No início da história
da humanidade, a ideia de valor esteve ligada a algo, objeto de escolha ou de
preferência, sem que houvesse nenhuma discussão mais detalhada sobre o que era
isso. Estava vinculada a quando algo era desejado. Depois disso, a palavra foi
usada na Antiguidade para indicar a utilidade e o preço dos bens materiais e a
dignidade e o mérito das pessoas. Por não suscitar muitos problemas de natureza
filosófica, a palavra foi aceita dessa forma em todas as culturas, com uma ou
outra observação feita pelas escolas filosóficas. Tais observações foram desde
aqueles que a queriam vincular exclusivamente às transações comerciais, até os
que a viam com total subjetividade, estabelecendo-a como sinônimo de virtude.
De
forma geral acabou-se por entendê-la como os conteúdos significativos das coisas
em suas características objetivas, por exemplo, raridade, escassez, o
verdadeiro, o honesto, o heroico e o prazeroso. Nessa discussão, os psicólogos
e sociólogos do fim do século 19, embora afirmassem que não se poderia ter uma
lei universal de conduta, julgavam que era possível determinar a ordem dos
valores que devem ser preferidos nas escolhas individuais. Nessas escolhas
estão, por exemplo, coisas de caráter afetivo e sentimental, o que fez com que
os teóricos do assunto postulassem a necessidade de classificar os valores em
termos de internos e externos. Internos aqueles que se referem ao que é
significativo para a pessoa em decorrência de suas experiências, afetos e
vínculos. Externos aqueles que a sociedade legitima e declara, nem sempre sendo
capaz de realizá-lo. Por isso, muito do que se tem como valor externo fica no
domínio da utopia.
No
entanto, aquilo que é digno de escolha deve ser preferido em termos coletivos,
antes que em termos individuais. Tal postulado levou à construção do entendimento
de que os valores têm naturezas obrigatórias e preferenciais. As obrigatórias
estão associadas às virtudes defendidas a partir da lei da moral universal –
verdade, honestidade, vida, coragem, integridade, dignidade – e são
determinantes da relação dos indivíduos consigo mesmos e com a sociedade e que
servem de forma objetiva, às avaliações que se fazem deles. As preferenciais,
associadas à identidade da pessoa, dizem respeito a saúde, beleza, força,
riqueza, fama, nobreza. Essas, de caráter pessoal, podem ser diferentes de
pessoa para pessoa, mas não devem intervir na “virtude” dos relacionamentos.
Dessa forma, a ideia de valor, do ponto de vista objetivo, manteve-se vinculada
a uma visão econômica e sobre tal não há muito a ser dito, porque o senso comum
é suficiente. No entanto, na perspectiva da subjetividade, valor está ligado à
quantidade de significado que atribuo às coisas da minha vida em particular: o
relógio do vovô, o sapatinho da primeira filha, a foto do batizado, aquela
concha colhida na primeira viagem com a namorada etc.
No
filme Riquinho (Rich Rich, Warner Bros, 1994, dirigido por Donald Petrie), uma
ficção infantil que conta a história do menino mais rico do mundo, há um caso
bem ilustrativo da ideia de valor. O vilão da história tenta roubar o cofre da
família Rico. Ao abri-lo, descobre que dentro só tem quinquilharias do tipo
carrinho de bebê, a primeira chupeta, o dentinho de leite etc. Ao confrontar o
Sr. Rico, pai do Riquinho, o vilão pergunta onde estão os dólares, as cartas de
crédito, as ações, as jóias etc. O Sr. Rico responde: “Nos bancos. Aqui no
caixa-forte doméstico só guardamos o que tem valor para nós”.
Valor
é o reconhecimento do que é significativo. Em muitos anos de atendimento às
pessoas, como coaching, escuto histórias de quem que se queixa da ausência dos
pais, do cônjuge etc. Trabalhamos tanto para dar “coisas” aos nossos filhos e
aos demais que nos cercam, mas no esquecemos de doar-nos a nós mesmos. Assim é
que não me lembro de escutar histórias em que as pessoas lembrem-se da roupa de
grife, das viagens ao exterior, etc. Aí me pergunto: quanto trabalho
excessivamente, onde está meu senso de valor? Quando não tenho tempo, nem para
mim mesmo, onde está meu senso de valor? É preciso lembrar que revelo meus
valores nas escolhas que faço.
Muitas
pessoas anseiam por altos salários, posições sociais expressivas, frequentar
lugares importantes, serem reconhecidas etc. Diante disso, há que se perguntar
a que propósito tais anseios atendem. Estar disposto a lutar por “um lugar ao
sol” é uma premissa válida, mas fazer qualquer coisa para isso é não ter valor.
O que
se espera de cada um e de todos nós é que sejamos capazes de construir uma vida
com integridade e dignidade que se reconheçam nas práticas da vida e nos
relacionamentos que a sustentam. Espera-se que busquemos uma justiça para todos
e não apenas para nós; que busquemos qualidade de vida para todos, e não apenas
para nós; que lutemos por melhores condições de trabalho para todos, e não
apenas para nós. Espera-se honestidade na sociedade, mas que também atuemos com
honestidade; que sejamos alvos das benfeitorias sociais, mas que as façamos
também; que todos reconheçam seus valores e que também reconheçam os valores
dos outros. Que as atitudes mais simples estejam cheias de significado, e não
apenas os grandes atos. Que a microvida seja a sustentação das grandes
políticas públicas, de modo tal, que nos orgulhemos daquilo que somos e do que
fazemos, a ponto de desejar que seja público e que reverta para nós mesmos.”
(HOMERO REIS.
Coach, em artigo publicado no jornal ESTADO
DE MINAS, edição de 11 de maio de 2014, caderno MEGACLASSIFICADOSADMITE-SE, coluna MERCADO DE TRABALHO,
página 12).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania
e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição de 9 de maio
de 2014, caderno OPINIÃO, página 7,
de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE
AZEVEDO, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente
integral transcrição:
“Copa
das civilidades
Estamos vivendo a
catástrofe do surto de incivilidades, avalanche de barbáries que está assolando
nossa sociedade. Constata-se a perda irracional dos limites e, sobretudo, de
referências, sem as quais tudo é possível, inclusive escolhas que estão na
contramão da cidadania. Aos rosários de lamentações inevitáveis diante dessa
cenário desolador, é preciso acrescentar uma efetiva atitude reativa. Somente
assim não se permitirá que esse tempo de conquistas admiráveis da inteligência
humana se sucumba diante das irracionalidades que geram violências, corrupção,
eleições “sujas”, insanidade nas relações interpessoais e uma série de outros
desafios que expõem o avanço da desumanização.
Os
números e estatísticas são indispensáveis como instrumento de conscientização e
sensibilização. Mas o determinante nessa necessária postura reativa é a
identificação das raízes e causas produtoras desses preocupantes cenários. O
que se está vivendo é um grande drama social, com perdas de rumo na busca da
verdade, no gosto pelo bem e pela justiça. Certamente, aí está um gargalo
produtor de situações caóticas. Cada um estabelece e busca impor o seu próprio
critério. Os resultados têm sido terríveis, como mostram os episódios em que se
busca fazer “justiça com as próprias mãos”. Infelizmente, vivemos um tempo de
linchamentos, desentendimentos com desfechos violentos, que muitas vezes
resultam em perdas irreversíveis.
A
ordem, enquanto justiça e garantia de respeito irrestrito à dignidade humana,
tem um percurso e balizamentos éticos próprios. A perda dessa referência é
grave e torna-se um grande desafio chegar às raízes dos males contemporâneos.
Fixar o olhar nas bases que instauram a desordem é o passo determinante para
promover grandes mudanças. E alcançá-las não se faz sem o que é próprio da fé,
como experiência e como caminho para a fonte perene dos valores essenciais. Ela
é um patrimônio insubstituível da pessoa, da família e da sociedade, capaz de
corrigir rumos e recompor o tecido da cultura.
É
hora de percorrer o caminho da fé. O colapso que se abate sobre nós é uma séria
crise de valores em razão da superficialidade que emoldura o viver humano
contemporâneo. Só dá conta de alcançar o equilíbrio e a seriedade quem se
alimenta diariamente de sólidas referências. A dinâmica da cultura
contemporânea tem empurrado a sociedade para o esquecimento de um princípio
básico inegociável. Trata-se da justa compreensão de que o essencial está na
interioridade, vem das raízes, e não se resume nas coisas colocadas ao nosso redor.
Ao ignorar esse princípio, a humanidade alimenta a tempestade que tem gerado
naufrágios no percurso da vida. Todos precisam compreender que o essencial está
na interioridade. Caso contrário, perde-se o rumo, não se consegue a força
necessária para superar adversidades, perde-se o balizamento da ética,
escorregando-se na direção de todo tipo de imoralidades. A cultura
contemporânea está ficando cega para esse princípio, que se cultiva com a fé.
Compartilho
a experiência vivida por nós, bispos da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB), reunidos na Assembleia Geral que será concluída hoje. Neste
último dia, viveremos um tempo dedicado ao investimento na fundamental
experiência da fé. A conclusão da Assembleia será com um retiro, marcado pelas
orações, balizando uma carregada pauta de trabalhos, debates, reflexões sobre
temas relacionados à evangelização e à construção da sociedade justa e
fraterna. Meditaremos à luz de grandes personagens bíblicos, como Abraão, Maria
– Mãe de Jesus, Pedro e Paulo. Desse modo, amadureceremos a compreensão de que é peregrinando na fé que se consegue
manter a vida no rumo certo.
A
partir dessa peregrinação, nós, bispos do Brasil, encontramos força e fôlego
para produzir, nesses dias de Assembleia, um importante documento que indica o
caminho para fortalecer as paróquias e comunidades de fé, presença solidária e
comprometida na vida do povo em diferentes realidades, grande capilaridade da
Igreja Católica. Também aprovamos rico e corajoso documento sobre a Igreja e a
questão agrária brasileira. Não menos importante foi a abertura da reflexão
sobre a cidadania de cada cristão na Igreja e sua atuação testemunhal na
construção da sociedade. Nessa direção, desenvolvemos nosso Projeto Brasil,
cujo coração é a continuação da luta pela reforma política. Em resposta à
crescente violência, foi aprovada, por unanimidade, a vivência do Ano da Paz,
do dia 30 de novembro de 2014 até o Natal de 2015, quando serão promovidas
ações para mudar esse triste cenário de desumanidades.
O grande
volume de assuntos tratados, encaminhamentos e compromissos assumidos nos
confirmam, às vésperas da Copa do Mundo, que é hora de avaliações e escolhas de
rumos novos, uma prolongada copa de civilidades. Se não jogarmos essa copa, não
venceremos. É hora de chutar a bola que desfigura a civilidade. Caso contrário,
perderemos o jogo pela vida. Os cenários que horrorizam nossa sociedade só
serão vencidos se conseguirmos, com a graça da fé alimentando nossa cidadania e
o respeito à dignidade humana, jogar uma copa de civilidades.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas
educacionais, governamentais, jurídicas,
políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de
modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais
livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente
desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade –, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade
absoluta de nossas políticas públicas;
b) o
combate, implacável e sem trégua,
aos três dos nossos maiores e mais avassaladores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente,
competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares
civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da
vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária
ordem; III – o desperdício, em todas
as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos,
inexoravelmente irreparáveis;
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2014, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e
intolerável desembolso de cerca de R$ 1
trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$ 654 bilhões), a exigir uma imediata,
abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta
a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e
regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores
como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos
sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana
(trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às
commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência
social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas;
polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência,
tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações;
qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –,
transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade,
produtividade, competitividade); entre outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem
arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta
grande cruzada nacional pela cidadania e
qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa, justa, ética, educada,
civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e
solidária, que permita a partilha de suas extraordinárias e abundantes
riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos
os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos
bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa do Mundo; a
Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências
do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações,
da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade
e de um possível e novo mundo da justiça,
da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...
O
BRASIL TEM JEITO!...