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quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

A CIDADANIA, UMA HOMENAGEM AOS PROFESSORES E A VERDADE NA EDUCAÇÃO

“Aos professores, com carinho
        
         Queridos mestres, me perdoem a falta de jeito, o estilo saudoso de enviar-lhes esta cartinha. Coisa de aluno antigo, do tempo que os mestres eram sagrados, respeitados, admirados por todos nós. As coisas mudam, mas nunca mudará a importância e nobreza de quem transfere conhecimentos e cultura.
         Ao me ver hoje, sei que sou uma extensão de um universo em que fui apresentado por vocês. Indescritível a emoção de começar a ler e, na mesma medida após esforço e luta, ser recompensado com uma nota máxima.
         Na minha ante-sala da memória, quadros afetivos povoam a galeria de heroicos e dedicados mestres: dona Guilhermina e Violeta, professoras da pré-escola, são lembranças vivas do entusiasmo de lecionar.
         E como descrever os rígidos Dalmi ou Maria Helena? Um imenso desejo de que aprendêssemos, iluminando o caminho do saber. Dona Marina de biologia, ou o Zé Mauro, mascarado e achista!
         A beleza e ingenuidade da Amélia dando a química, uma tabela periódica charmosa e o desejo da alquimia que nos transformasse em mocinhos em busca da musa.
         Ensinar é uma arte, uma missão cada vez mais árdua e heroica. Olhando para trás, revejo os milagres que o Português trouxe à minha vida ao ensinar que o sujeito, se usar um verbo sagrado, agirá direta ou indiretamente sobre o objeto, que pode muito bem ser promovido ou destratado por um adjetivo, e olhe que uma única vírgula pode atrapalhar tudo!
         Aprendi com dona Emília que palavras têm alma, e lamento que o estudo delas tenha abolido o latim e o grego.
         Quisera eu dizer a uma musa que ela me “inspira” (“ins”: dentro de, “piros”: chama sagrada! Ou saber que o universo é “um Deus derramado” ou que entusiasmo significa, na sua etimologia, “trazer um Deus dentro de si”.
         Agradeço ao professor Dalmi esta revelação de que palavras são códigos que traduzem as três energias da mente: o que eu penso, o que eu sinto, o que eu desejo fazer. Pensar, sentir, agir e então me apresentar ao mundo.
         Lamento quando mostra-se que um adolescente atual sabe e convive com no máximo 200 palavras, são analfabetos funcionais, vivem sem poesia, sem expressão, sem inspiração.
         E falar de história, desvendando todo o caminho que meus antepassados percorreram, guerreando, inventando, construindo o mundo que habitamos.
         Pensar na biologia, que mostra que cada célula minha é uma cópia de mim mesmo e se clonado me ressuscitará daqui a mil anos.
         Ou a física, que me faz matéria e energia e a química, que mostra que somos nada mais que uma tabela periódica de elementos universais: carbono, hidrogênio, oxigênio, ferro, cálcio e por aí vai, portanto, do “pó vieste e ao pó voltará”. Não há ouro que sobreviva ao fim certo e a eternidade esperada.
         Termino esta coluna após ver um estudo que mostra que cada vez menos pessoas querem ser professores e que já faltam docentes em milhares de escolas. E lamento que nós, alunos, os pais, a comunidade em geral, estejamos tão viciados em celulares e eletrônicos.
         Lamento que pessoas reais não recebam um abraço, um cumprimento carinhoso, o respeito mínimo de quem nos forma e, generosamente, doa conhecimentos.
         Que nesta volta a mais um ano letivo, desejo do fundo do meu coração que todos os professores sejam abençoados com a saúde, a paz, a serenidade e, assim, sejam reconhecidos como patrimônio da humanidade!
         Agradeço aos mestres citados e perdão aos que não o foram pois homenageei professores de mais de 40 anos atrás sem os quais esta coluna não teria sido escrita!”

(Eduardo Aquino. Escritor e neurocientista, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 12 de janeiro de 2014, caderno CIDADES, página 4, coluna Crônicas sobre o comportamento e o relacionamentos humano).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado na revista VEJA, edição 2356 – ano 47 – nº 3, de 15 de janeiro de 2014, páginas  76 e 77, de autoria de Gustavo Ioschpe, que é economista, e que merece igualmente integral transcrição:

“Por que não falar a verdade, ministro?
        
         Em dezembro, foram divulgados os resultados do Pisa, o mais importante teste de qualidade da educação do mundo, realizado a cada três anos com alunos de 15 anos. Como vem ocorrendo desde a primeira edição, no ano 2000, os resultados do Brasil foram péssimos. Ficamos em 58º lugar em matemática, 59º em ciências e 55º em leitura, entre os 65 países que participaram. Caímos no ranking nas três áreas, em relação à prova anterior. Como já havia acontecido em edições passadas, nem nossa elite se salvou: os 25% mais ricos entre os alunos brasileiros tiveram desempenho pior que os 25% mais pobres dos países desenvolvidos (437 pontos versus 452 pontos em matemática).
         A Alemanha, assim como o Brasil, também participa do Pisa desde 2000. Quando os resultados daquele ano foram divulgados, os alemães descobriram que o país de Goethe, Hegel e Weber tinha ficado em 21º lugar entre os 31 participantes daquela edição, abaixo da média dos países da OCDE. Os dados caíram como uma bomba. A presidente da Comissão de Educação do Parlamento alemão disse que os resultados eram uma “tragédia para a educação alemã”. A Der Spiegel, a mais importante revista do país, refletiu a tragédia com a seguinte manchete de capa: “Os alunos alemães são burros?”. O alvoroço levou inclusive à criação de um game show na TV alemã.
         No dia do anúncio dos resultados da última edição do Pisa, a reação brasileira foi bem diferente. Nosso ministro da Educação, Aloizio Mercadante, convocou uma coletiva de imprensa para declarar que o Pisa era uma “grande vitória” da educação brasileira e um sinal de que “estamos no caminho certo” (rumo ao fundo do poço?). Recorreu à mesma cantilena de seu antecessor, Fernando Hadad: “A foto é ruim, mas o filme é muito bom”. Ou seja, a situação atual ainda não é boa, mas o que importa é a evolução dos resultados. E nesse quesito Mercadante fez um corte bastante particular dos resultados (focando apenas matemática, e só de 2003 para cá) para afirmar que o Brasil era “o primeiro aluno da sala”, o país que mais havia evoluído. Sem mencionar, é claro, que evoluímos tanto porque partimos de uma base baixíssima. Quando se parte de quase nada, qualquer pitoco é um salto enorme.
         Essas reações são tão previsíveis que escrevi um artigo, disponível em VEJA.com, um dia antes da fala do ministro, não só prevendo o teor da resposta como até o recurso à sétima arte (todos os links disponíveis em twitter.com/gioschpe). Mas, apesar de esperada, a resposta do ministro me causa perplexidade e espanto. Ela é muito negativa para o futuro da educação brasileira.
         Eis o motivo da minha perplexidade: Mercadante e seu MEC não administram as escolas em que estudam nossos alunos de 15 anos. Dos mais de 50 milhões de estudantes da nossa educação básica, mero 0,5% está na rede federal. No Brasil, a responsabilidade por alunos do ensino médio é fundamentalmente de estados (85% da matrícula) e da iniciativa privada (13%). O MEC administra as universidades federais e cria alguns balizamentos para a educação básica, além de pilotar programas de reforço orçamentário para questões como transporte e merenda escolar, entre outras funções. A tarefa de construir as escolas, contratar e treinar os professores e estruturar o sistema é dos estados. No ensino fundamental, dos municípios. Portanto, os resultados do Pisa não representam um atestado de incompetência do Ministério da Educação. A maior parte da responsabilidade está certamente com estados e municípios. Além do mais, a tolerância do brasileiro para indicadores medíocres na área educacional é sabida e, ao contrário da Alemanha em 2000, não havia nenhuma expectativa de que tivéssemos um desempenho estelar no Piso. Por que, então, o ministro não pode vir a público e dizer a verdade: que nossa situação é desastrosa, e que enquanto não melhorarmos a qualidade do nosso ensino continuaremos a chafurdar no pântano do subdesenvolvimento e da desigualdade? Não haveria custo político para Mercadante nem para o PT, já que o problema da nossa educação vem de antes da era lulista, e estados administrados por partidos de oposição tiveram resultados tão ruins quanto os da situação. Até entendo que seu antecessor se valesse dessa patacoada, pois teve uma gestão sofrível e era um neófito político em busca de divulgação, mas Mercadante já é um político consagrado e está fazendo uma boa gestão, a melhor da era petista; não era preciso disso.
         Antes que os patrulheiros venham com suas pedras, eu me adianto: o ministro não mentiu em suas declarações, apenas tapou o sol com a peneira. Fez uma seleção de dados destinada a conferir uma pátina brilhante a um cenário que na verdade é calamitoso. E esse malabarismo político, longe de ser apenas mera questão de conveniência pessoal, é muito ruim para o país.
         Vocês que me leem há algum tempo sabem que estou convencido de que o grande entrave para a melhoria da qualidade educacional brasileira é o fato de que nossa população está satisfeita com nossa escola (em pesquisa do Inep com amostra representativa de pais de alunos da escola pública, a qualidade do ensino da escola do filho teve uma inacreditável nota média de 8,6. Realidade africana, percepção coreana...). Enquanto a população não demanda nem apoia mudanças, os governantes não têm capital político para encarar a força obstrucionista dos sindicatos de  professores e funcionários (um contingente absurdamente inchado de 5 milhões de pessoas). Excetuando VEJA, este colunista e mais meia dúzia de quixotes, toda a discussão nacional sobre o tema é dominada por mantenedores do status quo. Canais de TV buscam sempre alguma história de superação individual, para dar um contorno feliz a uma história triste. Rádios estão preocupadas com debates inflamados, a despeito da veracidade do que é discutido, quer o assunto seja educação, política ou futebol. Jornais acham que aprofundar um assunto é dar os dois lados da moeda, como se a educação fosse questão de opinião, não de pesquisa. Empresários não querem falar nada que gere conflito; a maioria dos intelectuais é também professor e tem interesses pecuniários; políticos em geral querem se tornar prefeitos ou governadores. Nesse cenário, quem é que vai falar para o brasileiro aquilo que ele não quer ouvir? O candidato natural é o ministro da Educação. Imaginem que fantástico seria se o Mercadante tivesse vindo a público para dizer: “O Brasil foi muito mal no Pisa. Nossos alunos não estão aprendendo o que precisam. Está na hora de encararmos essa realidade. Temos uma enorme crise educacional – o que, na Era do Conhecimento, significa que enfrentamos um gravíssimo problema. Para vencê-lo, todos teremos de arregaçar as mangas e trabalhar mais. Este ministério não administra as escolas, mas estamos à disposição de todos os prefeitos, governadores e secretários de Educação que querem melhorar”.
         Essas palavras poderiam marcar o início de uma nova era. E isso não traria custo político ao ministro. Acho até que geraria benefícios. São palavras de um estadista, de alguém que se preocupa com o futuro de milhões de alunos que hoje estão sendo massacrados por uma sistema educacional inepto.
         P.S.: Depois da comoção de 2000, a Alemanha deu um salto. Neste último Pisa, ficou bem acima de média obtida pelos países da OCDE, abocanhando o 12º em ciências, o 16º em matemática e o 19º em leitura.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de variada ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irrecuperáveis;

     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2014, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e insuportável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 639 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional  –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade; entre  outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e abundantes riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa do Mundo; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...

O BRASIL TEM JEITO!...

    

segunda-feira, 22 de julho de 2013

A CIDADANIA, OS ENSAIOS DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E O FOCO NA EDUCAÇÃO

“Os recentes ensaios de democracia participativa
        
         O discurso já vem de longe. A democracia representativa, que vive na maioria dos países ditos democráticos, depois que o poder econômico se tornou avassalador e globalizado, tem mostrado sinais de enorme decadência.
         O dinheiro entra, pelo menos três vezes, de modo decisivo, na escolha e atuação dos representantes do “povo”. Para eleger-se, necessita-se de muito dinheiro que pessoalmente só o têm aqueles que pertencem à elite. Outros necessitam de financiadores, que se transformam em “benfeitores” à espera da “gratidão” dos políticos. Já aí a representatividade sofre detrimento. Uns se fazem representar mais que os outros. E os detentores do capital gozam de vantagens incomparáveis.
         No trabalho parlamentar, os políticos frequentemente  isolam-se das aspirações e dos problemas populares. Lá funcionam os poderosos lobbies. E quem os financia? De novo, o capital consegue privilégios únicos ao controlar os projetos, forçar as votações daqueles que os favorecem.
         O político sabe que no período de mandato se extingue em quatro ou oito anos. E depois?  A reeleição entra, logo no início, com perspectiva de futuro. De novo, interfere o capital, que acompanha o político todo o tempo para testar-lhe a confiança e, assim, ajudá-lo no próximo processo eleitoral.
         A liberdade do político restringe-se enormemente em face dos interesses dominantes. No discurso, mostra-se popular, na prática, submete-se ao império do sistema presente, quase sem saída.
         A alternativa fácil e tentadora, sobretudo em momentos de convulsão social, soa como golpe, como já a conhecemos em 1964. O provérbio popular lembra-nos que “a emenda ficou pior que o soneto”. As soluções rápidas de processos que carecem de tempo terminam ainda mais desastrosas.
         Aos poucos, a cultura atual está a descobrir novas formas de ação política que não passam pela mera representatividade partidária. Assistimos, nas últimas semanas, a ensaios de tal experiência. Algumas conquistas se fizeram por força da pressão popular. No entanto, um país não vive de mobilizações de massa em grande escala. Cumpre encaminhar dois processos simultâneos: diminuir  o custo econômico dos parlamentares, reduzindo drasticamente o número e controlando os numerosos adendos de privilégios e assessores. Já não cumprem bem a finalidade para a qual se elegeram. E o dinheiro público teria, então, chance de criar alternativas: mobilizar outras maneiras de ouvir a população, como sindicatos, movimentos sociais, grupos de base, orçamento participativo, organização de bairro, notáveis da República etc. E crescem em importância as redes sociais. Como inseri-las eficientemente na sondagem de opinião permanece tarefa fundamental para a democracia futura. Nada se faz sem riscos. E só experiências, inicialmente tópicas e bem-sucedidas, permitem legislação nova, flexível e colada à realidade das grandes maiorias.
         A lentidão do aspecto jurídico parlamentar emperra mudanças  rápidas do país. A consulta direta ao povo, via plebiscito ou outras formas a serem criadas, permite transformações aderentes à vida do povo com maior presteza. Estamos em tempo de pensar o futuro, para que tanta vitalidade, expressa nas mobilizações populares, não termine no silêncio acomodado.”

(J. B. Libânio. Teólogo, escritor e professor; padre jesuíta, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 14 de julho de 2013, caderno O.PINIÃO, página 21).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado na revista VEJA, edição 2329 – ano 46 – nº 28, de 10 de julho de 2013, páginas 100 e 101, de autoria de GUSTAVO IOSCHPE, que é economista, e que merece igualmente integral transcrição:

“DADOS NOVOS,

PROBLEMA

ANTIGO
        
          Na terça-feira 25 de junho, foram divulgados os dados do Education at a Glance 2013, o maior observatório de estatísticas educacionais do mundo, atualizado anualmente pela OCDE. O levantamento traz informações dos 34 países-membros da OCDE (os do chamado Primeiro Mundo, mais Chile, México, Turquia e países da Europa Oriental) e oito países do G20, incluindo o Brasil. O EAG reúne dados sobre diversos aspectos da educação – financiamento, estrutura de gastos, escolaridade da população, carga horária dos sistemas educacionais e retornos à educação, entre outros. Os dados são novos, mas, no que tange ao Brasil, infelizmente o retrato é antigo. Apesar de termos aumentado significativamente os insumos educacionais na última década – especialmente o volume de investimento –, nosso sistema educacional continua gerando poucos formados. Só 12% da nossa população adulta tem ensino superior, taxa que é quase um terço da existente nos países da OCDE (31%). Por causa da escassez de gente qualificada no país, os diplomados continuam ganhando excepcionalmente bem no mercado de trabalho (aqui, o bacharel ganha 2,5 vezes mais que alguém com apenas o ensino secundário, contra 1,5 vez na OCDE). Assim, a educação nacional, longe de ser uma ferramenta de alteração do status quo, torna-se a grande perpetuadora de nossas desigualdades de renda.
         Esses dados deveriam ser lidos com muita atenção por governantes e pelos manifestantes que foram às ruas clamando por uma educação melhor, sob pena de insistirmos na tecla errada: aumentar o volume de gastos no setor não deve trazer a qualidade educacional de que precisamos. Como mostra o EAG, em 2000 o Brasil gastava 2,4% do seu PIB com educação básica, contra 3,6% da média dos países da OCDE. Proporcionalmente, portanto, esses países gastavam 50% mais do que o Brasil. Em 2010, porém, a situação se invertera e o país já gastava 4,3% do seu PIB na área, contra 3,9% nos países da OCDE. Gastamos, portanto, 10% mais do que eles, em termos de nossas riquezas nacionais. Ainda gastamos menos no ensino superior (universitário): 0,9% do PIB, contra 1,6% do PIB.
         Mas, antes que se dê atenção aos que usarão esse dado como prova do “sucateamento” da universidade brasileira, é preciso prestar atenção aos detalhes e notar que ele compara coisas e realidades diferentes. O dado brasileiro diz respeito apenas a instituições públicas, enquanto na maioria dos países da OCDE os dados fornecidos são de instituições públicas e privadas. Essa é uma enorme diferença, porque no Brasil o setor privado responde por quase três quartos da matrícula universitária, enquanto nos países da OCDE, pelo contrário, 71% da matrícula está nas universidades públicas. Além disso, nesses países a taxa de matrícula no ensino superior costuma ficar entre 50% e 80%, enquanto no Brasil mal passa de 20%. Ou seja, gastamos um pouco menos no ensino superior, mas para um número várias ordens de grandeza menor de alunos. A diferença fica visível quando se olha para o custo por aluno. Se na educação básica o Brasil tem gastos semelhantes aos dos países desenvolvidos, no ensino superior nosso gasto por aluno, relativo ao nível médio de renda médio do país, é bem diferente: enquanto o universitário brasileiro custa 105% da renda de um brasileiro médio, nos países desenvolvidos essa relação é de apenas 41%.
         A educação brasileira também consome uma fatia maior do orçamento público do que aquela dos países da OCDE: 18,1% aqui, contra 13% lá. A destinação dos gastos é parecida: quase três quartos da verba vai para bancar o salário dos professores e funcionários. Os dados também trazem pouco alento àqueles que acreditam ser indispensável ter ensino de tempo integral em todo o sistema educacional para que seja possível oferecer um ensino de qualidade: a jornada média, no ensino fundamental, é de 863 nos países da OCDE contra as 800 previstas em lei no Brasil. Também fica difícil atribuir nosso insucesso à “superlotação” das nossas salas, já que aqui, novamente, as diferenças são pequenas: no Brasil há 27,5 alunos por classe no ensino fundamental, contra 22,3 na OCDE. O outro insumo medido pela OCDE que poderia lançar muita luz sobre o nosso debate educacional – o salário dos professores – está misteriosamente indisponível para o Brasil. Os dados brasileiros são enviados à OCDE pelo Inep, órgão do Ministério da Educação. Até o EAG de 2005, esses dados constavam dos relatórios. No EAG daquele ano – que trazia informações referentes a 2003, o primeiro ano do governo Lula –, os dados mostravam que o professor brasileiro tinha salário mais alto que o de países da OCDE, quando comparado à renda médias dos respectivos países (um professor brasileiro ganhava 2,3 vezes a renda média nacional, enquanto seu confrade da OCDE, com a mesma jornada e a mesma experiência na profissão, recebia 1,4 vez). Consultado sobre o porquê da omissão no relatório desse ano, o Inep/MEC não se pronunciou até o fechamento desta edição. Será porque esses dados ajudariam a reforçar que o professor brasileiro ganha o que seria de esperar, algo que desagrada aos sindicatos de professores e funcionários da educação, apoiadores históricos do PT? Fica a dúvida.
         Em entrevista a VEJA, Andreas Schleicher, diretor da OCDE, comenta as diferenças de resultados educacionais entre o Brasil e outros países em desenvolvimento que ostentam melhores indicadores no setor, como a China e o Chile. “Os países que tiveram melhorias significativas elevaram seus padrões de exigência e conseguiram tornar a docência uma profissão, em vez de ver o professor como um mero entregador de conteúdos. O Brasil poderia aprender com os chineses como eles fizeram para que os melhores professores e diretores se encaminhem para as escolas com maiores dificuldades – o oposto do que acontece no Brasil, onde os melhores professores escolhem as áreas mais fáceis. Os países de sucesso não são os que gastam mais, mas aqueles que aplicam seus recursos de forma que eles possam realmente fazer a diferença para quem mais importa, que são os alunos de família de baixa renda. Os alunos de classe média e alta vão bem em todos os lugares do mundo. O buraco entre o Brasil e outros países se dá pelo que é feito com os alunos pobres. Tanto o Brasil quanto a China acreditam que é importante dar uma educação de qualidade para todos os alunos, mas a diferença é que no Brasil a mediocridade é tolerada, é aceitável você ter um aprendizado mais ou menos. Na China as ambições são mais elevadas. Acho que o Brasil teria um desempenho muito melhor nos testes internacionais de educação se tivesse expectativas mais altas, especialmente para crianças mais pobres.”
         Está aí um pacto pela educação que nossas lideranças (e manifestantes) poderiam implementar: que todos os professores, funcionários, diretores de escola e secretários municipais e estaduais de educação se comprometessem a dar um ensino de qualidade mesmo aos alunos mais pobres, sem aceitar para eles nada menos do que desejam para os próprios filhos.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, pedagógicas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado,doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;
     
     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de variada ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, indubitavelmente irreparáveis;

     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e intolerável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias,  portos, aeroportos); a educação; a saúde; saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação); sistema financeiro nacional; comunicações; esporte, cultura e lazer; turismo; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e abundantes riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a 27ª Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro; a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...

O BRASIL TEM JEITO!...



quarta-feira, 17 de julho de 2013

A CIDADANIA E O ENCONTRO COM A JUSTIÇA E A VERDADE

“Sequela na cidadania
         
         O Poder Judiciário precisa entender sua melancólica incapacidade de fazer justiça. Pelos dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 26 milhões de novos processos vão parar no Judiciário anualmente. Mais de 50% desses processos são do próprio Poder Executivo, que estrategicamente prorroga por a nos a fio, por meio de recursos protelatórios, para não pagar o que deve mesmo sabendo devedores. Por isso é voz corrente que o Estado (Executivo) é o maior caloteiro. Basta ver os credores que morrem antes de receber os tais precatórios. E pior: isso parece coisa normal. Não é. Está caindo a ficha e o poder das redes sociais começa a gritar por essa razão também. Vale recordar a frase de Rui Barbosa: “Justiça tardia não é justiça”.
         A outra metade dos processos advém das atividades privadas. A lentidão dos processos enfraquece e tira a esperança da parte mais vulnerável. Isso se torna mais evidente na área do direito de família. É claro que em muitos deles as estórias de degradação do outro fazem parte de um “gozo” com o litígio. As partes, não tendo capacidade para resolver seus conflitos internos, acabam levando os restos do amor para o Judiciário. E isso era estimulado pela própria lei quando dizia que havia um culpado pelo fim do casamento. Apesar da evolução jurisprudencial e da Emenda Constitucional 66/10, que simplificou o divórcio, eliminando prazos desnecessários e o inútil modelito da separação judicial, ainda há quem insista na discussão de culpa, que não leva a nada e ajuda a abarrotar ainda mais o Judiciário.
         A maior parte dos processos judiciais de família referem-se a casos de pensão alimentícia. Apesar do esforço da Defensoria Pública, que atende a população carente, os mais fracos continuam com suas necessidades básicas não atendidas e os processos não andam, arrastam-se em imbróglios processuais e burocráticos. Outra balela: quem tem mais de 60 anos tem prioridade na tramitação dos processos judiciais. O Poder Legislativo também deveria fazer um mea-culpa. Passou-se a achar normal a lentidão da tramitação dos projetos de lei  no Congresso Nacional. Tudo bem que democracia não é simples e dá trabalho. Mas grande parte dos parlamentares parece se desviar totalmente de sua função para a qual foram eleitos. E, para piorar a situação, o Estado, que deveria ser laico, compactua com essa situação e tende a voltar a ser um Estado religioso.
         A maior demonstração disso é a Comissão dos Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, que a todo custo quer impor sua moral particular, ainda que isso signifique expropriação de cidadanias. Não se aprova mais nenhum projeto de lei (PL) que tenha qualquer conteúdo contrário à moral religiosa. Por exemplo, está parado na mesa diretora da Câmara dos Deputados o Estatuto das Famílias (PL 674/07) desde 15/12/10, aprovado na Comissão de Constituição de Justiça, depois de tramitação e discussão com a comunidade jurídica, em razão de recursos da bancada evangélica. É um direito legítimo e democrático discordar e discutir. Mas as artimanhas e conchavos de poder tem travado o processo democrático. Não há explicação aceitável dessa paralisação, deste e de tantos outros PLs, que poderiam melhorar a Justiça e a cidadania. Essas inexplicáveis situações, em nome da moral excludente, e da manutenção de uma estrutura do poder, passaram a ser consideradas normais. Não o são.
         Felizmente, jovens se mobilizam e começam a ter a lucidez e a enxergar que essas estruturas de governo, seja no Executivo, Legislativo ou Judiciário, não são e não podem ser aceitos como normais. Será que o Ministério da Justiça, por meio de sua Secretaria da Reforma do Judiciário, ouvirá as vozes da rua? Será que os presidentes da Câmara e do Senado vão abrir os olhos para essas anormalidades? Entanto isto, e até que isso ocorra, nossa Justiça continuará cega, surda, muda e entrevada. E assim beneficiando naturalmente a parte economicamente mais forte.”

(RODRIGO DA CUNHA PEREIRA. Presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam), doutor em direito civil, em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 15 de julho de 2013, caderno OPINIÃO, página 9).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado na revista VEJA, edição 2326 – ano 46 – nº 25, de 19 de junho de 2013, páginas 96 a 98, de autoria de GUSTAVO IOSCHPE, que é economista, e que merece igualmente integral transcrição:

“Afinal, a verdade existe?
        
         Há muitos anos, dei uma palestra a professores de uma rede estadual de ensino. Muita gente, ginásio grande. Apresentei a saraivada de dados em que me baseio para estabelecer um diagnóstico da educação brasileira. Depois da fala, abriu-se espaço para perguntas. Lembro-me da primeira delas como se fosse hoje. “O palestrante que esteve aqui ontem nos advertiu de que números são palavras: são criações humanas. E que por trás de toda criação humana existe a intencionalidade da pessoa que a criou. Qual é a sua?”.
         É uma visão de mundo preocupante. Fruto do pensamento pós-modernista de viés marxista, postula que não existe uma verdade objetiva, depreendida do estudo de fatos através das ferramentas da ciência. O resultado dessa investigação científica seria apenas uma verdade, a versão inventada pelo homem branco ocidental para ajudá-lo a subjugar os povos subdesenvolvidos e as minorias dos países ricos. Existem, para os pós-modernistas, “verdades”, no plural, ditadas pelas características históricas, culturais e econômicas de cada pessoa ou grupo. A crença de um aborígene de que um trovão é uma manifestação do descontentamento de uma deidade qualquer tem, portanto, o mesmo grau de verdade da descoberta de que o trovão é causado pela ionização e pelo aquecimento do ar que envolve um raio, gerando rápida expansão e a consequente onda de som.
         Para que seja possível pensar assim, é preciso ignorar que existem fatos e que números, estatísticas, são apenas descrições quantitativas desses fatos. Se eu digo que a população brasileira em julho de 2012 era de 193 milhões de pessoas, segundo o IBGE, não se pode dizer que eu (ou os coconspiradores do IBGE) estou “criando” esse dado como se criasse um soneto. Não, as pessoas existem e estão lá! O número é apenas a maneira mais simples de comunicar esse fato, sem precisar mostrar fotos de todos os cidadãos nem repetir a contagem a cada instante. Se entendemos que fatos existem, e se notamos que os fatos corriqueiros do mundo que nos cerca já apresentam uma variedade e uma complexidade inenarráveis – da estrutura atômica e subatômica das partículas ao movimento das marés ou de planetas –, então necessitamos de um método impessoal e objetivo para perceber e compreender esses fatos. Esse método precisa ser peculiar: deve ser feito por seres humanos imperfeitos – com paixões e vilezas, sem visão de raio X nem audição perfeita – para superar as próprias limitações e chegar o mais rápido possível de observar o fato real, sem distorções ou falhas de interpretação. A criatura precisa superar o criador. Como fazê-lo? Perseguindo os fatos de maneira objetiva e técnica, gerando hipóteses sobre o mundo que só podem ser confirmadas através da medição. Porque, confiando em um método objetivo e em dados oriundos de medições, os resultados podem ser reproduzidos por diferentes pessoas em diferentes épocas, e as conclusões espúrias ou os métodos defeituosos podem ser expostos, corrigidos ou descartados. Sim, esse método a que me refiro é a ciência.
         Os pós-modernistas empenham-se em destruir o edifício da ciência. Não mostrando os erros metodológicos ou quantitativos dos estudos científicos, porque a maioria dos adeptos da causa não tem competência técnica para isso (“Errar é humanas”), mas simplesmente atacando a credibilidade dos “especialistas”. E isso se faz necessário não apenas porque, sem os guardiães do conhecimento embasado em fatos, qualquer Quixote pode descrever moinhos inexistentes que devem ser derrubados, mas também porque as investigações mais recentes de várias ciências, especialmente a biologia, descontroem muitas ideias  que são caras aos pós-modernistas e marxistas em geral. Entre elas, especialmente aquela de que o ser humano é um bicho fraterno e igualitário por natureza, e não o ser competitivo e movido pela busca de status e hierarquia em seu grupo social que a psicologia evolutiva não se cansa de demonstrar em estudos e experimentos (sugestões de leitura em twitter.com/gioschpe).  Claro, se o fato não existe, o cientista ou especialista só pode ser um impostor, que inventa dados para justificar algum viés inconfessável. Para os ideólogos, toda neutralidade é uma farsa. Quem aponta um erro de um pós-modernista não pode estar certo: necessariamente, deve ser um tarado neoliberal. O marxismo e seus derivativos formam um sistema fechado. Para os crentes, quem aponta seus erros o faz por algum interesse de classe, etnia ou nação e, portanto, pode ser imediatamente descartado. Só poderá apontar os erros quem for confrade. Mas, obviamente, quem é confrade não percebe os erros.
         As pessoas dessa inclinação acreditam que a ciência é uma religião, uma fé cega. Que os racionalistas apenas trocaram um deus crucificado por outro abstrato: o método científico. Mas esse é um engano fundamental e dantesco. Porque a marca da religião (e da ideologia) é justamente o dogma, a ideia inquestionável e infalsificável, porque revelada por uma entidade superior. A ciência se move por dúvidas, não por certezas: tudo é questionável e precisa ser demonstrado e reproduzido. Não há crença em entidades superiores. Pelo contrário: a ciência moderna se faz pela sobreposição de vários e pequenos esforços. Até que uma teoria ganhe respeitabilidade e passe a ser aceita como uma boa descrição dos fatos, precisa ser replicada por muitos pesquisadores, que podem estar espalhados por todo o planeta. É sempre assim que funciona? Claro que não. Quem conhece a história das ideias sabe que cientistas e pesquisadores sofrem dos mesmos vícios da humanidade em geral. São seduzidos pelo poder político e econômico, sucumbem a ideologias, aferram-se a teorias patentemente equivocadas por questões pessoais ou até mesmo estéticas. Mas, por mais que ideias tortas tenham vida longa, algum dia elas não resistem ao acúmulo de evidências contrárias e morrem, vão para o lixo da história, substituídas por formulações mais corretas.
         Algumas pessoas acham que não se pode confiar na ciência porque “uma hora eles dizem uma coisa, outra hora dizem outra”. Mas isso é causado mais por um viés da publicação dos resultados do que resultados em si. É mais culpa da imprensa (leiga e acadêmica) do que de pesquisadores: é a velha história de que quando um homem morde um cachorro é notícia, mas não vice-versa. Os resultados mais divulgados são frequentemente os mais destoantes do senso comum e da pesquisa anterior. É bom que sejam publicados porque arejam o debate, mas na maioria dos casos acabam sendo a exceção que comprova a regra. Não é verdade que o processo científico é um eterno pingue-pongue de versões antagônicas. O conhecimento avança, chegamos a consensos. Dificilmente ser verá algum estudo sério sugerindo que fumar faz bem à saúde. É verdade que os consensos não são perenes e que talvez vamos propor ações equivocadas por baseá-las em pesquisas que depois se descobrirão equivocadas. Mas no mundo real sabemos que a perfeição é inatingível. A questão, portanto, não é acabar com o erro, pois isso é impossível, mas minimizá-lo. E certamente uma ação baseada em evidências sólidas vai errar menos do que aquela inspirada em intuições e inclinações pessoais.
         Que pessoas ignorantes repitam essa linha do “cada um com sua verdade” é até compreensível, saturados que estamos, aqui nos tristes trópicos, de gente que compartilha essa cosmovisão. Na terra da cordialidade, pega mal defender a existência de uma verdade e o consequente erro daqueles que defendem seu oposto. Parece até arrogância. Que professores pensem assim já é mais triste e preocupante, pois uma tarefa fundamental do sistema escolar é transmitir ao alunado o conhecimento acumulado ao longo de séculos de trabalho árduo de pesquisadores e pensadores, que muitas vezes perderam a vida defendendo suas ideias “hereges”. Também são os professores que deveriam propagar o método científico, para que seus alunos possam empreender o mesmo caminho da busca da verdade trilhado pelos gigantes intelectuais que nos precederam.
         Mas que líderes públicos pensem assim, e ajam ao arrepio daquilo que a pesquisa já estabeleceu, aí não é apenas triste ou lamentável: é criminoso. Na área da educação posso dizer com tranquilidade: a maioria dos nossos gestores públicos despreza totalmente os milhares de estudos objetivos sobre o que funciona em educação. Insistem em gastar fortunas com ideias que a experiência, documentada em estudos rigorosos, já se encarregou de demonstrar serem inócuas. O Ministério da Educação agora cria um “Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa” que quer alfabetizar na idade errada (8 anos, em vez de 6) e defende um aumento radical do financiamento em educação que não terá nenhum impacto na melhora da qualidade do ensino (em breve escreverei artigo a respeito). Prefeituras insistem em alfabetizar com o método construtivista, quando o fônico tem se mostrado mais eficaz. Em diminuir o número de alunos em sala de aula ou colocar dois mestres por turma, o que não dá resultado. Em carregar nas ferramentas tecnológicas que não têm comprovação alguma, sem nem ao menos fazer uma escolha criteriosa do livro didático ou prescrever o bom e velho dever de casa, ambos com custo perto de zero e eficácia comprovada.
         Muitos o fazem por desconhecimento e preguiça, outros por conveniências políticas, outros ainda por motivos inconfessáveis (não há fornecedor de dever de casa para dar uma mãozinha no financiamento da próxima campanha...). Mas, no frigir dos ovos, eles só podem se safar de sua irresponsabilidade porque sabem que grande parte dos eleitores está convencida de que fatos são criados de acordo com a intencionalidade de cada um e que, portanto, vontades são mais importantes do que resultados e que as boas intenções dos inventores de factoides compensam o divórcio entre seus objetivos e suas realizações. Mas os dados existem. A verdade existe. E até os pós-modernistas mostram saber disso. Cada vez que tomam um remédio ou visitam um médico para tratar uma doença, em vez de consumir uma beberagem prescrita por um pajé, estão dando às próprias ideias a credibilidade que merecem. Ignoramos  esses dados, e os muito recados que nos mandam, por nossa conta e risco. Países não morrem nem vão à falência por teimar em ignorar a realidade. Mas podem estagnar ou retroceder, como mostra a história recente de alguns de nossos vizinhos. Se não acordarmos para a realidade, em breve haveremos de fazer-lhes companhia.
         
P.S.:Thomas Jefferson, um dos founding fathers dos EUA, escreveu que “onde a imprensa é livre, e todo homem capaz de ler, tudo está seguro”. Roberto Civita lutou para que cumpríssemos essas duas missões por toda a sua vida adulta. O Brasil perdeu um grande homem, mas o legado fica. Em boas mãos: a existência desta coluna, que irrita tantos há anos, só é possível em uma organização que preza a verdade antes de agradar a leitores ou poderosos.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, adequadas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:
     
    a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, isto é, próximos de zero; II – a  corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;

     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e intolerável desembolso de cerca de R$ 1trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); habitação;  mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; assistência social; previdência social; logística; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; sistema financeiro nacional; esporte, cultura e lazer; comunicações; turismo; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que permita a partilha de suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a 27ª Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro; a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...


O BRASIL TEM JEITO!... 

quarta-feira, 29 de maio de 2013

A CIDADANIA, AS DROGAS, O RECOMEÇO, A EDUCAÇÃO E A TECNOLOGIA

“Drogas, hora do recomeço
        
          O Governo do Estado de São Paulo acaba de lançar um plano para auxiliar a recuperação de dependentes químicos: o programa Recomeço. Segundo o professor Ronaldo Laranjeira, diretor do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), “o conceito envolve reconstrução dos valores pessoais, familiares e sociais e da vida profissional ou acadêmica”. O pulo do gato na fase da recuperação é o Cartão Recomeço. Trata-se de criar uma via fácil para que a família possa custear, com financiamento do governo, um período de recuperação predominantemente numa comunidade terapêutica.
         O crédito para tratamento será de R$ 1.350 mensais, a ser depositado diretamente para o serviço contratado. O valor não será entregue ao dependente ou a um familiar. As comunidades terapêuticas, reconhecidas pela idoneidade de seu trabalho, são indispensáveis nos programas de recuperação. Lá, depois de terem descido os degraus da miséria material e moral, os internos reencontram a chispa da esperança. Vida saudável, laborterapia, disciplina, resgate de valores e terapia individual e de grupo compõem a receita do modelo de recuperação. O respaldo do governo ao trabalho das comunidades terapêuticas pode ter excelentes resultados. O modelo social de recuperação complementa o modelo médico de tratamento. Após a fase de estabilização, os dependentes consolidam seu processo de mudança no sadio ambiente das comunidades terapêuticas.
         A luta contra o avanço das drogas, matriz da violência epidêmica que castiga a sociedade, passa, necessariamente, por investimentos na recuperação de dependentes. Manifesto, portanto, meu apoio ao programa de São Paulo. Além disso, o consumo e tráfico de drogas, responsável maior pela morte de milhares de jovens, exige uma radiografia verdadeira da mais terrível doença da atualidade.
         A psiquiatra mexicana Nora Volkow é uma referência na pesquisa da dependência química no mundo. Foi quem primeiro usou a tomografia para comprovar as consequências do uso de drogas no cérebro. A revista Veja, ao entrevistá-la, acertadamente, trouxe à baila um crime que chocou a sociedade. O cartunista Glauco Villas Boas e seu filho foram mortos por um jovem com sintomas de esquizofrenia e que usava constantemente maconha e dimetiltriptamina (DMT) na forma de um chá conhecido como santo-daime. “Que efeito essas drogas têm sobre um cérebro esquizofrênico?” A resposta foi clara e direta: “Portadores de esquizofrenia têm propensão à paranóia e tanto a maconha quanto a DMT (presente no chá do santo-daime) agravam esse sintoma, além de aumentarem a profundidade e a frequência das alucinações. Drogas que produzem psicoses por si próprias, como metanfetamina, maconha e LSD, podem piorar a doença mental de uma forma abrupta e veloz”, sublinhou a pesquisadora.
         Quer dizer: uma eventual descriminalização das drogas facilitaria o consumo das substâncias. Aplainado o caminho de acesso às drogas, os portadores de esquizofrenia teriam, em princípio, maior probabilidade de surtar e, consequentemente, de praticar crimes e ações antissociais.
         Todos sabem que, assim como não existe meia gravidez, também não há meia dependência. É raro encontrar um consumidor ocasional. Existe, sim, usuário iniciante, mas que muito cedo se transforma em dependente crônico. Afinal, a compulsão é a principal característica do adicto. Uma cigarro da “inofensiva” maconha preconizada pelos arautos da liberação pode ser o passaporte para uma overdose de cocaína. Não estou falando de teorias, mas da realidade cotidiana e dramática de muitos dependentes.
         As drogas estão matando a juventude. A dependência química não admite discursos ingênuos ou campanhas ideológicas, mas ações firmes e investimentos na prevenção e recuperação de dependentes. Com o novo cartão, São Paulo dá passo estratégico importante no fortalecimento da rede de proteção aos dependentes e no combate às drogas.”
(CARLOS ALBERTO DI FRANCO. Diretor do Departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS), doutor em comunicação pela Universidade de Navarra (Espanha), em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 27 de maio de 2013, caderno OPINIÃO, página 9).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado na revista VEJA, edição 2322 – ano 46 – nº 21, de 22 de maio de 2013, páginas 109 e 110, de autoria de GUSTAVO IOSCHPE, que é economista, e que merece igualmente integral transcrição:

“Educação e tecnologia: o sarrafo subiu
        
         Há uns meses visitei escolas públicas na região de Itaperuna, no interior fluminense. Uma delas era um brinco, com uma direção que conseguiu engajar pais e professores para gerar uma melhoria significativa: seu Ideb passou de 3,3 para 7,7 em quatro anos. Na outra escola o que se via era um quadro de abandono (os banheiros dos alunos não tinham tampa nas privadas, nem papel higiênico ou toalha de papel). Seu Ideb foi de 3,5 em 2011, e estava estacionado nesse patamar havia anos.
         Fui conversar com o diretor dessa escola com problemas. Ao inquiri-lo sobre a razão das deficiências de sua escola, o homem engatou um discurso ensaiado que vem se tornando cada mais comum nas discussões educacionais do Brasil: “O problema é que os alunos são de uma geração digital e os professores ainda são analógicos”. O uso intenso da tecnologia, por parte dos alunos, teria criado o problema insuperável de comunicação entre eles e seus professores, e parecia ser impossível que um professor munido apenas de “cuspe e giz” pudesse atrair o interesse desse aluno quase cibernético. No meio educacional a “patologia” já foi inclusive identificada e tem até termo médico: SPA – síndrome do pensamento acelerado (e eu que pensava que pensar rápido era uma virtude...). A ideia é furada. É mais uma tentativa dominante nas discussões educacionais brasileiras.
         Falei então ao diretor sobre a escola que estava na sua vizinhança, também fazia parte da mesma rede estadual e tinha resultados tão melhores. Perguntei como explicar aquela diferença. Ele disse que não entendeu a pergunta, pediu que eu a repetisse. Fui mais explícito: se o problema era geracional e ligado ao uso de tecnologia, como era possível que uma escola vizinha, atendendo a um público parecido, tivesse resultados tão melhores do que os dele? Ele pediu licença para sair e tomar uma água. Na volta, pediu que falássemos sobre esse assunto.
         Seria muito espetacular se a proliferação de tecnologias, e seu uso pelas novas gerações, fosse o causador dos problemas educacionais brasileiros. Primeiro, porque desde o começo da Revolução Industrial, pelo menos, tem havido sempre descompassos tecnológicos  significativos entre gerações. Pense em todas as tecnologias descobertas e popularizadas nos últimos 200 anos e seu potencial impacto sobre a educação. Pense no que era o mundo antes do telégrafo, em que comunicações levavam semanas para chegar a lugares distantes, e a realidade depois da sua invenção, em que notícias eram transmitidas globalmente quase em tempo real. Pense no impacto do rádio. Da televisão. Do telefone. Do telefone celular. Talvez a internet seja a revolução mais importante de todas, mas ela certamente vem num contínuo tecnológico em que as distâncias e os tempos são encurtados. Durante todas essas disrupções tecnológicas, a educação não só continuou a funcionar como melhorou: nunca antes na história deste planeta tantas pessoas tiveram acesso ao conhecimento quanto hoje.
         Em segundo lugar, a ideia é problemática por partir do pressuposto de que os avanços tecnológicos estão inacessíveis a adultos, o que é falso. A tecnologia é hoje tão simples e user-friendly que até a minha avó usava Sype e e-mail. Sim, provavelmente a nova geração terá maior familiaridade com as novas tecnologias, porque nasceu e cresceu com elas, mas é uma diferença de grau, não de ordem de grandeza.
         Se a prevalência da tecnologia fosse um fator de comprometimento educacional, seria de esperar que as regiões em que as tecnologias são mais difundidas tivessem os piores desempenhos educacionais. Se olharmos para os testes internacionais mais importantes de educação, vemos o oposto: os países líderes, como Coreia do Sul e Finlândia, estão entre os mais tecnológicos  do mundo. Estudos para o Brasil (disponíveis em twitter.com/gioschpe)  mostram que a posse de computador em casa melhora o desempenho educacional do aluno, já controladas as diferenças de renda.
         Isso não quer que a tecnologia não tenha nem terá impactos importantes sobre a educação. Apenas não creio que eles sejam desse tipo quase mágico decantado pelos pedagogos. Acredito que as novas tecnologias, especialmente a internet, estão tendo sobre a educação o mesmo efeito que têm sobre  uma série de outras áreas: desintermediação. Para quem não conhece o termo, é mais fácil explicá-lo com exemplos.
         No mundo pré-internet, precisávamos de intermediários para realizar uma série de atividades. Precisávamos de agência de turismo para comprar passagem de avião, de um jornal ou revista para receber notícias, de editoras e livrarias para ler um livro, de médicos para conhecer doenças e opções de tratamento. Precisávamos também de professores e escolas para ter acesso ao conhecimento acumulado na história humana. A internet está enfraquecendo ou eliminando totalmente esses intermediários. Com ela, podemos comprar passagens na companhia aérea, ler sobre notícias de lugares remotos diretamente de suas fontes ou pela recomendação de amigos etc. O resultado é que os intermediários precisam melhorar: ou passam a agregar novos valores, ou são extintos. As agências de turismo que simplesmente vendiam passagens já devem ter fechado. Uma boa agência hoje precisa conhecer profundamente os destinos, montar roteiros personalizados ao gosto do cliente etc. Um jornal ou revista não pode mais apenas resumir fatos/notícias do dia ou da semana anterior: precisa analisá-los, ter mais profundidade, trazer furos de reportagem constantes, conhecer profundamente  seu público. Não é que essas instituições precisam fazer algo de diferente ou inimaginável. Um bom agente de viagens hoje já seria considerado um bom agente de viagens há vinte anos. Eis o que mudou: não há mais tolerância para os medíocres. O sarrafo subiu: nessas áreas, para ser relevante, o nível de entrega de serviços precisa ser muito mais alto, porque o basicão o sujeito já consegue em uma busca on-line de dois minutos.
         Com educação é a mesma coisa. Não é que a educação de vinte ou cinquenta anos atrás não “funcione” no cérebro da meninada atual. Uma ótima aula – cativante, com um professor que domina a sua matéria e a maneira de comunicá-la e busca ativamente a compreensão e a participação do alunado – funcionava há 100 anos e continua funcionando hoje. O que mudou é que a aula em que um professor simplesmente regurgitava uma série de fatos desconexos e inúteis, que precisavam ser memorizados e depois devolvidos em um dia de prova, deixou de fazer sentido, pois esses mesmos fatos podem ser pesquisados on-line, através de textos, aulas a distância ou videoaulas. Não é que essa era uma aula boa que hoje virou ruim. Ela sempre foi uma aula ruim. Mas, na época em que os alunos dependiam exclusivamente do professor para obter qualquer conhecimento, essa ruindade ficava mascarada e era aceita. Hoje o sarrafo subiu. As boas aulas não precisarão mudar, mas os professores de baixa qualidade precisarão de uma reforma profunda em seu jeito de ensinar. Como, infelizmente, a maioria das aulas brasileiras tem qualidade abaixo da crítica, ouvimos muito agora esse discurso sobre as dificuldades impostas pela internet, pelas tecnologias etc. Mas, em vez de compreender esse momento como um de desintermediação e subida do sarrafo (um processo difícil), a maioria dos educadores e políticos busca a saída fácil, que é dar um verniz tecnológico  a uma má escola enchendo-a de engenhocas. Junte-se a essa mistificação a ganância dos fabricantes desses aparelhos e o fascínio da população por tudo o que é “muderno” e temos a tempestade perfeita para enganar os néscios.
         Se a escola de seu filho ou cidade se vende por conta dos aparatos tecnológicos de que dispõe, tome muito cuidado. Assim como um babaca não se torna inteligente ao transferir sua divagações para um blog ou página de rede social, um mau professor não passará a dar uma boa aula simplesmente por contar com um tablet ou uma lousa mágica.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação –  universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais avassaladores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, isto é, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;

     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e intolerável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tanta sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; assistência social; previdência social; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; comunicações; turismo; esporte, cultura e lazer; sistema financeiro nacional; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e abundantes riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa das Confederações em junho; a 27ª Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro em julho; a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...


O BRASIL TEM JEITO!...