(Fevereiro = Mês 56; faltam 4 meses para a Copa do Mundo)
‘Rolezinhos’ que denunciam a sociedade e a fraternidade na economia
O fenômeno dos
“rolezinhos” que ocuparam shopping centers no Rio e em São Paulo suscitou as
mais disparatadas interpretações. Eu, por minha parte, interpreto da seguinte
forma tal irrupção.
Em
primeiro lugar, são jovens pobres, das grandes periferias, sem espaços de lazer
e de cultura, penalizados por serviços públicos ausentes ou muito ruins, como
saúde, escola, infraestrutura sanitária, transporte, lazer e segurança. Veem
televisão, cujas propagandas os seduzem para um consumo que nunca vão poder
realizar. E sabem manejar computadores e entrar nas redes sociais para
articular encontros. Seria ridículo exigir deles que teoricamente tematizem sua
insatisfação, mas sentem na pele o quanto nossa sociedade é malvada porque
exclui, despreza e mantém os filhos e filhas da pobreza na invisibilidade
forçada.
O que
se esconde por trás de sua irupção? O fato de não serem incluídos no contrato
significa ter garantidos os serviços básicos: saúde, educação, moradia,
transporte, cultura, lazer e segurança. Quase nada disso funciona nas
periferias. O que eles estão dizendo com suas penetrações nos “bunkers” do
consumo? Eles estão, com seu comportamento, rompendo as barreiras do apartheid
social. É uma denúncia de um país altamente injusto (eticamente), dos mais
desiguais do mundo (socialmente), organizado sobre um grave pecado social, pois
contradiz o projeto de Deus (teologicamente). Nossa sociedade é conservadora e
nossas elites, altamente insensíveis à paixão de seus semelhantes, por isso,
cínicas.
Em
segundo lugar, eles denunciam nossa maior chaga: a desigualdade social, cujo
verdadeiro nome é injustiça histórica e social. Releva constatar que, com as
políticas sociais do governo do PT, a desigualdade diminuiu, pois, segundo o
Ipea, os 10% mais pobres tiveram, entre 2001 e 2011, um crescimento de renda
acumulado de 91,2%, enquanto a parte mais rica cresceu 16,6%. Mas essa
diferença não atingiu a raiz do problema, pois o que supera a desigualdade é um
infraestrutura social de saúde, escola, transporte, cultura e lazer. O “Atlas
da Exclusão Social”, de Márcio Pochmann (Cortez, 2004), nos mostra que há cerca
de 60 milhões de famílias no Brasil, das quais 5.000 detém 45% da riqueza
nacional. Os “rolezinhos” denunciam essa contradição. Eles entram no “paraíso
das mercadorias” vistas virtualmente na TV para vê-las realmente e senti-las
nas mãos. Eis o sacrilégio insuportável para os donos dos shoppings. Estes não
sabem dialogar, chamam logo a polícia para bater e fecham as portas a esses
jovens. Os marginalizados do mundo inteiro estão saindo da margem e indo rumo
ao centro para suscitar a má consciência dos “consumidores felizes” e lhes
dizer: essa ordem é ordem na desordem.
Por
fim, os “rolezinhos” não querem consumir. Eles têm fome, sim, mas fome de
reconhecimento, de acolhida na sociedade, de lazer, de cultura e de mostrar que
sabem: cantar, dançar, criar poemas críticos, celebrar a convivência humana. E
querem trabalhar para ganhar a vida. Tudo isso lhes é negado porque, por serem
pobres, negros, mestiços, sem olhos azuis e cabelos loiros, são desprezados e
mantidos longe, na margem.
Essa
espécie de sociedade pode ser chamada ainda de humana e civilizada? Ou é um
forma travestida de barbárie? Esta última lhe convém mais. Os “rolezinhos”
mexeram numa pedra que começou a rolar. Só vai parar se houver mudanças.”
(LEONARDO
BOFF. Filósofo e teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 31 de
janeiro de 2014, caderno O.PINIÃO, página
20).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, mesma edição, caderno OPINIÃO, página 9, de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO, que é
arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente integral
transcrição:
“Fraternidade
na economia
A fraternidade na
economia é uma premissa determinante na construção da paz. Lamentavelmente, a
idolatria do dinheiro tem estreitado mentes e corações, negociações e pactos,
em razão da hegemonia exercida sobre o desejo e sobre as razões de viver das pessoas,
de povos, grupos e culturas.
Entre
as dinâmicas da idolatria do dinheiro, além da mesquinhez que limita as oportunidades de partilhas,
apoios e desenvolvimento de projetos básicos para o crescimento das populações,
inscreve-se a devoradora compulsão pelo consumo. Conduta que está na base da
crise de valores, experimentada em todo o mundo, por reduzir a pessoa ao seu
poder aquisitivo.
O
desarvoro do consumo gera voracidade e tiranias incontroláveis no íntimo das
pessoas, determinando dinâmicas perversas para a sociedade contemporânea. Como
enfrentar adequadamente as graves crises financeiras e econômicas deste tempo?
O lucro é determinante e deve ser sempre maior. Impõe o esvaziamento
antropológico de entendimentos sobre o que é essencial na vida das pessoas,
impedindo investimentos, partilhas e apoios. Torna-se meta principal,
sacrificando projetos e programas que poderiam fazer a diferença em cenários de
pobreza. A lógica do lucro que expulsa a fraternidade das dinâmicas da economia
gera outras consequências igualmente preocupantes, tecendo uma rede de
violências, perversidades e corrupção. Destrói o que poderia se traduzir em
exercícios ricos de fraternidade. O papa Francisco, na convicção que rege o
serviço evangelizador da Igreja, constata e chama à reflexão sobre o
afastamento do homem, de Deus e do próximo e sobre o empobrecimento das
relações interpessoais e comunitárias como causas fatais dessa realidade
contemporânea.
As
pessoas são consequentemente empurradas na direção do consumo, na busca do
lucro a todo custo e fora da lógica de uma economia saudável. O cenário é de
desgoverno e de descontrole, realidade que pesa sobre todos os ombros. Não se
pode continuar crescendo e avançando, comprometendo aspectos essenciais,
gerando prejuízos irreversíveis, como a perda do sentido fundamental de
humanidade que sustenta cada pessoa. O sistema de produção e os meios de
comunicação, já dizia o bem-aventurado João Paulo II, têm enorme
responsabilidade pela forte influência no dia a dia das pessoas e na formação
de conceitos, que não priorizam o que, de fato, é importante.
É
clara a convicção de que as crises econômicas e suas injunções devem levar os
construtores da sociedade pluralista, dirigentes governamentais e cidadãos a
repensar os modelos de desenvolvimento e os estilos de vida. Transformações que
têm sido claramente indicadas como possibilidades de proteger cada pessoa da
agressividade dos mecanismos da sociedade do lucro e do consumo. A mudança de
estilo de vida – frisa o papa Francisco, em sua mensagem para o Dia Mundial da
Paz, não pode abrir mão do cultivo das virtudes da prudência, temperança,
justiça e fortaleza.
A
mudança da sociedade não virá, nem se sustentará, simplesmente pelas dinâmicas
próprias da economia, que não possui arcabouço suficiente em si mesma para
promover as transformações que a cultura contemporânea necessita. Apostar em
outro modelo econômico como solução para as sociedades faria, apenas, aumentar
a lista dos fracassos na busca da paz e
adiaria a possibilidade de uma justiça social mais abrangente e mais
significativa.
A
fraternidade sim, tem a energia necessária para mudar a economia. Vivida e
cultivada pela força motriz das virtudes tem propriedades singulares e únicas
para extinguir a guerra, humanizar as relações econômicas e promover o
entrelaçamento de pessoas. A fraternidade tem o poder de iluminar a
inteligência gerando entendimentos que arquitetam pactos sociais e políticos. A
fraternidade, como via para a paz, é o caminho novo para a economia.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas transformações em nossas
estruturas educacionais, governamentais,
jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais,
de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais
livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente
desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade
absoluta de nossas políticas públicas;
b) o
combate, implacável e sem trégua,
aos três dos nossos maiores e mais avassaladores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente,
competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares
civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da
vida nacional, gerando incalculáveis
prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas
modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente
irreversíveis;
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2014, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e
intolerável desembolso de cerca de R$ 1
trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$ 639 bilhões), a exigir igualmente uma
imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta
a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e
regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores
como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos
sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana
(transporte, trânsito, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às
commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência
social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas;
polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência,
tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações;
qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência,
eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade,
competitividade); entre outros...
São gigantescos desafios, e bem o sabemos, mas que,
de maneira alguma abatem o nosso ânimo nem
arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta
grande cruzada nacional pela cidadania e
qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada,
qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que
permita a partilha de suas extraordinárias e abundantes riquezas, oportunidades
e potencialidades com todas as
brasileiras e com todos os
brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos
e que contemplam eventos como a Copa do Mundo; a Olimpíada de 2016; as obras do
PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da
globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do
conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um
possível e novo mundo da justiça, da
liberdade, da paz, da igualdade – e com
equidade –, e da fraternidade
universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...
O
BRASIL TEM JEITO!...