“Em
meio ao mal-estar do mundo, ainda há lugar para a alegria
No
meio do inegável mal-estar mundial, irrompeu, surpreendentemente, em 2013, uma
figura que nos devolveu esperança: o papa Francisco. Seu primeiro texto oficial
leva como título “Exortação Pontifícia ‘Alegria do Evangelho’. Ele vem
perpassado pela alegria, pelas categorias do encontro, da proximidade, da
misericórdia, da centralidade dos pobres, da beleza, da “revolução da ternura”
e da “mística do viver juntos”.
Tal
mensagem faz contraponto à decepção e ao fracasso face às promessas do projeto
da modernidade de trazer bem-estar e felicidade para todos. Na verdade, a
modernidade está colocando o futuro da espécie em risco por causa do assalto
avassalador que continua fazendo sobre os bens e serviços escassos da
mãe-terra. Bem diz o papa Francisco: “A sociedade técnica multiplicou as
possibilidades de prazer, mas tem grandes dificuldades de engendrar alegria”
(Exortação, n. 7). Prazer é coisa dos sentidos. Alegria é coisa do coração. E
nosso modo de ser é sem coração.
Essa
alegria brota de um encontro com uma pessoa concreta que lhe suscitou
entusiasmo, lhe produziu enlevo e simplesmente o fascinou. É a figura de Jesus
de Nazaré. Não se trata daquele Cristo coberto de títulos de pompa e glória que
a teologia posterior lhe conferiu. Mas é o Jesus do povo simples e pobre, que
trazia palavras de frescor e de fascínio. O papa Francisco testemunha o
encontro com essa pessoa. Foi tão arrebatador que mudou sua vida e lhe criou
uma fonte inesgotável de alegria e de beleza. Para ele, evangelizar é refazer
essa experiência, e a missão da Igreja é resgatar o frescor e o fascínio pela
figura de Jesus.
O papa
Francisco não entende o cristianismo como uma doutrina. Mas sim como um
encontro pessoal com uma pessoa, com sua causa, com sua luta, com sua
capacidade de enfrentar as dificuldades sem fugir delas.
Na
evangelização tradicional, tudo passava pela inteligência intelectual
(“intellectus fidei”) expressa pelo credo e pelo catecismo. Em sua versão, papa
Francisco defende que a evangelização passa pela inteligência cordial
(“intellectus cordis”), porque aí tem sua sede o amor, a misericórdia, a
ternura e o frescor da pessoa de Jesus.
Pois é
desse cristianismo que precisamos, capaz de produzir alegria, pois tudo o que
nasce verdadeiramente de um encontro profundo e verdadeiro gera a alegria, que
ninguém pode tirar.
Falta-nos
em nossa cultura midiática e internética esse espaço do encontro. Para isso,
temos que realizar “saídas”, palavra sempre repetida pelo papa. Saída de nós
mesmos para o outro, saída para as periferias existenciais (as solidões e os
abandonos), saída para o universo dos pobres.
Assim,
nada melhor que lembrar o testemunho de F. Dostoiésvski ao “sair” da “Casa dos
Mortos”, na Sibéria: “Às vezes, Deus me envia instantes de paz; nestes
instantes, amo e sinto que sou amado; foi em um desses momentos que compus para
mim mesmo um credo, onde tudo é caro e sagrado. Esse credo é muito simples.
Ei-lo: creio que não existe nada de mais belo, de mais profundo, de mais
simpático, de mais humano, de mais perfeito do que o Cristo; e eu o digo a mim
mesmo, com um amor cioso, que não existe e nem pode existir. Mais do que isso:
se alguém me provar que o Cristo está fora da verdade e que esta não se
encontra nele, prefiro ficar com Cristo a ficar com a verdade”.
O papa
Francisco faria suas essas palavras de Dostoiésvski. Não é uma verdade abstrata
que preenche a vida, mas o encontro vivo com uma pessoa, com Jesus, o Nazareno.
É a partir dele que a verdade se faz verdade. Se 2014 nos trouxer um pouco
desse encontro, então teremos cavado uma fonte de onde jorra alegria, que é
infinitamente melhor do que qualquer prazer induzido pelo consumo.”
(LEONARDO
BOFF. Teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 3 de janeiro de 2014, caderno O.PINIÃO, página 14).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania
e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, mesma edição, caderno OPINIÃO, página 7, de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO, que é arcebispo metropolitano de
Belo Horizonte, e que merece igualmente integral transcrição:
“Mensagem
do papa Francisco
Em sua primeira
mensagem de 2014, no Dia Mundial da Paz, o papa Francisco trata de um tema
importante: “Fraternidade, fundamento e caminho da paz”. O texto é fruto de um
zelo apostólico que desenha um horizonte luminoso para a humanidade, em busca
de rumos novos para a história. A partir de preocupações pastorais, e balizado
por sensibilidade missionária, o papa Francisco argumenta sobre a importância
fundamental da fraternidade como condição insubstituível para a construção da
paz. Resgata e indica o anseio irreprimível pela fraternidade que se hospeda no
coração de cada homem e de cada mulher. Um anseio que, em razão de desgastes e
de dinâmicas na contramão da solidariedade – como os cenários de violência e
corrupção –, fica sepultado no mais recôndito dos corações. E nessa condição
impede que cada pessoa seja instrumento da paz pela força do amor fraterno.
Por
sua constituição própria, o coração humano possui um dinamismo que conduz ao
caminho da comunhão, superando o sentido inaceitável de ver o outro como
concorrente ou inimigo. Imprescindível e prioritário é recuperar a fraternidade
como dimensão essencial de cada pessoa, cultivando cotidianamente o exercício
que reforça, em cada um, o sentido relacional que define o ser humano. Assim,
desenvolve-se a capacidade de tratar cada pessoa como verdadeiro irmão e irmã.
Esse exercício, o papa sublinha, se faz primeiramente no seio da família,
graças, sobretudo, às funções responsáveis e complementares de cada um dos seus
membros, particularmente do pai e da mãe.
Na
mensagem, o papa Francisco afirma categoricamente que “a família é a fonte de
toda a fraternidade, sendo, por isso mesmo, também o fundamento e o caminho
primário para a paz, já que, por vocação, deveria contagiar o mundo com seu
amor”. Esse entendimento é um convite irrecusável a cada membro de cada
família, sobretudo para o pai e a mãe, a pensar muito seriamente em seu papel,
seu modo de conduzir a vida em família. Não se pode querer construir a paz sem
compreender e sem se comprometer com o próprio núcleo familiar. Cada família
tem um papel decisivo na configuração da fraternidade universal. Todos precisam
investir nesse núcleo celular, convencidos de que daí vem uma força notável,
decisiva na formação da consciência relacional que é condição para se alcançar
a paz.
O papa
Francisco cita Bento XVI que, em certa oportunidade, lembrou que a globalização
torna cada um vizinho do outro sem, necessariamente, converter essa proximidade
em sentimentos fraternos. Há uma permanente luta a ser travada contra
ideologias que reforçam o individualismo, egocentrismo e o consumismo
materialista, que debilitam laços sociais e alimentam a mentalidade do
descartável. Essas ideologias conduzem ao desprezo e abandono dos mais fracos,
daqueles que, nessa distorcida visão de mundo, “são considerados como inúteis”.
É
urgente, portanto, multiplicar, pela célula familiar, experiências – pequenas,
grandes, simples, cotidianas – de práticas que permitam a aprendizagem e a
criação do gosto por uma ética que capacite cada pessoa a produzir e a manter
vínculos. Sem essa prioridade, nem mesmo com outras ações, projetos e
programas, não se poderá desenhar um cenário de paz. As lamentações aumentarão,
os absurdos hediondos de todo tipo continuarão a acontecer, o medo vai empurrar
todo mundo cada vez mais para dentro de guetos de segregação, desconfiança e
preconceitos. Comprometida estará, cada vez mais, a fraternidade universal. Não
se alcançará um nível razoável de solidariedade, com força para mudar o que faz
parte de uma ladainha interminável de reclamações, necessidades e
reivindicações.
Esse
exercício de construir vínculos pode começar por uma interrogação que deve
interpelar a consciência de cada um –aquela pergunta de Deus a Caim, querendo
saber de Abel: “Onde está teu irmão?” Uma pergunta que, respondida, reforça a
convicção que salvará o mundo e fará dele um lugar de paz. “Somos todos
irmãos”, ensina a mensagem do papa Francisco.”.
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas
educacionais, governamentais, jurídicas,
políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo
a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres,
civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade
absoluta de nossas políticas públicas;
b) o
combate, implacável e sem trégua,
aos três dos nossos maiores e mais avassaladores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente,
competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares
civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da
vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária
ordem; III – o desperdício, em todas
as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos,
inexoravelmente irreparáveis;
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2014, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e
intolerável desembolso de cerca de R$ 1
trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$ 639 bilhões), a exigir igualmente uma
imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta
a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e
regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores
como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos
sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana
(trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às
commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência
social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas;
polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência,
tecnologia e inovação;cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações;
qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional – ,
transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade,
produtividade, competitividade); entre outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem
arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta
grande cruzada nacional pela cidadania e
qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada,
qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que
possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e
potencialidades com todas as
brasileiras e com todos os
brasileiros, especialmente de investimentos bilionários previstos e que
contemplam eventos como a Copa do Mundo; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e
os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da
globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do
conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um
possível e novo mundo da justiça, da
liberdade, da paz, da igualdade – e com
equidade –, e da fraternidade
universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...
O
BRASIL TEM JEITO!...