“Rapto
do jornalismo
Pedro Lozano
Bartolozzi, professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra
(Espanha), acaba de lançar um livro instigante: O rapto do jornalismo. O texto é uma reflexão sobre a nossa
profissão, seus dilemas e seu fascínio. O jornalismo foi raptado pela perda de
qualidade do seu conteúdo, pelo perigoso abandono de sua vocação pública e pela
sua equivocada transformação em produto mais próprio para consumo privado.
Bartolozzi defende a necessidade de que essa tendência seja revertida. É
preciso recuperar o entusiasmo do “velho ofício”. É urgente investir fortemente
na formação e qualificação dos profissionais. Sem jornalismo público,
independente e qualificado, o futuro da democracia é incerto e preocupante.
A sobrevivência dos
meios tradicionais demanda foco absoluto na qualidade de seu conteúdo. A
internet é um fenômeno de desintermediação. E que futuro aguarda os meios de
comunicação, assim como os partidos políticos e os sindicatos, num mundo
desintermediado? Só nos resta uma saída: produzir informação de alta qualidade
técnica e ética. Ou fazemos jornalismo de verdade, fiel à verdade dos fatos,
verdadeiramente fiscalizador dos poderes públicos e com excelência na prestação
de serviços, ou seremos descartados por um consumidor cada vez mais fascinado
pelo aparente autocontrole da informação na plataforma virtual.
Os diários têm
conseguido preservar seu maior capital: a credibilidade. A confiança da população
na qualidade ética dos seus jornais tem sido um inestimável apoio para o
desenvolvimento de um verdadeiro jornalismo de buldogues. O combate à corrupção
e o enquadramento de históricos caciques da política nacional, alguns sofrendo
o ostracismo do poder e outros no ocaso do seu exercício, só é possível graças
à força do binômio que sustenta a
democracia: imprensa livre e opinião pública informada.
A revalorização da
reportagem e o revigoramento do jornalismo analítico devem estar entre as
prioridades estratégicas. É preciso atiçar o leitor com matérias que rompam a
monotonia do jornalismo de registro. Menos aspas e mais apuração. O leitor quer
menos show e mais informação de qualidade. O sensacionalismo, embora festejado
num primeiro momento, não passa pelo crivo de uma visão retrospectiva.
Curiosidade não se confunde com aprovação. O prestígio de uma publicação não é
fruto do acaso. A credibilidade não se edifica com descargas de adrenalina.
Apostar em boas pautas –
não muitas, mas relevantes – é outra saída. É melhor cobrir magnificamente
alguns temas do que atirar em todas as direções. O leitor pede reportagem.
Quando jornalistas, entrincheirados e hipnotizados pelas telas dos
computadores, não saem à luta, as redações se convertem em centros de informação
pasteurizada. O lugar do repórter é na rua, garimpando a informação, prestando
serviço ao leitor e contando boas histórias. Elas existem. Estão em cada
esquina das nossas cidades. É só procurar.
Quem tem menos de 30
anos gosta de sensações, mensagens instantâneas. Para isso, a internet é
imbatível. Mas há quem queira, e necessite, entender o mundo. Para esse público
deve existir leitura reflexiva, a grande reportagem.
Há um modelo a ser
seguido? Nas experiências que acompanho, ninguém alcançou a perfeição e ninguém
se equivocou totalmente. O perceptível é que os jornais estão lentos para
entender que o papel é um suporte que permite trabalhar em algo que a internet
e a rede social não fazem adequadamente: a seleção de notícias, jornalismo de
alta qualidade narrativa e literária. É para isso que o público está disposto a
pagar.
Para mim, o grande
desafio do jornalismo é a formação dos jornalistas. Se você for a um médico e
ele disser que não estuda há 25 anos, você se assusta. Mas há jornalistas que
não estudam nada há 25 anos. O jornalismo não é rotativa: o valor dele se chama
informação, talento, critério. Por isso é preciso investir em jornalistas com
boa formação cultural, intelectual e humanística – pessoas que leiam
literatura, sejam criativas e motivadas. E, além disso, que sejam bons
gestores. As competências são demasiadas? Talvez. Mas é o que nos pede um mundo
cada vez mais complexo e desafiante.”
(CARLOS ALBERTO DI FRANCO. Diretor do Departamento de Comunicação do
Instituto de Ciências Sociais (IICS), doutor em comunicação pela Universidade
de Navarra (Espanha).
Mais uma importante e
oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado na
revista VEJA, edição 2317 – ano 46 –
nº 16, de 17 de abril de 2013, páginas 96 e 97, de autoria de GUSTAVO IOSCHPE, que é economista, e
que merece igualmente integral transcrição:
“Diretor
de escola: o protagonista esquecido
Quando se fala em
educação, logo se pensa em professores e alunos. Cada vez há mais indícios,
porém, de que esse foco na sala de aula é o típico caso em que não conseguimos
ver a floresta por estarmos tão preocupados com as árvores. Salas de aula não
flutuam por aí, afinal: o lócus do
ensino é a escola, uma organização bastante complexa, que precisa reter bons
profissionais, interessar e estimular alunos e agradar a pais e líderes
políticos. Quem rege essa orquestra toda é o diretor escolar.
Sabemos relativamente
pouco sobre ele. Alguns estudos mostram que a maneira como um diretor chega ao
cargo é importante: escolas que têm diretor escolhido por processos que
envolvem provas seguidas de eleições, ou pelo menos via eleição, têm alunos que
aprendem mais do que aquelas em que o diretor é fruto de indicação política.
Como costuma acontecer no Brasil, privilegiamos o caminho errado: os últimos
dados mostram que 46% dos diretores de nossas escolas chegaram ao posto por
indicação de alguém.
Outro erro que cometemos
é imaginar que o diretor é um mero burocrata responsável por administrar as
instalações físicas da escola e passar um corretivo nos baderneiros. O bom
diretor, porém, faz bem mais do que isso. No livro Organizing Schools for Improvement, os autores definem bem as
quatro áreas que o gestor escolar deve dominar: capacitação dos professores,
criação de um clima propício ao aprendizado, envolvimento com a família e
ensino ambicioso, visando ao ingresso na universidade.
Alguns desses quesitos
são difíceis de medir e quantificar. O trabalho de um bom diretor é indireto:
assim como se nota o trabalho de um bom técnico pelo desempenho de seus
jogadores, a virtuosidade de um diretor se manifesta pelo trabalho de seus
professores. Um bom diretor consegue criar um clima ordeiro e organizado, em
que alunos e professores podem dar o seu melhor com o mínimo de interrupções.
Pesquisas demonstram que alunos aprendem mais naquelas escolas em que há um
clima positivo e onde os professores reconhecem a liderança do seu diretor.
Pesquisas internacionais (todas disponíveis em twitter.com/gioschpe) comprovam
que, quando o diretor tem poder contratar e demitir professores, os alunos têm
desempenho melhor. Outra pesquisa mostra que os diretores têm boa capacidade
para prever, antes da contratação, quais serão os professores excelentes e
quais os ruins. Faria sentido, portanto, mudar o processo de seleção de
professores, que hoje se resume a um concurso público que avalia quase tudo –
menos a capacidade do sujeito de ensinar um determinado conteúdo –, para um
processo que envolva uma entrevista com os diretores escolares.
O bom diretor escolar é
um líder pedagógico, além de ser um bom gestor. Nas escolas de primeiras
séries, há evidências de que o conhecimento do diretor sobre as matérias
ensinadas e sua intervenção nas práticas dos professores – especialmente
aqueles com dificuldades – melhoram o desempenho dos alunos. Nos anos mais
avançados, é impossível para um diretor dominar todas as áreas, de forma que
seu impacto precisa ser indireto, mas não por isso ele é menos importante.
Pesquisas sugerem, por exemplo, que em aulas de linguagem uma estratégia em que
os alunos se engajam através de questionamentos e uma postura interativa
facilita o aprendizado, enquanto em aulas de matemática ocorre o oposto:
estratégias em que o professor passa mais tempo explicando conceitos,
formalizando o conhecimento, têm melhores resultados. O mau diretor acha que
cada professor deve fazer o que bem entender. O bom diretor julga que todos
precisam de orientação e que a escola deve ter um padrão. Por isso é que
normalmente não se veem escolas com resultados muito díspares entre séries ou
disciplinas. Ainda faltam pesquisas para esmiuçar esse fenômeno, mas em minhas
andanças por escolas do Brasil afora ficam claros dois fatores. Primeiro, os
semelhantes se atraem: professor descompromissado procura escola de diretor
idem, e bons diretores fazem o possível para afastar os maus professores e
atrair os bons. Uma diretora arretada de escola pública de Fortaleza me contou
que uma de suas professoras tirava licença médica atrás de licença médica. Ela
também trabalhava em uma escola particular, sé que a essa comparecia sempre.
Quando a professora estava de licença, a diretora ligava para a escola
particular e descobria que ela estava trabalhando. Depois de alguns meses em
que teve seu comportamento desmascarado, a professora malandra pediu para sair.
O segundo mecanismo é através do exemplo. Quando um professor sabe que seu
diretor está batalhando e que vai cobrá-lo, isso é motivador. E vice-versa:
visitei uma escola em Goiânia em que a diretora resolveu afrouxar as cobranças
sobre alunos e professores porque queria se candidatar a vereadora e não
convinha antagonizar ninguém. Os professores ficaram tão desmotivados, e
trataram seus alunos com tanta indiferença, que logo a escola saiu do controle:
os alunos, enraivecidos, começaram até a riscar o carro de professores.
Outra marca do bom
gestor escolar é a relação com a comunidade. Em linhas gerais, os bons
diretores atraem os pais, trazendo-os para perto da escola. Só assim um pai ou
mãe poderá monitorar, cobrar e ajudar os filhos. Os maus gestores só se lembram
de que os pais existem quando precisam culpar alguém pelo insucesso da escola.
Eles costumam tratar os pais com menosprezo e distância: para um pai marcar uma
reunião com um diretor desses, é missão impossível. Bem diferente de uma marca
freqüente do bom diretor: ele espera pais e alunos no portão da escola, todos
os dias, na entrada e na saída. É uma oportunidade de estreitar o contato com
os pais, comentar os problemas do dia a dia antes que cresçam e simplesmente se
colocar à disposição de todos.
Ainda estamos longe de
desvendar todos os mistérios da boa gestão escolar, mas a pesquisa traz três
achados encorajadores. O primeiro é que, no Brasil, onde a bagunça
administrativa é generalizada, iniciativas muito simples para pôr a casa em
ordem têm efeito significativo. Um programa de intervenção na gestão das
escolas estaduais de São Paulo que se encontravam entre as 5% piores trouxe
melhoras no aprendizado dos alunos de até incríveis 40%. Resultados que vêm com
medidas simples como oferecer mais aulas de reforço, coibir faltas de
professores e passar mais tempo visitando e acompanhando as salas de aula. O
segundo é que o salário do diretor está diretamente relacionado com o
aprendizado dos alunos, ao contrário do salário dos professores. É bem mais
barato e eficaz mexer no salário de diretores (menos de 200 000 pessoas) do que
no de professores e funcionários (mais de 5 milhões). Terceiro, o impacto da
gestão escolar é enorme: pesquisas americanas sugerem que um quarto da
disparidade de desempenho entre escolas é diretamente atribuível a diferenças
de gestão. Depois das ações dos professores em sala de aula (que respondem por
um terço), esse é o quesito mais importante na determinação do sucesso
acadêmico dos alunos.”
Eis, pois, mais páginas
contendo importantes, adequadas e oportunas abordagens e reflexões que acenam,
em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de
valores –, para a imperiosa e
urgente necessidade de profundas
mudanças em nossas estruturas educacionais,
governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas,
financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no
concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e
sustentavelmente desenvolvidas...
Assim, urge ainda a
efetiva problematização de questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade
absoluta de nossas políticas públicas;
b) o
combate, implacável e sem trégua,
aos três dos nossos maiores e mais avassaladores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente e
diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar
por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e
comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício,
em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e
danos, inexoravelmente irreparáveis;
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e
intolerável desembolso de cerca de R$ 1
trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma
imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
Destarte, torna-se
absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tanta
sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa
capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a
credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de extremas e sempre crescentes necessidades
de ampliação e modernização de
setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos e aeroportos); a educação;
saúde; saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos
tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte,
acessibilidade); emprego, trabalho e
renda; agregação de valor às commodities; assistência social; previdência
social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas;
polícia federal; defesa civil; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia
e inovação; logística; comunicações; turismo; esporte, cultura e lazer; sistema
financeiro nacional; minas e energia; qualidade (planejamento –
estratégico, tático e operacional, eficiência, eficácia, efetividade,
economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...
São, e bem o sabemos,
gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande
cruzada nacional pela cidadania e
qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada,
qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que
possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e
potencialidades com todas as
brasileiras e com todos os
brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos
e que contemplam eventos como a Copa das Confederações em junho; a 27ª Jornada
Mundial da Juventude no Rio de Janeiro em julho; a Copa do Mundo de 2014; a
Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das
exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das
empresas, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias,
da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da
paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...
Este é o nosso sonho, o
nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...
O
BRASIL TEM JEITO!...