“Como
interpretar o que querem dizer as multidões nas ruas
Um espírito de
insurreição de massas humanas está varrendo o mundo todo, ocupando o único
espaço que lhes restou: as ruas e as praças. O movimento está apenas começando.
Ninguém se reporta às clássicas bandeiras do socialismo, de algum partido
libertador ou revolução. Todas essas propostas ou se esgotaram, ou não oferecem
o fascínio suficiente para mover as massas. Agora são temas ligados à vida
concreta do cidadão: democracia participativa, trabalho para todos, direitos
humanos pessoais e sociais, presença ativa das mulheres, transparência na coisa
pública, rejeição a todo tipo de corrupção, um novo mundo possível e
necessário. Ninguém se sente representado pelos poderes instituídos que geraram
um mundo político palaciano, de costas para o povo ou manipulando diretamente
os cidadãos.
Representa
um desafio para qualquer analista interpretar tal fenômeno. Não basta a razão
pura; tem que ser uma razão holística, que incorpore outras formas de
inteligência, dados racionais, emocionais e arquetípicos, além de emergências
próprias do processo histórico e mesmo da cosmogênese. Só assim teremos um
quadro mais ou menos abrangente que faça justiça à singularidade do fenômeno.
Antes
de mais nada, importa reconhecer que é o primeiro grande evento fruto de uma
nova fase da comunicação humana, esta totalmente aberta, de uma democracia em
grau zero que se expressa pelas redes sociais. Cada cidadão pode sair do
anonimato, encontrar interlocutores, organizar grupos, formular uma bandeira e
sair às ruas. De repente, formam-se redes que movimentam milhares de pessoas
para além dos limites do espaço e do tempo. Esse fenômeno pode representar um
salto civilizatório que definirá um rumo novo à história, não só de um país,
mas de toda a humanidade. As manifestações no Brasil provocaram atos de
solidariedade em dezenas de outras cidades no mundo, especialmente na Europa.
De repente, o Brasil não é mais só dos brasileiros. É uma porção da humanidade
que se identifica como espécie, numa mesma casa comum, ao redor de outras
coletivas e universais.
Por
que tais movimentos massivos irromperam no Brasil agora? Muitas são as razões.
Atenho-me apenas a uma.
Meu
sentimento do mundo me diz que, em primeiro lugar, se trata de um efeito de
saturação: o povo se saturou com o tipo de política que está sendo praticada no
Brasil, inclusive pela cúpula do PT (o resguardo as políticas municipais do PT,
que ainda guardam o antigo fervor popular). O povo se beneficiou do Bolsa
Família, do Luz para Todos, do Minha Casa, Minha Vida, do crédito consignado;
ingressou na sociedade de consumo. E agora? Bem dizia o poeta cubano Ricardo Retamar:
“O ser humano possui duas fontes: uma de pão, que é saciável; e outra de
beleza, que é insaciável”. Como beleza se entendem educação, cultura, dignidade
humana e direitos pessoais e sociais, como saúde e transporte.
Essa
segunda fome não foi atendida adequadamente pelo poder público. Os que mataram
sua forme querem ver atendidas outras fomes, não em último lugar. Avulta a
consciência das profundas desigualdades sociais, o grande estigma da sociedade
brasileira. Esse fenômeno se torna mais e mais insondável na medida em que
cresce a consciência de cidadania e de democracia real. A democracia em
sociedades desiguais como a nossa é meramente formal, praticada apenas no ato
de votar (que, no fundo, é o poder de escolher seu “ditador” a cada quadro
anos, porque, uma vez eleito, ele dá as costas ao povo e pratica a política
palaciana dos partidos). É uma farsa coletiva. Essa farsa está sendo
desmascarada. As massas querem estar presentes nas decisões dos projetos que as
afetam.
Esse
grito não pode deixar de ser escutado, interpretado e seguido. A política
poderá ser outra daqui para a frente.”
(LEONARDO
BOFF. Filósofo e teólogo em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 5 de julho de 2013, caderno O.PINIÃO, página 22).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 6 de julho
de 2013, caderno OPINIÃO, página 9,
de autoria de RICARDO ARNALDO MALHEIROS
FIUZA, professor convidado de teoria do Estado das Faculdades Milton
Campos, membro da Academia Mineira de Letras Jurídicas, e que merece igualmente
integral transcrição:
“Plebiscito
todo dia
Nos idos de 1984, o
vice-presidente Aureliano Chaves, em resposta ao presidente João Figueiredo,
disse, com sua conhecida franqueza: “Ninguém pode ignorar o clamor das ruas”.
Nunca esteve tão certo o lúcido e bravo estadista mineiro. Isso aconteceu
quando das manifestações em favor das Diretas Já.
E,
agora, em um movimento “internético” impressionante, o povo voltou às ruas. As
marchas dos jovens, independentes, foram e estão sendo uma bela manifestação da
opinião pública, assunto sempre abordado pelos teóricos do Estado.
Como
professor dessa ciência básica, cuido de ressaltar aos alunos a força da
opinião pública. E cito Hermann Heller, para quem a opinião pública é “uma
força governante, constituindo uma forma singular de relativização do Estado ao
povo e da identificação do poder do Estado com a vontade do povo”. Com sua
admirada precisão científica, o mestre alemão acrescenta: “A importância da
opinião pública para a unidade estatal é tanto maior quanto mais precisa. Essa
opinião pública relativamente firme e permanente tem que se diferenciar da
opinião política de cada dia”.
Para
agradável surpresa, a opinião pública brasileira, que estava em letargia e
desinteresse nos recentes anos, mesmo com tantos desvios, desmandos e
descompassos (para ficarmos em 3D), acordou, de repente, nas jovens cabeças, e
saiu às ruas, praças e viadutos, em clamor sonoro e pacífico (perturbado,
infelizmente, por marginais).
A
oportuna música de Seu Jorge grita em seu refrão que “não é só pelos 20
centavos que estamos lutando”, e sim por educação, saúde, segurança,
transportes, rodovias, reforma política, honestidade, ética e proficiência na
administração nacional.
Reivindicações
justas e necessárias que o Congresso Nacional, como titular eleito do Poder
Legislativo e até do poder constituinte derivado, pode e deve, por leis e
emendas, atender e elaborar a nova normatização, nos termos da Constituição de
1988 (o que poderia e já começou a ser feito sob a pressão das vozes urbanas).
E, no
entanto, a nossa chefe do Executivo, tendo a seu lado o vice-presidente,
professor de direito constitucional, propõe, primeiramente, a convocação de um
Congresso Constituinte exclusivo e, logo depois, arrependendo-se de tal coisa
esdrúxula, vem defender a realização intempestiva de um plebiscito para a
reforma política.
Plebiscito
é coisa seríssima e não saída demagógica. Não é uma simples pesquisa de
opinião. É uma consulta feita ao povo, a priori, isso é, antes que uma
legislação seja elaborada pelo órgão próprio do Estado, no caso o Legislativo.
Não é uma prova de múltipla escolha, contendo imensas perguntas a confundirem
os eleitores, os cidadãos. Deve conter uma pergunta clara e enxuta, para uma
resposta “sim” ou “não”. E a resposta será uma ordem ao governo.
Para
reforma a Constituição, o Congresso Nacional eleito (nem todo ele com acerto)
já tem esse poder de revisão, que é limitado, nos termos do art. 60 de nossa
Constituição federal. O máximo que se pode aceitar é um referendo, após a
elaboração da reforma. E, mesmo assim, acho arriscado. O que se deve escutar
agora e não ouvir (para refletir e agir) é a voz desta nação, que é a alma do
povo. Na palavra inspirada do francês Renan, “a nação é o plebiscito de todos
os dias”. O povo brasileiro não precisa agora e não quer um plebiscito ou mesmo
um referendo. Seus temas e suas prérespostas já estão na mesa. Que o
Legislativo e o Executivo, pois, trabalhem com essa pauta. E que o Judiciário,
quando provocado, solucione os possíveis conflitos.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
lúcidas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de
liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas
educacionais, governamentais, jurídicas,
políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de
modo a promovermos a inserção no País no concerto das potências mundiais
livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente
desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade
absoluta de nossas políticas públicas;
b) o
combate, implacável e sem trégua,
aos três dos nossos maiores e mais avassaladores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente,
competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares
civilizados, isto é, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da
vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária
ordem; III – o desperdício, em todas
as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos,
inexoravelmente irreparáveis;
c) a
divida pública brasileira, com
projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e
insuportável desembolso de cerca de R$ 1
trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma
imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta
a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e
regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores
como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; saneamento ambiental (água
tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana,
logística reversa); meio ambiente;
habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda;
agregação de valor às commodities; assistência social; previdência social;
segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia
federal; defesa civil; sistema financeiro nacional; logística; pesquisa e
desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; comunicações; esporte, cultura
e lazer; turismo; qualidade (planejamento – estratégico, tático e
operacional –, eficiência, eficácia, efetividade, criatividade, produtividade,
competitividade); entre outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem
arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta
grande cruzada nacional pela cidadania e
qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada,
qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que
possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e
potencialidades com todas as
brasileiras e com todos os
brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos
e que contemplam eventos como a 27ª Jornada Mundial da Juventude no Rio de
Janeiro; a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os
projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização,
da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da
inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo
mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com
equidade –, e da fraternidade
universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...
O
BRASIL TEM JEITO!...