quarta-feira, 17 de abril de 2013

A CIDADANIA, O BOM JORNALISMO, A DEMOCRACIA E A BOA GESTÃO DA ESCOLA


“Rapto do jornalismo

     Pedro Lozano Bartolozzi, professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra (Espanha), acaba de lançar um livro instigante: O rapto do jornalismo. O texto é uma reflexão sobre a nossa profissão, seus dilemas e seu fascínio. O jornalismo foi raptado pela perda de qualidade do seu conteúdo, pelo perigoso abandono de sua vocação pública e pela sua equivocada transformação em produto mais próprio para consumo privado. Bartolozzi defende a necessidade de que essa tendência seja revertida. É preciso recuperar o entusiasmo do “velho ofício”. É urgente investir fortemente na formação e qualificação dos profissionais. Sem jornalismo público, independente e qualificado, o futuro da democracia é incerto e preocupante.
     A sobrevivência dos meios tradicionais demanda foco absoluto na qualidade de seu conteúdo. A internet é um fenômeno de desintermediação. E que futuro aguarda os meios de comunicação, assim como os partidos políticos e os sindicatos, num mundo desintermediado? Só nos resta uma saída: produzir informação de alta qualidade técnica e ética. Ou fazemos jornalismo de verdade, fiel à verdade dos fatos, verdadeiramente fiscalizador dos poderes públicos e com excelência na prestação de serviços, ou seremos descartados por um consumidor cada vez mais fascinado pelo aparente autocontrole da informação na plataforma virtual.
     Os diários têm conseguido preservar seu maior capital: a credibilidade. A confiança da população na qualidade ética dos seus jornais tem sido um inestimável apoio para o desenvolvimento de um verdadeiro jornalismo de buldogues. O combate à corrupção e o enquadramento de históricos caciques da política nacional, alguns sofrendo o ostracismo do poder e outros no ocaso do seu exercício, só é possível graças à força do binômio  que sustenta a democracia: imprensa livre e opinião pública informada.
     A revalorização da reportagem e o revigoramento do jornalismo analítico devem estar entre as prioridades estratégicas. É preciso atiçar o leitor com matérias que rompam a monotonia do jornalismo de registro. Menos aspas e mais apuração. O leitor quer menos show e mais informação de qualidade. O sensacionalismo, embora festejado num primeiro momento, não passa pelo crivo de uma visão retrospectiva. Curiosidade não se confunde com aprovação. O prestígio de uma publicação não é fruto do acaso. A credibilidade não se edifica com descargas de adrenalina.
     Apostar em boas pautas – não muitas, mas relevantes – é outra saída. É melhor cobrir magnificamente alguns temas do que atirar em todas as direções. O leitor pede reportagem. Quando jornalistas, entrincheirados e hipnotizados pelas telas dos computadores, não saem à luta, as redações se convertem em centros de informação pasteurizada. O lugar do repórter é na rua, garimpando a informação, prestando serviço ao leitor e contando boas histórias. Elas existem. Estão em cada esquina das nossas cidades. É só procurar.
     Quem tem menos de 30 anos gosta de sensações, mensagens instantâneas. Para isso, a internet é imbatível. Mas há quem queira, e necessite, entender o mundo. Para esse público deve existir leitura reflexiva, a grande reportagem.
     Há um modelo a ser seguido? Nas experiências que acompanho, ninguém alcançou a perfeição e ninguém se equivocou totalmente. O perceptível é que os jornais estão lentos para entender que o papel é um suporte que permite trabalhar em algo que a internet e a rede social não fazem adequadamente: a seleção de notícias, jornalismo de alta qualidade narrativa e literária. É para isso que o público está disposto a pagar.
     Para mim, o grande desafio do jornalismo é a formação dos jornalistas. Se você for a um médico e ele disser que não estuda há 25 anos, você se assusta. Mas há jornalistas que não estudam nada há 25 anos. O jornalismo não é rotativa: o valor dele se chama informação, talento, critério. Por isso é preciso investir em jornalistas com boa formação cultural, intelectual e humanística – pessoas que leiam literatura, sejam criativas e motivadas. E, além disso, que sejam bons gestores. As competências são demasiadas? Talvez. Mas é o que nos pede um mundo cada vez mais complexo e desafiante.”
(CARLOS ALBERTO DI FRANCO. Diretor do Departamento de Comunicação do Instituto de Ciências Sociais (IICS), doutor em comunicação pela Universidade de Navarra (Espanha).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado na revista VEJA, edição 2317 – ano 46 – nº 16, de 17 de abril de 2013, páginas 96 e 97, de autoria de GUSTAVO IOSCHPE, que é economista, e que merece igualmente integral transcrição:

“Diretor de escola: o protagonista esquecido

     Quando se fala em educação, logo se pensa em professores e alunos. Cada vez há mais indícios, porém, de que esse foco na sala de aula é o típico caso em que não conseguimos ver a floresta por estarmos tão preocupados com as árvores. Salas de aula não flutuam por aí, afinal: o lócus do ensino é a escola, uma organização bastante complexa, que precisa reter bons profissionais, interessar e estimular alunos e agradar a pais e líderes políticos. Quem rege essa orquestra toda é o diretor  escolar.
     Sabemos relativamente pouco sobre ele. Alguns estudos mostram que a maneira como um diretor chega ao cargo é importante: escolas que têm diretor escolhido por processos que envolvem provas seguidas de eleições, ou pelo menos via eleição, têm alunos que aprendem mais do que aquelas em que o diretor é fruto de indicação política. Como costuma acontecer no Brasil, privilegiamos o caminho errado: os últimos dados mostram que 46% dos diretores de nossas escolas chegaram ao posto por indicação de alguém.
Outro erro que cometemos é imaginar que o diretor é um mero burocrata responsável por administrar as instalações físicas da escola e passar um corretivo nos baderneiros. O bom diretor, porém, faz bem mais do que isso. No livro Organizing Schools for Improvement, os autores definem bem as quatro áreas que o gestor escolar deve dominar: capacitação dos professores, criação de um clima propício ao aprendizado, envolvimento com a família e ensino ambicioso, visando ao ingresso na universidade.
     Alguns desses quesitos são difíceis de medir e quantificar. O trabalho de um bom diretor é indireto: assim como se nota o trabalho de um bom técnico pelo desempenho de seus jogadores, a virtuosidade de um diretor se manifesta pelo trabalho de seus professores. Um bom diretor consegue criar um clima ordeiro e organizado, em que alunos e professores podem dar o seu melhor com o mínimo de interrupções. Pesquisas demonstram que alunos aprendem mais naquelas escolas em que há um clima positivo e onde os professores reconhecem a liderança do seu diretor. Pesquisas internacionais (todas disponíveis em twitter.com/gioschpe) comprovam que, quando o diretor tem poder contratar e demitir professores, os alunos têm desempenho melhor. Outra pesquisa mostra que os diretores têm boa capacidade para prever, antes da contratação, quais serão os professores excelentes e quais os ruins. Faria sentido, portanto, mudar o processo de seleção de professores, que hoje se resume a um concurso público que avalia quase tudo – menos a capacidade do sujeito de ensinar um determinado conteúdo –, para um processo que envolva uma entrevista com os diretores escolares.
     O bom diretor escolar é um líder pedagógico, além de ser um bom gestor. Nas escolas de primeiras séries, há evidências de que o conhecimento do diretor sobre as matérias ensinadas e sua intervenção nas práticas dos professores – especialmente aqueles com dificuldades – melhoram o desempenho dos alunos. Nos anos mais avançados, é impossível para um diretor dominar todas as áreas, de forma que seu impacto precisa ser indireto, mas não por isso ele é menos importante. Pesquisas sugerem, por exemplo, que em aulas de linguagem uma estratégia em que os alunos se engajam através de questionamentos e uma postura interativa facilita o aprendizado, enquanto em aulas de matemática ocorre o oposto: estratégias em que o professor passa mais tempo explicando conceitos, formalizando o conhecimento, têm melhores resultados. O mau diretor acha que cada professor deve fazer o que bem entender. O bom diretor julga que todos precisam de orientação e que a escola deve ter um padrão. Por isso é que normalmente não se veem escolas com resultados muito díspares entre séries ou disciplinas. Ainda faltam pesquisas para esmiuçar esse fenômeno, mas em minhas andanças por escolas do Brasil afora ficam claros dois fatores. Primeiro, os semelhantes se atraem: professor descompromissado procura escola de diretor idem, e bons diretores fazem o possível para afastar os maus professores e atrair os bons. Uma diretora arretada de escola pública de Fortaleza me contou que uma de suas professoras tirava licença médica atrás de licença médica. Ela também trabalhava em uma escola particular, sé que a essa comparecia sempre. Quando a professora estava de licença, a diretora ligava para a escola particular e descobria que ela estava trabalhando. Depois de alguns meses em que teve seu comportamento desmascarado, a professora malandra pediu para sair. O segundo mecanismo é através do exemplo. Quando um professor sabe que seu diretor está batalhando e que vai cobrá-lo, isso é motivador. E vice-versa: visitei uma escola em Goiânia em que a diretora resolveu afrouxar as cobranças sobre alunos e professores porque queria se candidatar a vereadora e não convinha antagonizar ninguém. Os professores ficaram tão desmotivados, e trataram seus alunos com tanta indiferença, que logo a escola saiu do controle: os alunos, enraivecidos, começaram até a riscar o carro de professores.
     Outra marca do bom gestor escolar é a relação com a comunidade. Em linhas gerais, os bons diretores atraem os pais, trazendo-os para perto da escola. Só assim um pai ou mãe poderá monitorar, cobrar e ajudar os filhos. Os maus gestores só se lembram de que os pais existem quando precisam culpar alguém pelo insucesso da escola. Eles costumam tratar os pais com menosprezo e distância: para um pai marcar uma reunião com um diretor desses, é missão impossível. Bem diferente de uma marca freqüente do bom diretor: ele espera pais e alunos no portão da escola, todos os dias, na entrada e na saída. É uma oportunidade de estreitar o contato com os pais, comentar os problemas do dia a dia antes que cresçam e simplesmente se colocar à disposição de todos.
     Ainda estamos longe de desvendar todos os mistérios da boa gestão escolar, mas a pesquisa traz três achados encorajadores. O primeiro é que, no Brasil, onde a bagunça administrativa é generalizada, iniciativas muito simples para pôr a casa em ordem têm efeito significativo. Um programa de intervenção na gestão das escolas estaduais de São Paulo que se encontravam entre as 5% piores trouxe melhoras no aprendizado dos alunos de até incríveis 40%. Resultados que vêm com medidas simples como oferecer mais aulas de reforço, coibir faltas de professores e passar mais tempo visitando e acompanhando as salas de aula. O segundo é que o salário do diretor está diretamente relacionado com o aprendizado dos alunos, ao contrário do salário dos professores. É bem mais barato e eficaz mexer no salário de diretores (menos de 200 000 pessoas) do que no de professores e funcionários (mais de 5 milhões). Terceiro, o impacto da gestão escolar é enorme: pesquisas americanas sugerem que um quarto da disparidade de desempenho entre escolas é diretamente atribuível a diferenças de gestão. Depois das ações dos professores em sala de aula (que respondem por um terço), esse é o quesito mais importante na determinação do sucesso acadêmico dos alunos.”

Eis, pois, mais páginas contendo importantes, adequadas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:
     
     a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;
     
     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais avassaladores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;
     
     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e intolerável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

     Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tanta sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos e aeroportos); a educação; saúde; saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; logística; comunicações; turismo; esporte, cultura e lazer; sistema financeiro nacional; minas e energia; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...
     
     São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa das Confederações em junho; a 27ª Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro em julho; a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das empresas, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...
     
     Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...
    
     O BRASIL TEM JEITO!...


    

segunda-feira, 15 de abril de 2013

A CIDADANIA, A BABEL DOS CONSENSOS, A EDUCAÇÃO E A JUVENTUDE


“Babel nos consensos

A exigência inegociável de construir um mundo melhor a partir da força própria dos consensos constitui a natureza da sociedade contemporânea. Compreende-se essa desafio quando se considera, entre os vários aspectos complexos que caracterizam a pós-modernidade, a natural rejeição às tentativas de domínio que trazem como consequência uma redução ao direito de participação cidadã. Forte também é o que caracteriza os ideais democráticos e o respeito às diferenças, particularmente às minorias. Contudo, na contramão dessa busca por entendimentos, o que se verifica, com muita frequência, é uma verdadeira Babel, que nos remete à narrativa do livro do Gênesis.
Não há como fugir da busca pelo consenso, sob pena de produzir totalitarismos, fundamentalismos ou mesmo afastamentos, que geram deserções prejudiciais para instituições e seus funcionamentos. Imprescindível é seguir no exigente caminho do diálogo, exercitando a paciência e nunca desistindo de avançar na construção da convergência em torno de temas, prioridades e assuntos importantes para a vida social, política, cultural e também religiosa. Esse percurso que dá espaço para diferentes opiniões não pode negociar a centralidade da verdade. Só por ela se pode discernir adequadamente e alcançar a meta fundamental do bem e da justiça.
É um enorme desafio buscar a verdade que define rumos, corrige descompassos, dá prioridade ao que, naquele momento histórico e naquele lugar, é melhor e adequado. A verdade não está nunca sob o domínio de um ou de outro. Afinal, como bem ensina a sabedoria popular, “cada cabeça é uma sentença”. A complexidade se apresenta, justamente, em razão do inevitável confronto entre a verdade buscada, a realidade em si e as opiniões. Estas carecem de ser analisadas em suas fundamentações. Aí se encontra um infindável número de tensões e confrontos, que refletem interesses, muitas vezes não pertinentes, estreiteza de mentalidade, além da falta de uma formação cultural e humanística para subsidiar uma participação edificante na configuração do consenso.
É importante considerar que sem a construção de entendimentos, nas diferentes instâncias, modalidades e intensidades, a cultura não avança. Atrasos de todo tipo são perpetuados e os cidadãos não usufruem dos bens e dons da natureza, da história, do seu próprio povo e das dádivas de Deus. Dessa Babel contemporânea surgem os fundamentalismos, de tipos variados, sintomas da perda do equilíbrio, que configuram a mediocridade e incapacidade para garantir o bem, a verdade e a justiça. Não menos grave é a falta de lucidez necessárias aos operadores da união, por tarefa política, cultural ou religiosa. Uma carência fundamentada na falta do imprescindível embasamento humanístico. Trata-se de um problema que compromete o exercício da liderança, com decisões, posturas e escolhas que conduzem a coletividade no caminho oposto ao bem comum.
Diante de todos está esse sério desafio à conjuntura social, com suas importantes questões em pauta, como a reforma política, das instituições todas, incluindo as religiosas. Os consensos indispensáveis na construção da sociedade não podem ser reduzidos a meros processos de negociação partidária ou de interesses cartoriais. Só o compromisso com a verdade, meta a ser sempre buscada, possibilitará um qualificado processo na formação dos entendimentos construídos a partir de escolhas acertadas, rumos bem definidos e a participação indispensável de todos.
Na complexidade dessa questão de formar consensos, como força educativa e definidora de novos rumos, não poderá faltar o exercício de um caminho indicado por Jesus, em sua maestria, a partir de ditos e parábolas: a humildade. O exercício dessa virtude tem efeitos admiráveis sobre nós todos. Aos inteligentes, dá mais luminosidade. Aos governantes, a capacidade para ouvir o povo e, a partir dessa escuta, discernir as prioridades e urgências. Em cada cidadão, eleva o gosto pelo diálogo e um despertar apurado quanto ao compromisso de construir a sociedade justa e solidária. No caminho da humildade indicado pelo mestre Jesus, a Babel de consensos se tornará a sociedade de entendimentos.”
(DOM WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO. Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 12 de abril de 2013, caderno OPINIÃO, página 9).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição de 13 de abril de 2013, caderno PENSAR, coluna OLHAR, página 2, de autoria de JOÃO PAULO, que é editor de Cultura, e que merece igualmente integral transcrição:

“Educação na cultura de cassino
         
         As pessoas não gostam de pensar. Dá trabalho. Sobretudo quando a exigência de reflexão parece jogar contra tudo que se convencionou considerar como valor: o sucesso, o dinheiro e o poder. Por isso os pensadores estão em baixa, o estudo deixou de ser um bem, a ideia de preparação apenas um atraso à chegada ao mundo das mercadorias e do prazer imediato e com preço na etiqueta.
         O sociólogo polonês Zygmunt Bauman vem, nas últimas décadas, alertando para esse tipo de cenário, a modernidade líquida (que substituiu a modernidade sólida), e para o tipo de homem funcional nesse contexto. Sua extensa obra é um alerta que, embora fundamentado na melhor ciência social, parte sempre do cotidiano e de experiências presentes na vida de todos: o medo que paralisa e nos entope de ansiedade, a fragilidade dos laços amorosos, transformação do homem em mercadoria pela sanha do consumo, o desprestígio da política, a aceitação da injustiça social como um mero dano colateral da globalização.
         Com 30 livros já lançados no Brasil, Bauman vive na Inglaterra desde 1971 e, a cada estudo, parece operar um poderoso do-in em nossas fragilidades. Com a capacidade de ir ao ponto certo, sua massagem intelectual faz circular energias necessárias para quem ainda se dispõe não apenas  a compreender nossos descaminhos, como a atuar para modificar seu rumo. O que Bauman mostra não é um panorama de depressão e tristeza. Ele sabe que a modernidade líquida, ainda que ansiogênica em sua natureza, se alimenta da cota de prazer que promete em termos de consumo e felicidade imediata. A modernidade líquida não é um descaminho, mas um projeto.
         Por isso, o mais recente livro do sociólogo, Sobre educação e juventude (Editora Zahar), é tão interessante. Dado o diagnóstico, Bauman se preocupa em mostrar o projeto de formação educacional que está por trás de um mundo sem futuro. Mesmo a mais liberal das ideologias sempre via na educação um momento necessário para renovação das elites culturais e políticas. Estava na educação o bastão que se transmitia de uma geração a outra, em termos de valores e conhecimentos fundamentais. Na sociedade líquida, na cultura de cassino, na expressão de George Steiner, esquecer é melhor que lembrar. O consumo é ponto de partida e de chegada.
         Não é um acaso que os jovens, hoje, se sintam desnorteados e raivosos quando percebem que a promessa de um emprego se frustra numa sociedade que não valoriza o conhecimento (há algumas décadas se falava orgulhosamente em sociedade do conhecimento, hoje se defende que devemos ser formados para esquecer o que aprendemos ontem sob o risco da desobediência). Há vários sinais desse desprestígio: a corrida para os concursos (a estabilidade acima do desafio de criar e mudar o mundo), o excesso de relações virtuais, o abuso nas drogas, o comportamento violento, o consumismo. Não é um acaso que os mitos de sucesso de hoje apelem tanto para pessoas que deixaram a escola de lado, como Steve Jobs, Jack Dorsey e David Karp, todos da área de informática: no mundo do sucesso imediato, a educação é um atraso de vida.
         Em Sobre educação e juventude, o sociólogo, em diálogo com o italiano Ricardo Mazzeo, enfrenta os desafios da educação na sociedade contemporânea. Não se trata apenas de uma defesa genérica que costuma ser traduzida em termos de busca de mais recursos, ampliação da jornada, valorização dos professores e primazia do conhecimento, como se todos os males se devessem a um déficit no setor. Na verdade, o projeto de educação para o consumo é funcional e vitorioso, não sinal de uma derrota. Mudar a educação é um passo importante para a transformação da sociedade. Não se pode querer menos que isso.
         Bauman começa lembrando a contribuição do antropólogo Gregory Bateson e sua distinção entre níveis de educação. No primeiro patamar, o mais baixo, há apenas a transferência de informação a ser memorizada. No segundo, se busca a formação de uma estrutura cognitiva que permita, no futuro, que outras informações possam ser absorvidas e incorporadas, criando um patrimônio de saber e habilidades. O terceiro nível se refere à capacidade de desfazer a estrutura anterior, sem deixar no lugar um elemento substituto. O que pode, em momentos muito especiais, ser a abertura para  novos paradigmas (é importante lembrar que quebrar paradigmas é algo mais profundo que mudar de ideia), na maioria das vezes, tem efeito paralisador sobre o conhecimento.
         Na educação contemporânea, o primeiro nível deixou de ser importante, já que a mera informação  foi transferida para a memória das ,máquinas, e o que era potencialmente um câncer se tornou um valor. Hoje, em alguns contextos, esquecer é mais importante que manter viva a memória. A tradução dessa operação, por exemplo, no mundo do trabalho, se dá na desvalorização de carreiras longas, de aprendizagens cumulativas, de patrimônios de experiência plasmados no tempo. Em muitas áreas de prestígio, vale mais ter tido muitos empregos dispersos e até conflitantes do que uma trajetória coerente de construção de um saber e de um saber fazer. A liquidez moderna exige desprendimento, volatilidade, mudança. Como os personagens de Lewis Carol em Alice no País das Maravilhas, é preciso ir rápido para ficar no mesmo lugar e correr duas vezes mais rápido para sair de onde está.

ALIMENTAR ÓDIO A juventude atual vive um cenário de decréscimo de expectativas como não se via há muito tempo. Ter um diploma não é mais garantia de nada. Na geração de seus pais, não havia esforço mais amoroso que investir na educação na educação do filho. Hoje, sobretudo na Europa, a ausência de perspectivas dos jovens, que se veem forçados a aceitar ocupações abaixo de sua formação, domina as consciências infelizes. O resultado, ao lado de uma saudável revolta, contudo, muitas vezes se transforma em ódio geracional (como se a previdência fosse a culpada de tudo) ou mixobia, traduzida em comportamentos racistas e xenófobos, como se os estrangeiros fossem responsáveis pelo desequilíbrio de um capitalismo que não vê fronteiras na hora de expandir e quer criar barreiras no momento da distribuição.
         Os alertas e propostas de Zygmunt Bauman não se voltam para a nostalgia de um passado de ouro. Há novos desafios no mundo. O que suas reflexões sobre a educação parecem trazer são alguns pressupostos que não podem ser deixados de lado quando se pensa, hoje, em soluções amplas para temas sociais e políticos.
         O diagnóstico parece conter em si a terapia: somos herdeiros de uma era de diferenças, as questões globais só são pensáveis no terrenos dos temas locais, a assimilação à cultura dominante não é mais um destino, o capitalismo gera mais problemas do que é capaz de resolver com seus próprios instrumentos, a tecnologia não vai dar conta de nosso impasse ecológico, a conquista dos ideais modernos foi interrompida, o mercado de consumo não vai obturar nossas faltas enquanto indivíduos e cidadãos.
         Sobre educação e juventude é um livro para todos, já que, mesmo não sendo mais jovens, precisamos voltar à humilde disposição para aprender. Somos responsáveis pela mixórdia em que nos metemos. Mas é sempre mais cômodo colocar a culpa nos outros e apostar numa genérica saída “pela educação”. Qual educação? Como afirmou Paulo Freire, “o educador precisa ser educado”. O que era um acicate contra o conservadorismo talvez mereça hoje ser tomado como um tarefa saneadora de nossas arrogâncias e certezas combalidas.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, lúcidas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:
     
     a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil  (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;
     
     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, indubitavelmente irreparáveis;
     
     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e intolerável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tanta sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); educação; saúde; saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); emprego, trabalho e renda; assistência social; previdência social; agregação de valor às commodities; minas e energia; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; logística; turismo; esporte, cultura e lazer; sistema financeiro nacional; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e abundantes riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa das Confederações em junho; a 27ª Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro em julho; a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das empresas, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...

O BRASIL TEM JEITO!...

  

sexta-feira, 12 de abril de 2013

A CIDADANIA, O MODELO PADRÃO DO UNIVERSO E OS INSUSTENTÁVEIS AGROTÓXICOS


“Falta explicar 95% do universo

À frente das equipes de pesquisadores do LHC, o maior acelerador de partículas do mundo, a física italiana Fabiola Gianotti liderou a mais cara experiência da história da ciência. Durou quatro anos, custou 10 bilhões de dólares e culminou com a detecção, no ano passado, de uma tênue partícula subatômica prevista pela teoria, mas que nunca antes dera sinais de sua existência real. Fabiola e sua equipe encontraram provas inequívocas dessa partícula, a única das peças do quebra-cabeça de 61 elementos que baseiam as teorias fundamentais da física que faltava ser observada em laboratório. Sem essa descoberta fundamental, todo o edifício teórico que explica a natureza mais íntima do universo ruiria, jogando no lixo um século de penosas conquistas. Esse tijolo cósmico tão essencial é um bóson de Higgs, batizado assim em homenagem ao físico teórico que previu sua existência. Na entrevista que concedeu a VEJA em seu escritório na Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (Cern), sede do LHC, na fronteira da Suíça com a França, Fabiola, de 51 anos, desde já candidatíssima ao Nobel, diz que tudo o que o foi descoberto elucida 5% da composição do universo e que novas investidas teóricas e práticas serão necessárias para responder à mais simples e incômoda das perguntas: afinal, por que o universo existe?

A partícula exótica no LHC no ano passado foi anunciada com “um” bóson de Higgs, mas talvez não “o” bóson de Higgs. Por que razão o artigo indefinido foi tão enfatizado? Mudo tudo para a história da ciência e para o modo como entendemos as regras da natureza. Se for “o” Higgs, garantimos que o elemento que descobrimos é exatamente o que era previsto nas teorias da física. Esse bóson, que em suma criou o campo que dá massa a tudo o que existe, era a peça que faltava para explicar o que conhecemos como Modelo Padrão, a representação teórica mas bem-acabada para as complexas interações de energia e matéria que deram origem ao universo. Mas, se for “um” bóson de Higgs, é sinal de que a partícula encontrada terá um impacto ainda mais revolucionário. O Modelo Padrão é consistente e há décadas tem guiado a produção científica. Sua comprovação prática seria um feito extraordinário, mesmo que ele explique apenas 5% do cosmo, a parte composta pela matéria que conseguimos detectar por ter se organizado na forma de estrelas, planetas e seres vivos na Terra. Mas restam outros 95%, feitos principalmente de matéria e energia escuras, sobre os quais pouco sabemos. Hoje, existe o consenso de que essa porção escura do universo esconde a explicação final sobre as leis fundamentais da natureza. Sua existência depende de partículas ainda mais exóticas do que o Higgs.

Que teoria ampara essa constatação? Uma das melhores explicações para a existência desses 95% é uma teoria incrivelmente bem-acabada, a supersimetria. Ela propõe que para cada partícula ordinária que se conhece do universo há uma réplica, quase idêntica. A supersimetria trabalha com a hipótese da existência de uma partícula, o neutralino, que pode explicar a criação de toda a matéria escura. Pela supersimetria, haveria não um, mas cinco tipos de bóson de Higgs. Se a partícula que achamos for mesmo um desses cinco, seremos impulsionados rumo à investigação de uma realidade muito mais ampla.

Que novas perguntas terão de ser feitas para entendermos a matéria escura e as partículas supersimétricas? O desafio é amplificar nossa visão sobre as regras escolhidas pela natureza para criar a realidade. É o que fazemos no LHC. Nosso trabalho foi interrompido para uma reforma que durará dois anos e vai melhorar ainda mais os quatro detectores gigantes de partículas que administramos. O resultado dessa obra é que dobraremos a energia que conseguimos  produzir nas colisões de partículas que fazemos nos núcleos do experimento. Também dobraremos o número e a frequência dessas colisões. Isso permitirá encontrar elementos ainda mais exóticos que o Higgs. São justamente essas as partículas elementares responsáveis pela existência da matéria visível e da matéria e energia invisíveis. Elas tiveram um papel nos instantes iniciais do Big Bang, a súbita explosão que deu origem ao nosso universo. Tenho convicção de que essas partículas misteriosas vão ser encontradas por nós, e isso pode explicar os buracos negros, a formação de planetas, a aceleração da taxa de expansão do universo e outros grandes mistérios. Indo além, são essas partículas que nos permitirão não apenas fazer as perguntas certas, mas dar as respostas às indagações mais fundamentais da aventura intelectual humana. Elas são a chave para respondermos finalmente como surgiu o universo e, seu corolário, de onde viemos.

Por ter liderado equipes que somaram mais de 3 000 físicos e engenheiros empenhados na descoberta do Higgs, dá-se como certo que a senhora vai ganhar o Prêmio Nobel de Física. Analisando friamente, isso é inevitável, não? Sinto-me honrada por ter me tornado a face desta que é uma das descobertas mais importantes dos últimos 100 anos. Mas acho errado que uma só pessoa, ou duas, ou três levem o Nobel por isso. Não acharia certo que o prêmio viesse apenas para a minha mão. Se o comitê do Nobel achar apropriado consagrar nossa pesquisa, peço publicamente que os agraciados sejam os times de milhares de cientistas que formularam a teoria, como Peter Higgs, e que a testaram na prática, como as equipes que guiei. O prêmio deveria ir para o Cern e para a comunidade em torno dele. Para isso ocorrer, teriam de ser mudadas as atuais regras do Nobel. Mas está na hora das transformações. Hoje, as experiências científicas mais relevantes não são feitas apenas por um ou por alguns indivíduos. Os responsáveis são grupos imensos de intelectuais ultraqualificados, cada um com uma função específica e vital na condução do experimento. Muitos atuaram remotamente, via internet, de diversas partes do mundo. A maneira de fazer ciência mudou muito, e a organização do Nobel deveria refletir sobre isso.

Alinhar 3 000 mentes brilhantes em torno de uma meta única é, em si, um feito inédito, não? Foi um prazer enorme e nos enriqueceu como seres humanos. Mas, mais do que isso, a união de um grupo de milhares de pessoas de 38 países, com cultura, religião e vida completamente diversas, tem tido um impacto tremendo na sociedade. Nesse time estão representantes de povos cujos governos usualmente não se dão bem. Estudantes palestinos e israelenses organizaram juntos uma festa simbólica dentro do Cern para demonstrar o espírito de cooperação universal. O que temos provado é que podemos nos juntar quando existe um objetivo civilizatório comum em benefício de toda a humanidade.

Por que são necessárias tantas pessoas, de tantas nacionalidades, em um experimento como o LHC? O LHC é o maior laboratório já construído. Desenvolvemos instrumentos de dezenas de metros de altura, soterrados em cavernas de 100 metros de profundidade. Construímos o que consideramos ser o maior microscópio já feito. Esse equipamento todo foi fabricado para observar relações subatômicas impossíveis de ser vistas de qualquer outra maneira. Só que, para atingirmos tal nível de avanço científico e tecnológico, precisamos de muito dinheiro e de muitas mentes. Só conseguimos isso captando capital financeiro e humano pelo mundo. Reunimos o melhor do melhor de cada nação.

O Cern nasceu como uma organização européia, mas hoje tem o apoio de países como Estados Unidos, China e o Brasil. O que mudou? Nos anos 50, quando o Cern foi criado, o nacionalismo imperava. Estávamos em plena Guerra Fria e na era pós-II Guerra Mundial e entendíamos que nossas pesquisas deveriam ser feitas apenas por europeus. Assim como os russos faziam as deles e os americanos tinham as próprias ambições. Agora, o mundo se tornou globalizado pela primeira vez na história. Não faz mais sentido concentrar conhecimento, e por isso abrimos nossas portas. Há, inclusive, negociações prolongadas para que o Brasil se torne membro mais efetivo. Todos têm benefícios incríveis com isso. A Europa ganha mão de obra e apoio tecnológico. As nações que aderem à nossa empreitada qualificam profissionais e têm acesso às tecnologias que criamos. Em uma consequência ampla, fortificamos laços diplomáticos.

Como essas revoluções científicas em curso afetam o cotidiano das pessoas? Há três aspectos a ser considerados. A descoberta do Higgs já transformou nossa vida de diversas maneiras. Não falo de cientistas, mas de qualquer um no mundo. O Higgs é resultado de mais de 25 anos de pesquisas que exigiram o desenvolvimento de instrumentos de altíssima tecnologia. Essa soluções tecnológicas, que à primeira vista não pareciam úteis, transformaram nosso modo de vida. O exemplo mais famoso que temos é a internet. O protocolo “www”, que ancora qualquer site da web, surgiu em 1989 da mente de Tim Berners-Lee, um dos cientistas do Cern. Inicialmente, a internet era apenas uma maneira de nós, cientistas, nos comunicarmos e transmitirmos dados entre computadores. Passadas duas décadas, o “www” mudou a maneira como nos expressamos, trabalhamos, estudamos. Em resumo, a maneira como vivemos.

Que outros efeitos positivos a senhora pode apontar? São inúmeros. A tecnologia que criamos revolucionou a indústria de energia, a de novos materiais supercondutores que transmitem eletricidade com eficiência ímpar, a da computação e a indústria médica. Há 30 000 aceleradores de partículas no mundo com tecnologia desenvolvida por nossos físicos e engenheiros, e 17 000 desses equipamentos são usados para aplicações médicas. Eles estão na base das técnicas mais eficientes para diagnóstico e tratamento de quase todos os tipos de câncer.

Nem sempre as pessoas conseguem relacionar os resultados práticos com as pesquisas básicas. É assim mesmo? As pesquisas de fundamentos científicos são o combustível que acelera o progresso da humanidade. Quando uma das várias perguntas que fazemos na ciência é respondida, tudo muda para a civilização. O Higgs foi revelado no dia 4 de julho de 2012. Isso não quer dizer que no dia 5 a revolução a que deu início foi sentida por cada pessoa. É algo que demora décadas, mas que, quando compreendemos o que ocorreu, entendemos quanto foi fundamental para nós. A melhor maneira de entender esse pilar da humanidade é olhar para o passado. Quando o físico inglês Joseph John Thomson descobriu a existência de elétrons, partículas fundamentais para explicar os átomos, ao observá-los em laboratório, em 1897, nada mudou em seu mundo, em sua cidade ou em seu bairro no dia seguinte ao achado. Ele não tinha ideia de que isso seria depois a base para gerar energia pelo mundo, para a existência de televisores, para toda a maneira como vivemos. Em dez, vinte ou cinquenta anos, cientistas farão um raciocínio parecido tendo começo o bóson de Higgs e como ele nos transformou. Por fim, a terceira forma como as descobertas mudam nossa vida exige uma abordagem filosófica. Conhecer e compreender as regras da natureza é dever e direito do homem como ser pensante. O cérebro nos mostra instintiva e racionalmente que queremos mais conhecimento. Nesse enfoque, a ciência vira irmã da arte. Para financiar artistas, vamos pensar sobre qual é a finalidade prática de pinturas e músicas? De forma alguma. Apoiamos a arte e a ciência por serem as expressões máximas do ser humano.

A senhora foi eleita pela revista americana Time uma das pessoas mais importantes do mundo e tem recebido milhares de e-mails de jovens que pedem orientação sobre como se tornar cientistas. Sobre tempo para responder a todos? Respondo a todos os e-mails. Sei como é vital para um jovem com vocação científica ter uma referência, uma personalidade que lhe sirva de exemplo. Quando era jovem, eu me encantava com a vida e a carreira de gênios como Albert Einstein. Isso me motivou a seguir em frente. Fico honrada ao ver que muitos estudantes que entram em contato comigo têm nos físicos do Cern uma inspiração para seguir nessa aventura de desvendar a realidade, que nos ajuda a evoluir como seres humanos.”
(FABIOLA GIANOTTI, que é física, em entrevista a FILIPE VILICIC, de Genebra, e publicada na revista VEJA, edição 2316 – ano 46 – nº 15, de 10 de abril de 2013, páginas 17 a 21).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 10 de abril de 2013, caderno OPINIÃO, página 9, de autoria de FREI BETTO, que é escritor, autor, em parceria com Marcelo Barros, de O amor fecunda o universo – ecologia e espiritualidade (Agir), entre outros livros, e que merece igualmente integral transcrição:

“Insustentáveis agrotóxicos

O Brasil é o campeão do mundo no uso de agrotóxicos no cultivo de alimentos. Cerca de 20% dos pesticidas  fabricados no mundo são despejados em nosso país. Um bilhão de litros ao ano: 5,2 litros por brasileiro! Ao recorde quantitativo soma-se o drama de autorizarmos o uso das substâncias mais perigosas, já proibidas na maior parte do mundo por causarem danos sociais, econômicos e ambientais.
Pesquisas científicas comprovam os impactos dessas substâncias na vida de trabalhadores rurais, consumidores e demais seres vivos, revelando como desencadeiam doenças como câncer, disfunções neurológicas e má-formação fetal, entre outras. Aumenta a incidência de câncer em crianças. Segundo a oncologista Sílvia Brandalise, diretora do Centro Infantil Boldrini, em Campinhas (SP), os pesticidas alteram o DNA e levam à carcinogênese.
O poder das transnacionais que produzem agrotóxicos (uma dúzia delas controla 90% do que é ofertado no mundo) permite que o setor garanta a autorização desses produtos danosos nos países menos desenvolvidos, mesmo já tendo sido proibidos em seus países de origem. As pesquisas  para a emissão de autorização analisam somente os efeitos de cada pesticida isoladamente. Não há estudos que verifiquem a combinação desses venenos, que se misturam no ambiente e em nossos organismos ao longo dos anos
É insustentável a afirmação de que a produção de alimentos, baseada no uso de agrotóxicos, é mais barata. Ao contrário, os custos sociais e ambientais são incalculáveis. Somente em tratamento de saúde há estimativas de que para cada real gasto com a aquisição de pesticidas, o poder público desembolsa R$ 1,28 para os cuidados médicos necessários. Essa conta todos nós pagamos sem perceber.
O modelo monocultor, baseado em grandes propriedades e utilização de agroquímicos, não resolveu e nem irá resolver a questão da fome mundial (872 milhões de subnutridos, segundo a FAO). Esse sistema se perpetua com a expansão das fronteiras de cultivo, já que ignora a importância da biodiversidade para o equilíbrio do solo e do clima, fazendo com que as áreas utilizadas se degradem ao longo do tempo. Ele cresce enquanto há novas áreas a serem incorporadas, aumentando a destruição ambiental e o êxodo rural.
Em um planeta finito, assolado por desequilíbrios crescentes, a terra fértil e saudável é cada vez mais preciosa para garantir a sobrevivência dos bilhões de seres humanos. Infelizmente não há meio-termo nesse setor. É impossível garantir a qualidade, a segurança e o volume da produção de alimentos dentro desse modelo degradante. Não há como incentivar o uso correto de pesticidas. Isso não é viável em um país tropical, como o Brasil, em que o calor faz roupas e equipamentos de segurança, necessários para as aplicações, virarem uma tortura para os trabalhadores.
Há que buscar  solução na transição agroecológica, ou seja, na gradua e crescente mudança do sistema atual para um modelo baseado no cultivo orgânico, mantendo o equilíbrio do solo e a biodiversidade, e redistribuindo a terra em propriedades menores. Isso facilita a rotatividade e o consórcio de culturas, o combate natural às pragas e o resgate das relações entre os seres humanos e a natureza, valorizando o clima e as espécies locais.
Existem muitas experiências bem-sucedidas em nosso país e em todo o mundo que comprovam a viabilidade desse novo modelo. Até em assentamentos da reforma agrária há exemplos de como promover a qualidade de vida, a justiça social e o desenvolvimento sustentável.
Para fomentar esse debate e exigir medidas concretas por parte do poder público foi criada, em abril de 2011, a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida. Dela participam cerca de 50 organizações, como a Via Campesina, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e a Federação dos Trabalhadores do Ramo Químico da CUT no Estado de São Paulo (Fetquim). A campanha visa a conquista da verdadeira soberania alimentar, para que o Brasil deixe de ser um mero exportador de commodities (com geração de grandes lucros para uma minoria, e imensos danos à população) para se tornar um território em que a produção de alimentos se faça com dignidade social e de forma saudável.
A outra opção é seguir nos iludindo com os falsos custos dos alimentos, envenenando nossa terra, reduzindo a biodiversidade, promovendo a concentração de renda, a socialização dos prejuízos e a criação de hospitais especializados no tratamento de câncer, como ocorre em Unaí (MG), onde se multiplicam os casos dessa gravíssima doença, devido ao cultivo tóxico de feijão.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, adequadas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:
     
     a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;
     
     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de variada ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;
     
     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e intolerável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tanta sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a confiança em nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de extremas e sempre crescentes demandas, necessidades, carências e deficiências, o que aumenta o colossal abismo das desigualdades sociais e regionais, nos afastando num crescendo do seleto grupo dos sustentavelmente desenvolvidos...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que permita a partilha de suas extraordinárias e abundantes riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa das Confederações em junho; a 27ª Jornada Mundial da Juventude em julho; a Copa do Mundo de 2014; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das empresas, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias,  da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...

O BRASIL TEM JEITO!...    iggHiggs

quarta-feira, 10 de abril de 2013

A CIDADANIA, A LEMBRANÇA DE FLORESTAN FERNANDES E O DESPERTAR DA INOVAÇÃO


“Um herói brasileiro

O café da manhã para os empregados era um pedaço de pão. Florestan deixava sempre sua parte para Ana Fernandes, grávida de sete meses de um menino que nasceria sem jamais saber quem era seu pai. Essa solidariedade rendeu ao motorista uma homenagem pelo resto da vida da criança: o garoto também se chamaria Florestan.
Em 22 de julho de 1920, nascia Florestan Fernandes, contando apenas com a aflição de uma mãe analfabeta, empregada doméstica de uma família rica da aristocracia paulistana.
Aos 6 anos, já trabalhava como entregador, dormindo no próprio emprego, onde ratos e insetos dividiam o ambiente. O menino foi de lá retirado pela avó, com todos os riscos da fome, passando a trabalhar como engraxate.
Já adolescente, percebeu que era preciso estudar para o mudar o destino de miséria. De mãos vazias e com os olhos encharcados de esperança, percorreu as etapas do impossível até entrar, entre os primeiros, no curso de ciências sociais da USP. Numa universidade frequentada pela nata da sociedade, ele sabia que somente seria aceito se fosse o melhor.
A USP formou seu corpo docente com mestres vindos da Europa que não falavam português. Assim, os livros disponíveis deveriam ser estudados no idioma original. Sozinho nas noites escuras, ele fez dos obstáculos um trampolim para alargar os limites que poderia transformar. A escuridão começava a ser domada por uma luz interior, de intensa inteligência e determinação.
Em pouco tempo, o autodidata se revelou um gênio. Formou-se em primeiro lugar. Fez mestrado e doutorado. Conquistou a cátedra. Escreveu mais de 50 livros, traduzidos para o mundo inteiro. No Brasil, era um fenômeno admirado pelos intelectuais da época, dentre os quais, Fernando Henrique Cardoso, que fora seu aluno.
Com o golpe de 1964, Florestan foi expulso do país. Esse menino que nasceu sem pai, filho de mãe analfabeta, condenado a ser miserável, partir para os Estado Unidos para ensinar ciências sociais como professor nas universidades de Columbia e Yale. Posteriormente, tornou-se professor titular na Universidade de Toronto, no Canadá.
A redemocratização o trouxe de volta ao Brasil, tendo sido eleito deputado federal constituinte. Era o único parlamentar que, ao ocupar a tribuna, provocava um silêncio de respeito e admiração no plenário.
Numa madrugada de agosto de 1995, Florestan Fernandes vestiu um pijama e se dirigiu ao Hospital dos Servidores Públicos. Estava doente do fígado, algo decorrente de uma hepatite C. Embora tivesse condecorações equiparadas às de embaixador, pelas quais poderia ser tratado em qualquer país do mundo, preferiu juntar-se às centenas de colegas que estavam na fila para ser atendidos. A morte o levou, vítima de erro médico.
O maior gol de placa que o Brasil já fez ainda não foi comemorado: ter um filho como Florestan Fernandes. Já passou da hora de sabermos escolher nossos verdadeiros heróis.”
(CÁSSIO ANDRADE. Procurador do Estado, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 4 de abril de 2013, caderno O.PINIÃO, página 21).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 8 de abril de 2013, caderno OPINIÃO, página 9, de autoria de ROBERTO LUCIANO FAGUNDES, que é engenheiro, presidente da Associação Comercial e Empresarial de Minas (ACMinas), e que merece igualmente integral transcrição:

“O despertar da inovação
        
         Há no Plano Inova Empresa, lançado recentemente pelo governo federal, um mérito indiscutível: o de, ao disponibilizar quase R$ 33 bilhões em linhas de crédito subsidiado para o setor produtivo, permitir que as empresas possam bancar, elas próprias, projetos de inovação capazes de elevar sua competitividade e a produtividade. São exatamente esses fatores que, ao lado da imensa lista de entraves que compõem o chamado “custo Brasil”, constituem as principais causas de maus resultados, que nem repetidas desonerações fiscais têm conseguido reverter.
         Da iniciativa  deverá também resultar, como efeito paralelo e igualmente bem-vindo, a melhora da posição brasileira no ranking das nações mais inovadoras. Em 2012, de acordo com a Organização Mundial da Propriedade Intelectual, o Brasil perdeu nove posições, mesmo tendo conseguido um crescimento de 4,1% no número de depósitos de patentes, referência para a classificação. Com isso, caiu para o 58º lugar entre os 141 países pesquisados, um resultado que nem sequer nos coloca na liderança da América Latina, ocupada pelo Chile, e nos deixa a anos-luz do topo da lista, ocupado pela Suíça.
         Dez entre 10 especialistas concordam que a razão desse desempenho pífio encontra-se numa quase generalizada ausência de cultura inovadora nas empresas, motivada, por sua vez, por uma aversão ao risco – não sem motivos, diga-se, dada a relativa instabilidade nas regulações econômicas e financeiras do país, além do crescente intervencionismo estatal, que recomendam cautela na hora de decidir investimentos. E isso faz com a busca pela inovação acabe se concentrando fortemente no meio acadêmico: entre as cinco instituições que lideram os pedidos de patentes, três são institutos de pesquisas – a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade de São Paulo (USP) – outra é uma fundação, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), e, completando a lista, uma única empresa, a Petrobrás, mesmo assim estatal.
         Não é de se esperar que os recursos do Plano Inova Empresa sejam utilizados pelo setor produtivo no desenvolvimento interno de projetos, até porque pouquíssimas empresas têm vocação. E é nesse aspecto, justamente, que a iniciativa mostra seu maior potencial. Ao disponibilizar uma montanha de dinheiro para ser investida exclusivamente em programas de inovação, a iniciativa privada terá como estabelecer parcerias estratégicas com instituições especializadas para desenvolvimento de novos produtos, processos, sistemas de gestão, engenharia, marketing e uma infinidade de outras atividades que podem ser melhoradas e tornadas mais eficazes. Ao convergir em boa parte para as organizações que atuam diretamente no desenvolvimento da inovação, os investimentos certamente darão novo fôlego à pesquisa, um setor que, efetivamente, precisa de incentivos. Segundo relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento  (BID) divulgado no ano passado, o Brasil investe nessa área não mais que 1,2% do seu PIB.
         Ainda assim, a situação brasileira é invejável se comparada com a dos demais países da América Latina e do Caribe, excetuado o Chile. Segundo dados de 2007, os mais recentes disponíveis, a média de investimentos públicos nessas regiões é de 0,1% da somatória dos PIBs. É nesse contexto que um programa capitaneado pela Fundação Dom Cabral, oitava melhor escola de negócios do mundo no ranking do Financial Times, o Escolas de Negócios da América Latina para o Crescimento Sustentável (Enlaces), vem atuando. Agregando-se congêneres da Argentina, Chile, México, Venezuela, Colômbia e Peru, a Rede Enlaces está realizando em Cartagena de Indias, na Colômbia, entre os dias 10 e 12 deste mês, com apoio do BID, o encontro “Desafios da inovação empresarial na América Latina”, que tem como propósito a difusão de experiências bem-sucedidas na região. Paralelamente ao evento, a ACMinas realiza missão empresarial a Bogotá para dois dias de rodadas de negócios com empresas de sete países.
         Em suma, tudo parece indicar que o governo brasileiro decidiu se aliar à iniciativa privada em busca da inovação. Há, porém, dois “entretantos” que ainda afastam intenções de resultados. O primeiro parte do princípio de que a base que tornará sustentável o futuro Plano Inova Empresa é a educação, que no Brasil, a despeito de avanços na última década, ainda derrapa em falhas que levam, por exemplo, a um índice de evasão escolar de 10% no ensino médio. O segundo é o risco – infelizmente alto, dado o histórico da corrupção no país – de que mãos outras avancem sobre os R$ 33 bilhões, inclusive para fins políticos. Afinal, quase metade dessa dinheirama será liberada ainda em 2013, segundo o governo federal, e nunca se deve esquecer que o ano que vem é 2014.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:
     
     a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental , independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;
     
     b)    o combate, severo e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, indubitavelmente irreparáveis;
     
     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e intolerável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tamanha sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; saúde; saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); habitação; emprego, trabalho e renda; assistência social; previdência social; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; logística; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; esporte, cultura e lazer; turismo; minas e energia; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa das Confederações em  junho; a 27ª Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro em julho; a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização de empresas, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa  esperança... e perseverança!...

O BRASIL TEM JEITO!...