“A
doença como capítulo da história de uma pessoa
Nas últimas décadas, há
um consenso de que fatores psicológicos participam do surgimento das doenças
físicas. Tanto os profissionais da saúde como o público leigo admite que “estar
doente” tem relação com a mente – observamos pessoas que adoeceram gravemente
após um grande problema na vida.
Das
patologias reveladas pela psicanálise, a psicossomática ocupa um lugar
diferenciado, pelo caráter fundamental que unifica o corpo e a mente, mostrando
a participação do fator psicológico tanto na manifestação como no tratamento de
doenças físicas. Desde uma simples alergia até o câncer, não se encontra mais
quem conteste esse fato incontornável.
Desde
1968, o médico psicanalista argentino Luis Chiozza pesquisa como se dá a
interação entre corpo e psique na saúde e na doença. A doença é uma condição
presente em nosso cotidiano e, frequentemente, vista como castigo que nos
mobiliza, nos atropela e nos atormenta. Se considerarmos que passamos mais
tempo da nossa vida com alguma doença do que plenamente sadios, talvez
pudéssemos repensar a noção de saúde como ausência total de sintomas.
Quando
pensamos em doença, nós a interpretamos como produto de uma causa que pode
evoluir, retroceder ou estabilizar-se. Podemos cuidar desse desequilíbrio
usando recursos aprendidos ao longo da vida ou recorrer a um especialista
quando percebemos que não conseguimos nos curar sozinhos.
As
diversas áreas do conhecimento têm se desenvolvido cada vez mais, as
especialidades se sofisticam, conhecemos melhor os mecanismos de funcionamento
do corpo e os múltiplos avatares da mente. Porém, cada vez mais, os
profissionais da saúde, entre médicos, psicólogos, psicanalistas e nutricionistas,
são surpreendidos com perguntas como: Por que isso aconteceu comigo? O que fiz
para ficar assim? Eu tenho cura?
A
aprendizagem acadêmica ensina a reconhecer os mecanismos gerais das patologias,
aponta direções de tratamento, mas não nos auxilia na árdua tarefa do cotidiano
da nossa clínica. A singularidade de cada paciente obriga a rever nossos
postulados, nosso campo de saber, e, involuntariamente, cometemos equívocos.
Na
minha experiência, me defronto com profissionais que são unânimes no reconhecimento
de que o humano é um ser integral. Porém, na prática terapêutica, essa verdade
permanente cindida e dissociada.
Outro
equívoco é que entendemos frequentemente a doença como um acidente indesejável
que interfere na vida de um indivíduo. O tratamento a ser visto como um recurso
que recupera o equilíbrio perdido. É o caso da concepção do senso comum da
somatização, que explica as doenças orgânicas pela influência de uma força
perniciosa psíquica interferindo no funcionamento do corpo. Assim, a psicoterapia
passa a ser entendida como um bloqueio dessa influência psíquica na evolução de
uma doença.
Para
Chiozza, a doença aparece como um capítulo indissolúvel de uma biografia que
completa a trama de uma história num conjunto mais amplo e com significado mais
rico. Dessa forma, a doença deixa de ser o acontecimento que surge vindo de
fora para transformar-se num drama que pertence inteiramente à própria vida
pessoal. Tratar um sofrimento, quer se manifeste na área psíquica ou na
orgânica, implica o cuidado integral de um indivíduo, valendo a colaboração
multidisciplinar a partir da compreensão e de pressupostos comuns.
Entender
uma doença significa contextualizá-la na vida de uma pessoa, compreendê-la em
suas diversas manifestações e integrá-la na sua biografia; ir mais além do que
eliminar seus sintomas; decifrar seu sentido profundo para encontrar outras
formas de expressão desse sofrimento, quando for possível.”
(CLARISSA
SILBIGER OLLITTA. Psicóloga e psicanalista psicossomática, em artigo
publicado no jornal O TEMPO Belo
Horizonte, edição de 24 de maio de 2014, caderno O.PINIÃO, página 16).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 23 de maio
de 2014, caderno OPINIÃO, página 9,
de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE
AZEVEDO, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente
integral transcrição:
“A
bola e o social
A Copa do Mundo está se
aproximando, e a sociedade brasileira confirma sinais de que não tratará o
futebol simplesmente com a habitual euforia. O “país do futebol”, cansado com o
modo obsoleto de se fazer política, está emoldurando o mundial com a exigência
de se promoverem mudanças. Não bastará, como de costume, fixar o olhar na bola.
É imprescindível debater as questões sociais, investindo em transformações
profundas. A euforia própria do futebol, com sua alegria que, bem vivida,
congraça e inspira união de corações, precisa receber marcas incidentes. Trata-se
de adicionar um componente cidadão que contribua para as reformas que o Brasil,
especialmente o pobre, espera e precisa. Desta vez, a tática usada desde o
Império Romano de distrair o povo das questões sociais e políticas com o
entretenimento não pode funcionar.
Com
freqüência acompanhamos as notícias na imprensa sobre os jogos da Copa que, por
exigência de seu órgão superior, poderiam ser realizados em oito estádios. Por
isso mesmo, ninguém consegue entender a razão dos investimentos na construção extremamente
onerosa aos cofres públicos dos estádios que são considerados desnecessários
para o evento. Se confirmada a notícia, trata-se de outro indício da
incompetência governamental no planejamento da destinação dos recursos que
precisam ser suficientes para atender não apenas o futebol, mas, sobretudo, as
necessidades inegociáveis e inadiáveis da saúde pública, educação, transporte,
habitação, numa lista interminável de demandas e urgências.
O país
do futebol tem nas mãos a oportunidade de não permitir que se manipule a
euforia bonita e contagiante deste esporte. Uma tática obsoleta de “pão e
circo” para desviar o olhar cidadão das questões que merecem críticas,
respostas urgentes, encaminhamentos mais participativos e solidários. O
discurso das ruas do ano passado, emoldurando a Copa das Confederações,
efetivamente inaugurou esse novo tempo. São muitas as opiniões que apontam que
os legados da Copa não serão como mostram as propagandas. De fato, o não
cumprimento, ao longo de sete anos, a partir da escolha do Brasil para sediar o
mundial, das promessas de investimento na infraestrutura, estradas, aeroportos,
transporte urbano, com especial atenção para as conturbações das grandes
regiões metropolitanas, um caos na vida do povo, é um legado negativo, que
mostra a incompetência e a morosidade dos que estão gerindo a máquina pública.
É
verdade que não é fácil corresponder às necessidades de hoje, “tapando os
buracos” que se formam pelo arrastar-se de coisas do passado, e projetar ao
mesmo tempo o futuro. Mas, a incompetência na escolha de prioridades, junto com
o partidarismo patológico e atrasado da política brasileira, interesseira,
cartorial e coronelista, deveriam incomodar mais governantes e políticos,
impedindo-os de se sentirem à vontade na festa do povo. Uma festa que deve
acontecer na paz e no respeito mútuo, cultivando o espírito de congraçamento
pela euforia e pelo acolhimento de visitantes, especialmente os que vêm do
exterior, num exercício cidadão de receptividade e solidariedade. Esse clima
alegre e especial pode favorecer a inteligência para que se escolha bem as
prioridades da vida privada e, sobretudo, aquelas da vida pública, quando se
tem a oportunidade de servir e de fazer o bem, promovendo a justiça para todos.
O
grande legado da Copa do Mundo não será a construção onerosa dos estádios,
mesmo considerando suas outras possíveis destinações; nem se fala dos
investimentos prometidos e não realizados na infraestrutura, sem deixar de
reconhecer o que avançou, nem mesmo uma esperada campanha vitoriosa da seleção
brasileira. O grande legado poderá ser uma consciência social e política mais
aguçada dos cidadãos brasileiros para empurrar com sua força, não apenas nas
urnas, mas diariamente e nos diferentes segmentos, as mudanças cotidianas e as
respostas urgentes que precisam ser dadas para não se continuar a sacrificar
indiferentemente o pobre, não se perpetuarem gestos e estilos de vida na
contramão da cidadania. Precisamos fazer crescer uma condição de brasilidade
que guarde marcas de profundos sentimentos fraternos e a abertura para
solidariedades.
A
Arquidiocese de Belo Horizonte, em sintonia com a Igreja Católica no Brasil,
por meio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em cooperação com
outros segmentos sociais e religiosos da sociedade brasileira, tem programação
própria, já em curso, especialmente para o mês da Copa do Mundo. Uma série de
atividades que contemplam a acolhida religiosa e fraterna de visitantes nas igrejas
e santuários, ocasiões para a vivência de momentos culturais, de
espiritualidade e também de encantamentos, diante de belezas como o conjunto
arquitetônico, religioso, cultural e paisagístico do Santuário Nossa Senhora da
Piedade, na Serra da Piedade, ou da Igreja de São Francisco de Assis, na
Pampulha. No contexto dessas atividades, a Arquidiocese conclama sua grande
rede de comunidades de fé para ações que objetivem o fortalecimento da
consciência política e a busca de um refinado sentido social. Nesse período de
festividades, vamos intensificar a coleta de assinaturas para que a iniciativa
popular faça avançar a Reforma Política, uma grande urgência de nosso país.
Cada um, com seu título de eleitor, é convidado a aderir e também avaliar,
neste ano eleitoral, quais políticos lutam por essa mudança necessária. Em paz
e de maneira cidadã, vamos celebrar a Copa do Mundo de olho na bola e no
social.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas transformações em nossas
estruturas educacionais, governamentais,
jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais,
de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais
livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade –, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas
crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –,
até a pós-graduação (especialização,
mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas
políticas públicas;
b) o
combate, implacável e sem trégua,
aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente,
competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares
civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da
vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária
ordem; III – o desperdício, em todas
as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos,
inexoravelmente irrecuperáveis;
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2014, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e
insuportável desembolso de cerca de R$ 1
trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$ 654 bilhões), a exigir igualmente uma
imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta
a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e
regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores
como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos
sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana
(trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às
commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência
social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas;
polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência,
tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações;
qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –,
transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade,
produtividade, competitividade); entre outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem
arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta
grande cruzada nacional pela cidadania e
qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa,
justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática,
desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e
generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos
os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos
bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa do Mundo; a
Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das
exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das
organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas
tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...
O
BRASIL TEM JEITO!...