“Ativismo
judicial: o que é, sem meias palavras
Inútil tentar colar no
debatedor o rótulo de juiz conservador ou reacionário, como têm agido
aqueles que se intitulam progressistas,
em relação a quem não se alinha com o modismo do politicamente correto, sempre
com a intenção de interditar o debate sobre temas relevantes para a superação
do nosso atraso crônico. Conheço os juízes das gerações mais antigas e da minha
geração, e posso afirmar que pouquíssimos, que se contam nos dedos de uma mão,
experimentaram a mesma militância política e profissional que tive, sempre no
espectro ideológico da antiga esquerda. Passei da militância nas franjas de
organizações de esquerda e no movimento
estudantil aos movimentos de direitos humanos e da anistia, e à advocacia
trabalhista em sindicatos de trabalhadores. Já magistrado, fui presidente da
Amatra e vice da Anamatra, respectivamente, as associações regional e nacional
dos juízes do trabalho, e encarei lutas encarniçadas contra a representação
classista, o nepotismo e outros desmandos dos tribunais, que nos tratavam como
servidores de terceira categoria.
Mudou
o homem ou mudaram-se os tempos. Os tempos é que são outros, pois, moveu-se a
engrenagem da história, e por isto me sinto livre e à vontade para criticar
certas posições hoje adotadas por juízes, sobretudo trabalhistas, que inflam o
peito para se declarar de esquerda ou progressistas, e se põem a reinventar a
roda. E acabam inventando esquisitices como o ativismo judicial. Ouso dizer que
andam na contramão da história, pois na verdade praticam um certo fundamentalismo
trabalhista e judicial que não se coaduna com os princípios da liberdade e da
democracia, em resumo, do Estado democrático de direito. Imaginam fazer a
revolução e a redenção dos denominados excluídos, mas na verdade contribuem
para mantê-los na condição de cidadãos de segunda classe, eternamente
condenados ao trabalho subordinado.
Nada
fácil conceituar esta novidade, que muitos dizem ser o novo modus operandi do
juiz pós-moderno e progressista. Mas é fácil identificá-lo nos julgamentos à
margem ou contrários à lei, contratos e outras regras de direito, inclusive as
de origem sindical. Invocam apenas princípios, que são extraídos aos montes da
Constituição ou originários do criativo mundo da academia, que, todos sabem,
vive descolado da realidade. Não raro, julgam até sem a iniciativa das partes,
ou contra sua vontade, numa espécie de voluntarismo judicial que é a negação da
essência da própria Jurisdição. Só reconhecem e valorizam o sindicato quando
ele se apresenta como indutor de demandas individuais e inundam a Justiça com
ações, cujo objetivo maior é o resultado financeiro e a indisfarçável busca de
honorários para seus advogados. Já quanto às normas das negociações sindicais,
estas são simplesmente desprezadas com o discurso de que eles vendem o direito
aos trabalhadores no altar profano do patronato. Também pudera, pois a eles
jamais foi permitida a maioridade, assim como não se deve permiti-la ao
trabalhador. Todos devem estar sob a eterna proteção do Estado Nhonhô.
Legislação
trabalhista não falta no país, ao contrário, ela está aí em abundância e os
variados enxertos de lei agregados à vetusta CLT são ocorrências notórias nos
últimos anos. Estabeleceu-se uma verdadeira babel no campo da regulação do
contrato de trabalho, a ponto de engessá-lo como instrumento eficiente de
melhoria das condições de trabalho dos empregados e do alcance dos desejados
índices de produtividade do trabalhador, condições necessárias para o progresso
social e econômico do país. De tempos em tempos uma brilhante tese de doutores
iluminados percorre o caminho dos congressos, dos livros, da jurisprudência e
da súmula, e chega ao átrio sagrado da CLT, para a glória de todos. Outras
estacionam nas súmulas dos tribunais, e aqui os juízes praticam a usurpação do
poder de legislar da representação popular, que é o Congresso Nacional. Tomem,
por exemplo, regras (proibitivas) sobre terceirização de serviços,
estabilidades as mais diversas, horas extras por minutos excedentes e por
violação de intervalo de jornada, horas extras pelo tempo de transporte dos
trabalhadores, estas conhecidas como horas in
itinere, e outras ilusões plantadas na legislação. Tudo isso gera milhares
de demandas, que, por sua vez, requerem a criação de mais varas e tribunais,
nomeação de servidores, e verbas, muitas verbas. Então, cabe a pergunta: até
quando sociedade e contribuinte pagarão a conta?
Assim,
os únicos resultados visíveis e práticos do ativismo judicial podem ser
resumidos na insegurança jurídica, com instabilidade nas relações trabalhistas,
sociais e econômicas, e o aumento exponencial dos níveis de litigiosidade no
Judiciário como um todo, e especialmente no trabalhista. Os primeiros têm sido,
sabidamente, um dos fatores influentes no estado de letargia do país, que
simplesmente não consegue crescer e desenvolver para o bem de todos,
principalmente dos trabalhadores. E os segundos, que refletem e são reflexos
dos primeiros, resultam apenas na hipertrofia da máquina da Justiça, com
altíssimos custos sociais para um país tão carente de investimentos em
educação, saúde, moradia, infraestrutura etc.
Não se
iludam! O ativismo judicial, onde o juiz é a própria lei, é perigoso e
contrário à democracia. Mais ainda quando todos sabemos que seu fundamento
maior pode ser encontrado nos escritos de um teórico que teve papel fundamental
na justificação do Estado nazista, de triste memória para a humanidade. O nome
dele? Carl Schmitt.”
(JOÃO BOSCO
PINTO LARA. Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região
(TRT), foi professor da Faculdade de Direito da PUC Minas (1985/2002),
presidente da Amatra (1997/1999) e vice-presidente da Anamatra (2000/2002), em
artigo publicado no jornal ESTADO DE
MINAS, edição de 21 de março de 2014, caderno DIREITO & JUSTIÇA, página principal).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo e edição,
caderno OPINIÃO, página 9, de
autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE
AZEVEDO, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente
integral transcrição:
“Tesouro
da credibilidade
O
tesouro da credibilidade está em baixa e merece atenção. Segundo pesquisa divulgada
pelo Ibope, 62% dos brasileiros têm desconfiança uns dos outros. A referência à
confiança depositada nos próprios familiares – 73% dos entrevistados – é um
sinal de esperança e da centralidade da família na vida de cada pessoa e da
sociedade. O núcleo familiar será sempre o ponto de partida e fonte perene de
referências, escola vivencial para aprendizagem do amor e da fidelidade a Deus
e aos outros. Cada pessoa é um dom, e seu cultivo começa na família, primeiro e
insubstituível berço da sua história. A família é uma célula vital para a
sociedade.
Quando
se pensa a ecologia humana, tão determinante na luta por mudanças na sociedade
em crise, a instância família é fundamental. Trata-se da escola da
reciprocidade, um sentido que se não for aprendido compromete,
consequentemente, o tesouro da credibilidade sobre o qual as relações sociais e
políticas se sustentam. O clima natural do afeto familiar possibilita, a cada
indivíduo, exercitar a competência de ser reconhecido e responsabilizado.
Qualquer comprometimento desse núcleo inviabiliza os andamentos adequados da
vida cidadã, favorece a lamentável cultura da corrupção, pois se perde o gosto
e o apreço prioritário pela honra.
O
sentido de honra não aprendido na família alimenta uma sociedade
individualista, responsável por descompassos que atormentam a vida cotidiana.
Gera a violência crescente, a ganância, a permissividade e a manipulação de
pessoas. Favorece o abominável tráfico humano, a escravidão, que coloca a
sociedade contemporânea na contramão do caminho para a civilidade. O gosto pela
honra é, portanto, um dos capítulos fundamentais na aprendizagem familiar,
sustentáculo de tudo, desde a transparência e fidelidade à palavra dada até os
mais complexos comprometimentos na ordem do respeito e da promoção da dignidade
humana.
A
configuração e entendimentos da economia e das relações sociais contemporâneas
sofrem de deteriorações muito graves. O tesouro da credibilidade vai sendo
corroído. Na raiz desses problemas, está uma triste constatação: não se dá o
devido apreço à honra. É saudosa a recordação de figuras familiares,
religiosas, cidadãs que primavam pela importância desse princípio. O descuido
com ele é o consequente processo de negociação da própria dignidade, abrindo-se
ao “vale-tudo”, desde que interesses particulares, como as conquistas de
posições, garantias de comodidades e satisfação do desejo de possuir sempre
mais, sejam alcançados.
Está
posto o desafio, diante da ameaça ao tesouro da credibilidade na sociedade
brasileira, de investir na reversão desse quadro a partir da recuperação e
adequada valorização da honra. Uma qualidade que é o esplendor da vida humana.
Sua conquista é presidida pela consciência de se adotar condutas marcadas pela
autenticidade, jamais por artimanhas, qualquer tipo de mentiras ou trapaças,
posturas que justificam o preocupante dado que aponta a pesquisa: 82% dos entrevistados acreditam que a maioria das
pessoas só se preocupa com o próprio benefício. Quando a consciência perde a
sua configuração, que inclui o gosto da honestidade, da transparência e da
tranquilidade, cresce a ameaça. É acentuada a gravíssima crise moral que assola
e dizima a sociedade contemporânea.
O
apreço e respeito aos princípios, o cultivo da credibilidade, encontram força
na palavra de Santo Agostinho, no seu Livro
das confissões. Ele comenta: “Encontrei muitos com desejos de enganar os
outros, mas não encontrei ninguém que quisesse ser enganado. Por que é que os homens
têm como inimigo aquele que prega a verdade, se amam a vida feliz, que não é
mais que a alegria vinda da verdade?” A verdade, em tudo e em todas as
circunstâncias, foge do desejo de enganar, gera e sustenta condutas cidadãs,
com força para a ordem da justiça. É hora de investimentos para debelar o caos
da avassaladora crise moral contemporânea, aprendendo e ensinando sobre o valor
do tesouro da credibilidade.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
graves e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de
liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas transformações em nossas
estruturas educacionais, governamentais,
jurídicas, políticas, sociais, econômicas, financeiras e ambientais, de
modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais
livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente
desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade
absoluta de nossas políticas públicas;
b) o
combate, implacável e sem trégua,
aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente,
competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares
civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da
vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de variada
ordem (a propósito, não é o petróleo em si que mancha, mas a corrupção mancha
até o petróleo...); III – o desperdício,
em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e
danos, inexoravelmente irreparáveis);
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2014, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e
insuportável desembolso de cerca de R$ 1
trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$ 654 bilhões), a exigir igualmente uma
imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta
a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e
regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores
como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos
sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana
(trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às
commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência
social;segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas;
polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência,
tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações;
qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –,
transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade,
produtividade, competitividade); entre outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem
arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta
grande cruzada nacional pela cidadania e
qualidade,visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa, justa, ética, educada,
civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e
solidária, que permita a partilha de suas extraordinárias e generosas
riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos
os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos
bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa do Mundo; a
Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das
exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das
organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas
tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...
O
BRASIL TEM JEITO!...