmonia e tranquilidade. Vocês dirão, mas esse cara é maluco, quem não quer esse ambiente em sua existência? No geral sou bem aquinhoado em meus desejos, mas alguns dias, algumas pessoas, algumas situações me tiram o sossego e chegam mesmo a formar um turbilhão em minha mente, me perturbam.
         Será que ainda vale a pena lutar contra a ignorância, a mentira e a avidez de alguns que andam em nosso redor? Confesso que, por momentos, o desânimo toma conta de mim. O que existe de gente que só sabe falar, imperiais em suas convicções, e nunca ouvem e prestam atenção no que lhes é dito. Arrogantes donos da verdade, seres que se julgam superiores, mas não passam de medíocres participantes de uma farsa.
         Preferiria estar falando de pessoas de quem gosto, que amo e me alegram. Ou do baile que a Seleção deu no tique-taque dos espanhóis, no domingo de festa em que o relógio deles enguiçou. Gosto da vida que é gol, abomino as bruxas de espírito pesado e malditos que frequentam salões elegantes da música popular brasileira. Reparem, por outro lado, que ficou fora de moda defender o direito e a Constituição cidadã de 1988. Eles não se importam, ou porque não viveram os tempos militares ou porque querem a sua ditadura, que se rasgue a maior conquista de nossa geração.
         Um senador acaba de sugerir, na televisão, que não importa se uma reforma política, que não estava nos cartazes das manifestações de rua, seja aprovada depois do prazo pela Constituição. Faz-se uma emenda e se resolve a questão. Ô louco, há cláusulas irremovíveis na Constituição e essa é uma delas. Pensam que podem fazer com a bíblia do cidadão o que quiserem. Não podem e não farão, porque o Brasil não é a casa da mãe Joana. Entre o palácio e a praça, o palácio quer que a praça, o povo, só diga sim ou não.
         Os tempos mudam e as pessoas também. Mas, o direito, a justiça e a dignidade de todos – garantidos pelo capítulo constitucional dos direitos e garantias individuais –, são permanentes. Não será o poder econômico, muito a vaidosa impressão daqueles que se pensam donos do mundo, que irá apagar o que se conquistou com tanto amor dos brasileiros com o nosso país.
         Escrevi há tempos uma frase para uma gravura de Galileu Galilei, criada por Gianfranco Cerri, para uma campanha dos professores universitários mineiros: “O poder não tem o poder de esconder eternamente a verdade”. Viva a inteligência, viva a vida. Pronto: desabafei. Volto à festa e à alegria.”

(FERNANDO BRANT, em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 3 de julho de 2013, caderno CULTURA, página 8).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição, caderno OPINIÃO, página 9, de autoria de FREI BETTO, que é escritor, autor de Calendário do poder (Rocco), entre outros livros, e que merece igualmente integral transcrição:

“Recado das ruas
        
         As manifestações de rua no Brasil fundem a cuca de analistas e cientistas políticos. Dirigentes partidários e lideranças políticas se perguntam perplexos: quem lidera, se não estamos lá? Recordo quando deixei a prisão, em fins de 1973. Ao entrar, quatro anos antes, predominava o movimento estudantil na contestação à ditadura. Ao sair, encontrei um movimento social – Comunidades Eclesiais de Base, oposição sindical, grupos de mães, luta contra a carestia – que me surpreendeu. Do alto de meu vanguardismo elitista fiz a pergunta: como é possível se nós, os líderes, estávamos na cadeia?
         Com essa mesma perplexidade Marx encarou a Comuna de Paris, em 1871; a esquerda francesa, o Maio de 1968; e a esquerda mundial, a queda do muro de Berlim e o esfacelamento da União Soviética, em 1989.
         “A vida extrapola o conceito”, já dizia meu confrade São Tomás de Aquino, no século 13. Agora, aqui no Brasil, todas as lideranças políticas encaram confusas e despeitadas as recentes manifestações de rua. Com a mesma interrogação invejosa que a esquerda histórica do Brasil mirou o surgimento do PT em 1980: que história é essa de, agora, os proletários querem ser a vanguarda do proletariado?
         Historicamente eram os líderes da esquerda brasileira homens oriundos da classe média (Astrogildo Pereira, Mário Alves e João Amazonas), dos círculos militares (Prestes, Gregório Bezerra, Apolônio de Carvalho) e da intelectualidade (Gorender e Caio Prado Júnior). Marighella foi das raras lideranças provenientes das classes populares.
         O recado das ruas é simples: nossos governos se descolaram da base social. Para usar uma categoria marxista, a sociedade política se divorciou da sociedade civil, risco que previ e analisei no livro A mosca azul – Reflexão sobre o poder  (Rocco, 2005). A sociedade política – Executivo, Legislativo e Judiciário – se convenceu de que representava de fato o povo brasileiro, e mantinha sob seu controle os movimentos de representação da sociedade civil, como ocorre, hoje, com a UNE e a CUT.
         Nem só de pão vive o homem, alertou Jesus. Embora 10 anos de governo petista tenham melhorado as condições sociais e econômicas do Brasil, o povo não viu saciada sua fome de beleza – educação, cultura e participação política. O governo petista optou por uma governabilidade assegurada pelo Congresso Nacional – onde ainda perduram os “300 picaretas” denunciados por Lula. Desprezou a governabilidade apoiada nos movimentos sociais, como fez Evo Morales, com êxito, na Bolívia.
         Assim, nosso governo aos poucos perdeu os anéis para conservar os dedos. Acreditou que tudo permaneceria como dantes no quartel de Abrantes. Seja porque a oposição anda enfraquecida por suas próprias disputas internas, seja porque considera Eduardo Campos e Marina Silva meros balões de ensaio. O que nem a Abin (olhos e ouvidos secretos do governo) previu foi o súbito tsunami popular invadindo as ruas do Brasil em pleno período da Copa das Confederações – quando se esperava que todos estivessem com a atenção concentrada nos jogos.
         Agora o governo inventa o discurso de que sem partidos não há política nem democracia. Ora, basta uma aula de história de ensino médio para aprender que a democracia nasceu na Grécia muitos séculos antes da era cristã, e mais ainda do aparecimento de partidos políticos. Hoje, a maioria dos partidos nega a democracia ao impedir um governo do povo com o povo. Não basta pretender governar para o povo e, assim, considerar-se democrata. O povo nas ruas exige novos mecanismos de participação democrática, enquanto manifesta sua descrença nos partidos, que são intimados a renovar seus métodos políticos ou serão atropelados pela sociedade civil.
         Eis o recado das ruas: democracia participativa, não apenas delegativa, ou seja, governo do povo, com o povo e para o povo. Isso não é utopia, desde que não se considere  modelo perpétuo o pluripartidarismo e se admita que o regime democrático pode e deve ganhar novos desenhos de participação popular nas esferas de poder.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:
     
     a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;
     
     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais avassaladores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, indubitavelmente irreparáveis;
     
     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e insuportável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; sistema financeiro nacional; esporte, cultura e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a 27ª Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro; a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...


O BRASIL TEM JEITO!...

sexta-feira, 15 de março de 2013

A CIDADANIA, AS DESUMANIDADES E UM OLHAR À ESQUERDA


“Um mundo desumano

           Não há sucesso de gestão sem contemplar a realização humana, mas no mundo governamental ou corporativo, não é em assim que acontece. A humanização no século 20 deixou muito a desejar e piora neste século. As incertezas do futuro decorrem de o homem atual não usar o conhecimento conquistado em benefício da maioria. O que está acontecendo na outrora poderosa Europa serve de exemplo e reflexão. O desemprego e o medo tomam conta das famílias não só da Grécia, Espanha e Portugal, e, coincidência ou não, os governos são socialistas. Como pode tamanho fracasso da Espanha contabilizar 22,8% de desempregados? As mesmas aflições caminham para a Itália, França e Reino Unido. O povo paga a conta e o número de bilionários cresce mundo afora, e no Brasil é surpreendente a lista, que aumenta a cada ano. Sobre a paz, grande valor humano, o que acontece na Síria é assustador: mais de 60 mil mortes por causa de uma única pessoa que não deixa o poder. Interesses econômicos de países com poder de veto na ONU impedem uma intervenção.
         O erro histórico foi sempre não colocar o homem no centro das coisas. No Brasil, embora nos encontremos em um momento melhor, estamos sempre à mercê das informações inverossímeis dos governantes, do flagelo da corrupção e de políticos notadamente desonestos infiltrados em todos poderes. A cada eleição nossas esperanças se perdem, pois o país continua mal representado. Pior ainda, esses políticos introduzem os filhos na política, criando um círculo vicioso, de várias gerações de famílias que não deixam o poder, sempre à sombra de um coronelismo ainda vivo.
         No Brasil, como na maioria dos países, há muito ranço da Idade Média, dos senhores feudais que abandonaram a ética, a moral e os melhores princípios humanos apregoados pela filosofia e religiões. Antropólogos e sociólogos contemporâneos têm chamado a atenção sobre o risco de a nossa sociedade como um todo, sob a ótica humanística, cair em um processo de involução, ou seja, deteriorar-se ao ponto de ter que depurar-se para continuar. Pessimismos à parte, é assustador o que está acontecendo com o respeito à vida, quando se mata até por diversão, como se vê em São Paulo.
         O conformismo não pode tomar conta de nós e deixar princípios consagrados esquecidos. Conhecimentos filosóficos criam barreiras de avanço de muitos males sociais que estamos enfrentando. A sociedade precisa mobilizar-se. Os formadores de opinião e responsáveis pela formação dos outros estão “sem tempo”, jogando suas energias em tudo aquilo que dá resultado imediato e dinheiro. Mudança de pensamento, entretanto, é lenta, pois começa ainda no berço e nos bancos das escolas. Ideias ruins entram com muita facilidade, demoram a sair e as boas, por consequência, encontram mais resistência. Assim é o homem atual: imediatista e fechando-se nos próprios interesses. Entretanto não podemos perder as oportunidades que surgem de mudança, como ora aconteceu com o Supremo Tribunal Federal (STF), que, ao condenar figurões jamais imaginados, com certeza irá fortalecer valores humanos e abrir-nos a esperança e novos caminhos.”
(GILSON E. FONSECA. Consultor de empresas, sócio da Soluções em Engenharia Geotécnica/Soegeo), em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 29 de janeiro de 2013, caderno OPINIÃO, página 11).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição de 4 de agosto de 2012, caderno PENSAR, página 2, de autoria de JOÃO PAULO, que é editor de Cultura, e que merece igualmente integral transcrição:

“Sempre à esquerda

Não há nada mais velho que a última moda. Do mesmo modo, nada mais é atual que as antigas certezas. Entre as velhas palavras que voltam a ganhar significado na vida política está a esquerda e, consequentemente, seu par antitético, a direita. A crise, em todas as suas dimensões – econômica social e comportamental –, trouxe de volta o poder heurístico e moral da esquerda como leitura do mundo, interpretação da realidade e perspectiva de transformação. E estamos carentes desses três territórios de humanidade: o olhar, a compreensão e a ação sobre as circunstâncias.
Dois livros lançados recentemente ajudam a pôr em ordem os conceitos e recuperar, se não as certezas, pelo menos dúvidas mais bem arranjadas: A esquerda que não teme dizer seu nome, de Vladimir Safatle (Editora Três Estrelas); e Marx estava certo, de Terry Eagleton (Editora Nova Fronteira). São pensadores insuspeitos em termos de conhecimento, vinculação acadêmica (Safatle é professor de filosofia da USP e Eagleton da Universidade de Oxford), autores de obras eruditas e que nunca se furtaram ao debate. Espécie rara de intelectual público, cada vez mais em falta no mercado das ideias.
A esquerda que não teme dizer seu nome é livro curto e incisivo. Desde o título deixa às claras que o propósito do autor não é apenas defender a esquerda, mas um certo tipo de esquerda, que se ousa ir além de sua tradição. A esquerda que nos cabe hoje responde a novas exigências políticas e econômicas e, por isso, precisa ao mesmo tempo acurar a análise e ousar na intervenção. Ao dizer seu nome, não apenas como esquerda, adianta  que algo precisa ser atualizado, revisto. A esquerda mudou, porque o mundo e o capitalismo mudaram, mas se mantém esquerda em sua essência. É esse movimento do surgimento do outro no seio do mesmo livro que o diagnostica com precisão.
Vladimir Safatle inicia seu texto recuperando as duas caricaturas mais conhecidas dos coveiros da esquerda. De um lado há os que se aferram ao irrefletido argumento que defende que a divisão entre esquerda e direita deixou de ter sentido com o fim das ideologias; de outro, os viúvos arrependidos que se regozijam de participar de um mundo em que o paraíso foi alcançado com a democracia representativa e com a entronização do mercado. As injustiças, se há, são fruto da incompetência individual ou alvo da benemerência (por incrível que possa parecer, até o Estado de bem-estar social parece avançado demais).
O que o autor quer recuperar é, em primeiro lugar, o espaço por excelência da esquerda: a política. Quando se fala em desprestígio da política é bom entender que se trata de demonizar certo tipo de política. Não há nada mais político que classificar os movimentos sociais como terroristas, assacar contra direitos sociais e trabalhistas, fechar as instâncias diretas de participação. Nada mais político , nada mais de direita. No entanto, essas e outras ações são feitas em nome de uma visão “racional” ou técnica, que escarnece da dimensão política como reino da corrupção.  O retorno à política dever ser feito não a partir de negações, mas da afirmação do que é inegociável. É aí que a esquerda precisa dizer o seu nome.
Quando se analisam as crises no Oriente Médio e na Europa – de um lado as inconstâncias da política, no outro as fragilidades da economia –, o receituário da direita quer se confundir com a racionalidade e apontar soluções que são sempre refratárias ao povo. No caso dos países do Norte da África e do Oriente Médio, a intervenção militar; nas situações de crise da economia da zona do euro, os ajustes em torno de medidas de austeridade e retirada de direitos. A capitulação ou o caos.
O livro de Vladimir Safatle é um convite ao exercício da esquerda em duas dimensões. De um lado, a recuperação do que é inegociável, de outro a proposição de novas estratégias que atendam às demandas colocadas pelo nosso tempo. A renovação da esquerda é um projeto em aberto, mas que parte de alguns elementos de base. Para o autor, o que não é passível de negociação, sob o risco de perder sua dimensão fundante, é a defesa do igualitarismo, da soberania popular e do direito à resistência. O progressismo, outro nome sobre o qual se buscou camuflar a esquerda, é fruto de um princípio filosófico (a igualdade), de uma estratégia política (a soberania popular ou a democracia que vai além do Estado do direito) e de um valor moral (o direito à resistência).
Uma das mais interessantes e argutas reflexões do autor se volta para o problema de como pensar as diferenças numa sociedade cada vez mais plural. Para um pensamento que se propõe a defender a igualdade, é fundamental saber avançar além do mero reconhecimento das singularidades, como faz um certo multiculturalismo constrangido. “Há, no entanto, uma crítica esquerdista às sociedades multiculturais que consiste em dizer que elas, de certa forma, não são suficientemente multiculturais. Elas procuram, apenas, atomizar a sociedade por meio de uma lógica estanque do reconhecimento das diferenças que funciona, basicamente, no plano cultural e ignora os planos político e econômico. Uma sociedade verdadeiramente multicultural é uma sociedade radicalmente universalista e indiferente às diferenças.”

ERROS E ACERTOS Terry Eagleton é considerado um dos mais destacados críticos marxistas da atualidade. No entanto, de forma paradoxal, ficou mais conhecido por sua diatribe com os defensores do ateísmo. Eagleton desancou os neorevolucionalistas como Richard Dawkins, não pela ciência, mas pela ignorância em matéria de religião. O pensador inglês mostrou que Dawkins e companhia podem entender muito de biologia, mas não sabem nada de filosofia. O fato de Darwin estar certo no que tange aos fatos não torna a teologia um equívoco. Um marxista que crê em Deus, defende a teologia e vê sentido em debater a relação entre fé e razão precisa ser levado a sério.
         O livro de Eagleton, Marx estava certo, foi escrito para tirar a caricatura de cena e pôr em seu lugar uma leitura atenta, inteligente e contemporânea do pensamento marxista. Mais que defender Marx das deturpações (coisa que ele não precisa, já que Marx, sempre, esteve muito melhor que seus críticos), o projeto do autor é mostrar a pertinência e a atualidade do maior crítico do capitalismo. O método é o da refutação, uma limpeza na área.
         A cada um dos 10 capítulos Eagleton desautoriza as críticas apressadas e de má-fé, a começar pela mais radical de todas: a de que o marxismo acabou. Se Marx era útil no tempo da violenta exploração do trabalho, não deixa de ser necessário no momento que tornou a injustiça quase uma segunda natureza, ainda que anódina. Seguem outros ataques e ponderações de Eagleton: a de que o marxismo seria bom na teoria e violento na prática; que seria um tipo incontornável de determinismo; obcecado pelo conceito ultrapassado de classes sociais; defensor de um Estado onipotente e ineficaz; incapaz de alimentar os movimentos sociais contemporâneos; e por aí vai.
         Ao final o leitor aprende, entre outras, que Marx alimentava uma fé inquebrantável no indivíduo, desconfiava de todo tipo de dogma abstrato, era cauteloso em relação à noção de igualdade e não tinha tempo para arquitetar uma sociedade perfeita. Marx acreditava em revoluções pacíficas e não se opunha a uma boa reforma. Defendeu as mulheres, a paz mundial e a luta contra o fascismo. Se você concorda com algumas dessas ideias, talvez seja de esquerda e nem saiba. Aliás, não saber a verdade sobre o marxismo é a mais marxista das meias-verdades levadas a cabo pela direita. Ideologia existe é para isso mesmo.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, adequadas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas transformações em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:
     
     a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;
     
     b)    o combate, severo e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de variada ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;
     
     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de astronômico e intolerável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tanta sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); educação; saúde; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; emprego, trabalho e renda; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; minas e energia; agregação de valor às commodities; logística; turismo; esporte, cultura e lazer; sistema financeiro nacional; comunicações; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade), entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que permita a partilha de suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a 27ª Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro em julho; a Copa das Confederações em junho; a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das empresas, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...

O BRASIL TEM JEITO!...
     

sexta-feira, 24 de julho de 2009

COMBATE À CORRUPÇÃO: UMA QUESTÃO CÍVICA

“A corrupção vem dos tempos da colonização, quando o Estado foi constituído antes e acima da sociedade brasileira”
(Rodrigo Sá Motta)

Mais uma vez, buscamos em artigo da jornalista DÉA JANUZZI, publicado no Jornal ESTADO DE MINAS, Caderno GERAIS, em edição de 24 de junho de 2001, tratando de uma HERANÇA MALDITA – CORRUPÇÃO COMEÇA EM CASA, que bem mostra a absoluta necessidade da MOBILIZAÇÃO PARA A CIDADANIA E QUALIDADE no FORTALECIMENTO da DEMOCRACIA e transformação do BRASIL numa SOCIEDADE verdadeiramente JUSTA, LIVRE, PRÓSPERA e SOLIDÁRIA, e, mais ainda, com vistas ao BRASIL 2014, cujos INVESTIMENTOS BILIONÁRIOS sejam EFETIVAMENTE partilhados com TODOS os BRASILEIROS e BRASILEIRAS. O conteúdo da matéria também faz por merecer sua INTEGRAL transcrição:

“Ninguém nasce corrupto. É o que garante a psicanalista Iziná Helena Traváglia: “O filho de um pai corrupto pode encontrar outros exemplos a seguir, através de um avô, de um irmão mais velho, de um grupo social, ou da escola. O Ser humano não é uma equação matemática, uma receita de bolo. A sua formação depende de influências genéricas, hereditárias, ambientais e da forma como foi desejado ao entrar no mundo”.

Mas no consultório, a psicanalista trata de pais e filhos que não aprenderam a reivindicar e a dialogar, mas a conquistar através de pequenas chantagens. “Eu te dou isso se você fizer o que eu mando”.

Alguns pais, inclusive, são tão permissivos que não sabem dizer não aos filhos ou amparam abertamente seus erros. E eles crescem sem limites, com dificuldade de aceitar ordens. Ela cita também pais que pregam a importância da obediência às leis de trânsito, mas dirigem alcoolizados. Ou falam para os filhos sobre o perigo das drogas, mas se dopam com antidepressivos ou doses de uísque. Em mães que vão tirar os filhos da delegacia, mesmo depois de cometerem imprudências.

Os pais repetem o velho ditado ‘faça o que eu digo e não o que eu faço’, sem saber que o exemplo não é teoria, mas “a prática verdadeira de valores e ideais que escapam ao controle da vontade”, explica.
Além do declínio da função paterna, pais e filhos se deparam, no mundo contemporâneo, com o surgimento de uma nova ética: “A do individualismo. Cada um escolhe suas próprias regras e estilo de vida, sem se sacrificar pelos princípios coletivos, tradições ou modelos que restringem a liberdade. Há um retorno do homem para si mesmo. Não existem mais heróis ou objetivos elevados, mas prazeres individuais, num total desencanto com os valores tradicionais, o que leva à fragmentação dos laços afetivos e sociais”.

A nova ética inclui os recursos tecnológicos como a solução para todos os problemas, pois exacerba o prazer, dribla os limites, a morte e até a ciência: “A ética de todos iguais anula as diferenças, dissolve particularidades e leva à intolerância. Marx e Jesus Cristo foram enterrados pelo mundo globalizado, onde o grande mestre é o mercado, sempre com novos e atraentes objetos de consumo. Também a proliferação de livros de auto-ajuda revela o desejo de um saber fechado”.

A psicanalista chama a atenção para a importância de um relacionamento honesto entre pais e filhos: “É através da postura dos pais que haverá uma mudança dos padrões sociais. É função paterna transmitir a singularidade de cada sujeito. Os filhos devem aprender que não existe completude nem prazer total, que haverá sempre desacordo entre o que se deseja e o que se pode alcançar”.

Resquício cultural do nepotismo

A Sociologia não vê a corrupção como herança familiar, mas cultural, com a manutenção de práticas patrimonialistas que determinam a vida pública nacional: “Existe uma incapacidade de separar a noção de público e privado. Uma típica maneira brasileira de lidar com o patrimônio público”, assegura Luís Flávio Sapori, sociólogo da Fundação João Pinheiro e professor da PUC Minas.

Na prática, “essa tradição cultural explica porque parte significativa da elite brasileira sempre se utilizou do patrimônio público como se fosse privado. A corrupção no Brasil não é apenas ausência de moralidade, mas de uma super valorização das relações pessoais, do parentesco, do nepotismo e dos privilégios”.



PERVERSIDADE

A sociedade brasileira é um exemplo concreto de corrupção institucionalizada, que atinge todas as classes sociais: “O mais perverso na corrupção brasileira é que, apesar das denúncias e das investigações há um retorno ao ponto de partida. É um fenômeno recorrente na história do Brasil, o que dificulta o entendimento de suas causas”.

Neste cenário, figuras como a de Antônio Carlos Magalhães sempre reaparecem na política brasileira. “E demonstram porque a sonegação de impostos é tão disseminada no País. Ou porque o brasileiro desobedece regras, burla as leis. E os empresários mantêm uma relação de promiscuidade com as elites políticas. Dá até para saber de onde veio o famoso jeitinho brasileiro.”

A prática mais antiga do mundo

A corrupção faz parte da história do Brasil. Poetas e escritores sempre revelaram o seu espanto com os corruptos. Como Machado de Assis, que num artigo para o “Jornal das Famílias”, de 1867, escreveu: “Murchou-se logo a primeira ilusão de que todos os homens se guiam unicamente pelos princípios dos sentimentos puros e das idéias generosas. Era a primeira vez que ele se achava diante do homem prático, do homem-coisa, do homem-dinheiro. Até então vivera nas regiões ideais das quimeras e dos sonhos”.

Também o poeta baiano Gregório de Mattos, conhecido como “Boca do Inferno”, já fazia referências à corrupção das elites brasileiras no século XVII. E, segundo o diretor do Departamento de História da UFMG, Rodrigo Sá Motta, “tudo indica que a corrupção está presente desde o início da colonização. É um comportamento enraizado nas práticas políticas do País”.

Mas o historiador avisa que “não somos o lixo do mundo. Quando se fala em funcionamento das organizações estatais, a corrupção é uma realidade universal. No caso do Brasil, entretanto, conta muito o fato de o Estado ter sido constituído antes e acima da sociedade brasileira. O poder se estabeleceu antes da Nação, pois os portugueses já chegaram com um projeto colonial. E a sociedade brasileira se sentiu subjugada à ação do Estado, pois não construiu a sua própria história”.

Se em algumas sociedades do mundo existe a tradição de controle do Estado por parte da população, no Brasil essa relação é passiva, distante. “Não é uma relação de cidadania, de cobrança, de vigilância e de participação.”

SEDUÇÃO

Para Rodrigo, o “poder geralmente exerce uma forte possibilidade exerce uma forte possibilidade de corrupção: “Quanto mais no Brasil, onde é comum a corrupção no aparelho do Estado. A tentação dos que assumem o poder se deixarem corromper é muito maior”.

Mas como um brasileiro que continua a ter esperanças, ele menciona que, hoje, “há um fortalecimento da cidadania, com uma cobrança maior da imprensa e da sociedade como um todo. Pelo menos as coisas não ficam mais abafadas, embaixo do pano. A situação democrática estimulou a investigação das práticas e das evidências de corrupção”.

A apuração das denúncias de corrupção é atualmente “uma questão cívica. Todos desejam rigor nas apurações, apesar de muitas provas desaparecerem, de a justiça brasileira ainda ser lenta, com muitas brechas na legislação. Mas a redemocratização do País, a partir de 1985, com certeza, mudou o rumo da História”.

Enfim, há um SÉCULO, ou há uma DÉCADA, como HOJE, o combate à
CORRUPÇÃO é uma QUESTÃO CÍVICA.